segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Mais uma vez, o presidente será o último a saber

Editorial do Jornal Brasil de Fato, Edição 245, de 6 de novembro de 2007.

Um leal deputado do governo descobre o plebiscito“Fiz uma pesquisa e constatei que na maioria dos países desenvolvidos o presidente tem o poder de convocar plebiscitos para consultar a população sobre temas importantes. Aqui, só o Congresso pode fazer isso”.

A declaração é do deputado federal Devanir Ribeiro (PT-SP), ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, que priva do círculo mais íntimo de compadres-colaboradores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A partir dessa pesquisa , o parlamentar prometeu apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que dê ao presidente o poder de convocar plebiscitos. Na próxima semana, o deputado Devanir vai ao Senado, a convite da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), para explicar seu projeto à bancada do partido.

Antes tarde do que nunca, diríamos da descoberta do deputado (e do presidente). Há décadas diversos movimentos e organizações dos trabalhadores e do povo vêm alertando para a importância dos plebiscitos.

Três plebiscitos históricos
Essas organizações e movimentos têm insistido que, para a construção de uma democracia de interesse popular, os mecanismos de representação existentes são insuficientes. Seria necessário combiná-los com intrumentos de democracia participativa e outros de democracia direta. Entre os últimos, apontam o plebiscito como imprescindível para que a maioria possa opinar e decidir sobre as questões estratégicas que envolvam os destinos do país e do povo.

Por isso, sob a iniciativa de diversas dessas organizações e movimentos, e à revelia do Estado e dos governantes, foram realizados três plebiscitos: o Plebiscito da Dívida Externa (2000), o da Área de Livre Comércio das Américas – Alca (2002) e, em setembro deste ano, o da Companhia Vale do Rio Doce, todos bem sucedidos.

Ao que tudo indica, o deputado Devanir e o presidente não estiveram informados sobre o assunto.

Antecedentes nada exemplares
Além disso, o deputado dá mostras de lidar com referências históricas defasadas: desconhece as recentes experiências plebiscitárias e parece se inspirar em antecedentes históricos pouco recomendáveis: sua proposta tem como objetivo central conferir ao presidente Luiz Inácio o poder de convocar plebiscito sobre sua própria reeleição. Ou seja, o plebiscito é apenas um expediente, como vários outros já foram usados, com objetivos semelhantes.

Em 1965, o marechal-presidente Humberto de Alencar Castello Branco traiu aliados golpistas, decretando o Ato Institucional nº 2, que prolongou seu mandato e estabeleceu eleições indiretas para a Presidência. Um dos resultados – ainda que natimorta – foi a Frente Ampla, que tentou reunir o governador Carlos Lacerda, o presidente deposto João Goulart, o ex-presidente Juscelino Kubitschek e outros tantos, numa miscelânea inimaginável. Algo como se algum dia flagrássemos a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), tucanos, pefelistas e o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) de braços dados, dançando uma quadrilha naturalista (vulgo cancan) durante CPIs promovidas por probos tucanos e ilibados pefelistas, contra membros do governo do presidente Luiz Inácio e do PT – certamente hipótese absolutamente improvável, e só possível enquanto fruto das nossas mais pervertidas fantasias.

Em 1977, o general-presidente Ernesto Geisel ampliou de cinco para seis anos o período de mandato do seu sucessor, o general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo. Mas esses seis anos durariam somente até o governo do presidente José Ribamar Sarney: então, volta tudo para cinco anos.Daí, tivemos até um plebiscito (1993), onde enfrentamos o ridículo de ter de escolher entre República e Monarquia (além de presidencialismo X parlamentarismo). Na ocasião, decidiu-se também que o mandato presidencial seria de apenas quatro anos, mantida a cláusula que proibia a reeleição em mandatos consecutivos para o cargo. Essa cláusula seria derrubada a peso de ouro garimpado pelo ministro Sérgio Motta (PSDB-SP), e distribuído a mãcheias no primeiro grande “mensalão tucano”, para permitir a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

Agora....

Me engana que eu gosto
Mas, além dos maus antecedentes que o inspiram, o deputado Devanir Ribeiro, candidamente, insiste em afirmar que sua iniciativa não reflete o desejo do presidente Luiz Inácio. Teme-se que, depois de expor seu projeto aos seus companheiros no Senado, ele e sua colega senadora Ideli resolvam contar uma piada de papagaio e outra de português.

A negociação possível
Caso as organizações e movimentos de trabalhadores e do povo que organizaram os plebiscitos sobre a Dívida Externa, a Alca e a Vale prossigam sua trajetória e sejam capazes de garantir sua unidade, a única negociação possível (pelo menos nos atuais horizontes) para apoiar um plebiscito pela reeleição presidencial seria que este se fizesse preceder de alguns outros, sobre temas como a Dívida, a Alca, a Vale, a limitação de remessas de lucros pelas empresas estrangeiras e vários assuntos desse porte e relevância.

Mas isso parece improvável: a PEC proposta pelo nobre deputado- amigo do presidente Luiz Inácio certamente visa manter o cumprimento da agenda neoliberal em curso.

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