quarta-feira, 14 de maio de 2008

Soltem os cintos

Somos tropicais, somos divertidos e fazemos troças, como características que nos distinguem. E ainda bem que somos assim, porque não suportaríamos sofrer com seriedade. O humor talvez seja aquilo que nos faça sobreviver nos porões.

Quando começou a escrever romances, o Nobel de Literatura V. S. Naipaul, de uma família indiana de Trinidad Tobago, era muito engraçado. Só deixou de ser assim quando percebeu que, para ele, fazer rir era uma armadilha fácil, que anulava as importantes razões pelas quais, oprimidos, todos sofremos. As piadas são carinhosas para com os poderosos, elas o humanizam, ele argumenta. Naipaul sugeriu-me isto numa entrevista há quinze anos, concedida em São Paulo: é como se o riso nos atrelasse ao atraso. Agora, ele escreve em um gênero reportariado sobre as escaramuças e ambiguidades do Oriente, sempre de forma séria, em um belo tom monocórdio, ele que a rainha da Inglaterra acolheu como “sir”.

Não comentarei o caso de “Monty Python”, e talvez o faça em uma coluna próxima. Aquilo é aula humorística, ensaio e filosofia do deboche acerca de arrogantes dominadores. “Python” parece ser uma das coisas mais profundas e interessantes do humor de todos os tempos. Mas talvez nunca consigamos revivê-lo, por razões históricas e também peculiares a uma nacionalidade. Quem é mais velho sabe que, no começo, havia em “Casseta & Planeta” alguma intenção de se aproximar desses pensadores do humor. Isto acabou por completo com os anos. “Casseta” virou o reino da paródia, um programa de todo voltado à morte dos tipos televisivos, e interessante apenas para quem conviveu com eles. “Python”, pelo contrário, é humor da vida.

O filósofo Henri Bergson disse no ensaio “O Riso” (Martins Fontes) que é isto mesmo: rimos para purgar e esquecer. E rimos dos tipos mecânicos, que se sobrepõem aos vivos. Isto precisa de alguma explicação. Um avaro, um ciumento ou um corno não são tipos classificados desta maneira durante todas as horas de um dia. Mas, em uma piada ou uma peça cômica, eles precisam ser assim, típicos. De tanto realçar, ou repetir, suas características ridículas, a comédia torna estes tipos recompensadores, porque diferentes de nós. Rimos, então, daquilo que se repete, daquilo que, para Bergson, é mecânico, irreal, em sobreposição ao que é vivo, variado e nem sempre o mesmo.

Como se tratam de três facetas noturnas desta manifestação risível, talvez os programas brasileiros “CQC”, “Pânico” e “Show do Tom” mereçam uma olhadela conjunta. São diversos em alguma medida, tão diferentes quanto reveladores de nosso estado cômico. Mas são, especialmente, fiéis à idéia de Bergson. Há um humor que não é assim, algo que Luigi Pirandello, no ensaio “O Humorismo” (Perspectiva), chamou de “reflexão em água gelada”. Sem purgar a opressão, diante do humorismo nós nos sentiríamos igualados ao ridículo, não sobrepostos a ele. Quando fazemos ou recebemos humorismo, esta categoria que Pirandello destaca, pensamos sobre as coisas e não necessariamente nos sentimos confortáveis diante delas. No Brasil, os filmes de Ugo Giorgetti trazem esta marca.

Veja o “CQC”, que é a novidade da tevê. Não se trata tanto de um programa de humor quanto uma manifestação educativa dele. Nada poderia ser mais corretivo que o sorriso de Marcelo Tas, o outrora Ernesto Varela, decodificando piadas contadas à vontade por seus repórteres. Ele faz humor fino (sem um valor pejorativo no termo). É comedido e correto. Aqueles humoristas estão lado a lado com o poder, em condição de cobrar atitudes dele.

Os CQCs perseguem o burocrata da Educação, cordato com a reportagem e aparentemente desavisado sobre o fato de muitos estudantes do ensino básico municipal, sem direito a perua escolar, terem de andar a pé quilômetros por dia com destino à aula. Vamos fazer a autoridade andar bastante sob o sol, para ver como é bom? Não há cidadão que deixe de se emocionar com a iniciativa, sinceramente aplaudi-la. Agora, quero ver que desculpas esse sujeito que consome nosso dinheiro vai dar para abandonar as crianças! Fico emocionada, seriamente, com a ousadia.

E o caso dos donos de cachorro que deixam seus bichinhos se esvaziarem à vontade em pleno Parque Ibirapuera? Nós vivemos por lá, somos uma comunidade de fim de semana, e talvez diária, naquele espaço público paulistano. Por que mereceríamos a ação insensível de semelhantes porcalhões? Os CQCs vão até o local, filmam os sugismundos e, depois, catam os cocozinhos dos bichos. Colocam as fezes comprobatórias numa caixa de presente e as oferecem gentilmente aos proprietários dos cães. Antes que soubessem do que trataria a abordagem, os imundos fizeram a récita dos bons costumes para a reportagem: sim, sempre se consideraram civilizados por catar aquilo de seus bichos pelas ruas. Mas, então, recebido o “presente”, vêem a fita que lhes mostra de que forma arrasaram o espaço de lazer, sob olhar indiferente...

Rir, rir. Talvez eu não consiga me divertir com estas idéias dos caras de pau, mas é fantástico que elas ajam sobre nossas vergonhas com tanta limpeza. Como existimos sem “CQC” por tanto tempo? Já imagino como será penoso exercer a cidadania no futuro, sem eles.

“Pânico” é outra história. É de dar medo, de fato, o serviço de utilidade ao público proposto por lá. Igualmente caras de pau, seus humoristas têm intenção parecida de cobrança do poder, neste caso, do poder midiático. Não deixa de ser ótimo, também. Eles se vêem em condição de fazer esta cobrança, porque, durante toda a vida, estiveram diante de uma televisão e almejaram por ela. Usam o programa, até, para que se encontrem próximos aos ícones. Eles ensinam ao ídolo como se comportar ao lhe ressaltar as características visíveis, ora o mau humor, ora as baixezas, ora a vaidade desmedida, as contradições entre ser uma coisa na tevê e outra fora dela, torcendo para que se corrija. Se os humoristas amam Silvio Santos, precisam aperfeiçoar sua imagem, por que não?

Em conversa séria a uma jornalista como Marília Gabriela, de cara limpa, contudo, os atores Vesgo e Ceará revelam-se tediosos monumentais. Falam como se precisassem se justificar, como se fossem indispensavelmente célebres de sentimentos e alguém pudesse acreditar em suas boas intenções. Quem deseja vê-los assim? Por que não viram meninos de novela de uma vez? Sabrina Sato parece diferente, de uma inteligência que não se enquadra. Mulher vilipendiada, que tem de pagar pela beleza com algum castigo, como em eterno exercício de fantasia sexual, ela debocha de todos os seus companheiros quando diz saber a “verdade” do que lhes propõem. Talvez ela seja o melhor que o “Pânico” tenha a oferecer, promovendo um serviço de vigilância interno. Ela vira o programa pelo avesso para rejuvenescê-lo criticamente.

Mas há muitas idéias nem sempre cercadas de um padrão de talento e texto neste “Pânico”. Note que eles sempre voltam à utilidade pública de alguma forma. Lembro-me de uma ocasião em que o Repórter Vesgo cobrou das assessorias de celebridades fajutas notas lançadas à imprensa em que supostamente “a irmã de Carla Perez” anunciava a gravidez. Riram da importância que isto pudesse ter para alguém. Cobrar Petra Gil por ser gorda é um serviço de utilidade, sob um aspecto cruel: já que nós a percebemos e distinguimos, ela precisa emagrecer se quiser circular entre nós. Se não fizer isto, nós a tornaremos risível: ela será o mecânico (repetida e ousadamente gorda) sobre o vivo (magro de biquíni) que desejamos ter como companhia.

Meninos da elite intelectual? Parece engraçado, mas não duvide, é tudo verdade. Meninos da elite, sim.

Vistos aos pedaços “CQC” e “Pânico”, sinto falta do “Show do Tom”. Está certo, você me odiará por isto. Assumidamente ligado ao baixo cômico, às idéias populares, ele é um programa que vive da vitalidade de dezenas de atores desconhecidos (e que jamais conheceremos, de fato, algum dia), contando piadas velhas. Não me lembro de ter visto cocô exposto no programa (fezes ilustram nossa alegria infantil), como já houve em “Pânico” e no “CQC”. Mas no concurso de piadas promovido por Tom, ficamos entre a drag queen que investe contra os homossexuais e aquele sujeito que imita o Pato Donald, mais afetivo por reproduzir a voz atávica do que por narrar confusamente tiradas ingênuas dos anos 50. Não são pessoas célebres, nem talvez se tornem, os atores deste programa jogado para baixo do tapete. Os polimentos, para ele, são mais que impensáveis. São desnecessários. Falemos de bichas com a mesma insistência com a qual reverenciaremos os bêbados e os machistas. O humor não pode ter correção.

Tom nos torna à clareza das ruas. É emocionante que dedique horas de improviso a seus personagens, mas, principalmente, aos dos outros, vindos de tantas partes do país e colocados sobre palco iluminado. Estes outros, possivelmente, nunca serão mais nada num cenário global. Nenhum programa brasileiro de humor prescinde da edição nervosa, de gatilho, a não ser o “Show do Tom”. Eu me sinto, nele, em praça da alegria verdadeira, hoje decaída, mas, ainda assim, ocasionalmente, assistível. Golias começou como interventor anárquico, chamando ao combate em pleno ar. Espero que Tom faça seu show por longo tempo.

E uma nota: não deixe de assistir à baixa comédia “Super-Herói”, dos irmãos Zucker. Lá há um pum demorado, talvez o mais longo da história, proferido pela paródica tia de Peter Parker. O baixo humor dos irmãos faz o papa tirar fotos da genitália de um sujeito com um celular. Quem assiste aos irmãos Zucker há algum tempo, desde “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”, vai entender que eles não perdem uma piada sequer contra as religiões, até aquela que lhes deve ser própria. No filme de 1980, uma passageira pede à aeromoça que lhe entregue uma leitura leve. E a comissária dá à mulher uma folha fina e pequena contendo os feitos do ano dos esportistas judeus.

Rosane Pavam

A ministra e a morte do torturador

Quando alguém era preso entre o final de 1968 e 1977, para fixar um período, era tudo violência. Lembro, para recorrer à minha própria história, que já cheguei sangrando e sem camisa à sede da Polícia Federal em Salvador, no dia 23 de novembro de 1970. Depois, foi pau-de-arara, choque elétrico, afogamento, pancadaria, sangue. Menti que menti. Não conhecia um único endereço em Salvador, onde estava havia quase um ano. E não lembrava o nome de uma única pessoa. Se falasse a verdade, meus companheiros, minhas companheiras, viriam a sofrer as mesmas atrocidades.

Gozado que eu refletia sobre isso logo que caí. É, não estranhem, nós falávamos em queda quando alguém era preso. Dizíamos: o companheiro caiu para nos referirmos à prisão de alguém. Ainda estamos a dever um estudo sobre o nosso discurso particular do período. Pois é, logo que caí, ainda sob pancadas, cercado de tiras, seguindo para a Federal, eu imaginava que tinha de mentir muito para não prejudicar a organização revolucionária à qual pertencia – a Ação Popular. Eu pensava: a mentira está sempre com a ditadura. Hoje eu penso no quanto há de dificuldades para dicionarizar as palavras.

Mentira pode ser ruim, não é verdade? Nós não precisamos mais do que a verdade, o revolucionário precisa da verdade. Era o que Gramsci dizia. Mas, a verdade da sobrevivência sob situações de terrorismo de Estado, como aquela em que vivíamos durante a ditadura, podia estar na coragem para sustentar histórias que não tinham nada a ver com a realidade. Devemos, nesse caso, fazer uma discussão ético-moral para saber o que engrandecia o ser humano e o que o diminuía ou até o destruía.

Para a ditadura, com seu séqüito de tortura e morte, o bom sujeito era o que dizia a verdade. Essa denominada verdade era arrancada sob as mais abomináveis torturas de adultos, crianças, velhos, freiras, padres, o que fosse. Para os revolucionários, havia a verdade da revolução, a verdade da luta contra a ditadura. E para tanto, era necessário mentir para que ninguém caísse. Para que outros não sofressem, para preservar os combatentes do lado de fora, para que a luta pudesse continuar. Os revolucionários deviam dizer a realidade dos partidos a que pertenciam?

Isso tudo tem a ver com a discussão que o senador Agripino Maia provocou quando perguntou se a ministra Dilma Roussef havia mentido. E a ministra, com dignidade, respondeu de modo brilhante, porque verdadeiro. Será que o senador sabe o que é suportar o pau-de-arara e nada revelar sobre o paradeiro de companheiros? Sabe o que é lealdade, solidariedade com os parceiros de luta? Não se tratava de verdade ou mentira. Tratava-se, isso sim, de continuar a luta contra a ditadura e, para tanto, era fundamental que outras pessoas não caíssem.

Na visão da ditadura, encarnada agora pelo senador Maia, o correto seria a ministra delatar seus companheiros. Maia, sem nenhum pudor, pensou certamente na máquina de dar choques, na cadeira do dragão, no pau-de-arara, fixou-se ali ao lado dos torturadores, e não via por que a ministra, então uma jovem de 19 anos, revolucionária convicta, companheira de Lamarca, não falar, não revelar o paradeiro de seus amigos de luta. Essa é a verdade que ele defende. Essa é a mentira que ele pretendeu atacar. O bom, o eticamente defensável, seria a delação.

Nessa discussão não se pergunta sequer se havia algum momento em que o diálogo se estabelecia. Não havia diálogo. Não havia sequer resquícios de civilização. Havia o torturador e o torturado ou a torturada. Ninguém perguntava antes se você queria dizer alguma coisa. Primeiro, você era colocado no pau-de-arara. E aí começava o diálogo do senador Maia. Os que mentissem, nesse quadro de horror, eram os mais corajosos, como a ministra Dilma. Ela tem toda razão: é muito difícil sustentar mentiras sob a tortura, sob o terror da tortura.

A tortura é a expressão tenebrosa da patologia de todo um sistema social e político – no caso, naquele momento, da ditadura. À custa de um sofrimento corporal inimaginável, teoricamente insuportável, a tortura pretende separar corpo e mente, instalar uma guerra entre um e outro, semear a discórdia entre ambos.

O corpo torna-se um inimigo – com sua dor, nos atormenta, nos persegue. A mente vai para um lado, o corpo sofrido para outro. O corpo quer o término da dor. A mente pede que não ceda. Se não há solidariedade entre corpo e mente, o ser torturado fica exposto ao sol e à chuva, ao desabrigo absoluto, sem chão, entregue às ansiedades inconscientes mais primitivas.

Essa última parte está no meu livro Galeria F – Lembranças do mar cinzento, volume I, editado pela Casa Amarela. Quando o torturador consegue com que o torturado fale, tem nas mãos os despojos de um ser humano. Tudo isso é fruto da reflexão psicanalítica de Hélio Pellegrino. Se a pessoa não morre – se não fala – morre então o torturador, moralmente destroçado não pela mentira de sua vítima.

O torturador morre porque se defronta com um universo muito mais forte do que todo o terror que ele pode empregar: a lealdade, a solidariedade com os companheiros, a dignidade que se agiganta diante da barbárie, a responsabilidade histórica, coisas intangíveis, que só os espíritos nobres podem abrigar. O torturador – e a ditadura – vive da morte e na morte, sempre. O senador não cometeu nenhum deslize. Apenas revelou o que é: um partidário da tortura e da morte. Não se pode sequer falar em ato falho. Afinal, a esmagadora maioria dos integrantes de seu partido defendeu a ditadura e seus métodos.

Dilma derrotou seus algozes, os monstros que pretendiam destruí-la. Abrigava sentimentos nobres em seu coração, ideais revolucionários sólidos. Talvez pensasse, então, com Gramsci, ele outra vez, ser uma mulher comum, mas de convicções profundas. Nem Gramsci foi um homem comum, nem Dilma é uma mulher comum, no entanto. E a história dela está aí para provar. Sua dignidade comprovou-se naquele momento sombrio de nossa história. E ela seguiu adiante, inteira, o que não é fácil. Hoje tem o orgulho de falar daquele passado, dizer que não delatou seus companheiros porque estava ao lado da revolução brasileira, pela qual ela continua a lutar até hoje integrando o governo Lula, a mais bem-sucedida experiência de distribuição de renda e de inclusão social de nossa história, a nossa revolução democrática.

Emiliano José

Idéias

Se possuir idéias é estar doente, temo então pela saúde,
receio os saudáveis e tenho horror aos puros.

Frase muito interessante retirada do blog: http://dexistencialismo.blogspot.com/2007/08/o-autoritarismo-da-opinio-pblica.html

Que sentido dar à vida?

Se o sentido da vida é o lucro, qual é então o seu sentido
para quem não pode e não deseja extorquir?

Frase muito interessante retirada do blog: http://dexistencialismo.blogspot.com/2007/08/o-autoritarismo-da-opinio-pblica.html

Fome e Miséria

Se cada um tem o que merece, logo os milhões de
famintos merecem passar fome.

Não fossem os miseráveis, não exisitiria a miséria.

Frase muito interessante retirada do blog: http://dexistencialismo.blogspot.com/2007/08/o-autoritarismo-da-opinio-pblica.html

Herói e Vilão

O problema do herói é que ele tem permissão para matar.
O problema do vilão é que ele tem permissão para morrer.
Da inversão dessa ordem emerge o bárbaro.

Frase muito interessante retirada do blog: http://dexistencialismo.blogspot.com/2007/08/o-autoritarismo-da-opinio-pblica.html

JORNALECOS: dominação mental e empresa de capitais

A comunicação de massa em Pindorama ressalta coisas sobre guerras, fotografias vermelhas e manchas em meio aos classificados, marcas de hidratante e receitas de como ser feliz.

Acordarmos como que se estivéssemos dormindo, sonhos lindos em lugares limpos e saudáveis tomam o nosso redor. Do caos midiático precipitam anúncios de concurso público e a esperança de que tudo deve mudar. (Viva a mídia!) Com ela tudo tem uma “boa explicação”. Até a miséria humana. Despertamos do sono fisiológico para adentrarmos no fabuloso, no fantástico mundo da mídia, que ecoa como o arauto das boas intenções. Nada se explica, nada se discute, a não ser os bumbuns das moças bonitas das novelas e propagandas de cerveja. Nada sobre a possibilidade que Pindorama tem para ser um país de verdade, ao invés desse arremedo insólito de nação multiétnica embutida de objetivos comuns em torno de um mesmo projeto nacional.

Na província dos Goyasis, por exemplo, a mídia local, aprendiz de feitiçaria dos engenhos Rio-São Paulo, fala sobre a beleza do burgo descolado pelas bandeiras: praças limpas, arborizadas, canteiros de rosas esparramados nas avenidas, meninas com estilo manequim da Revista Brazil e muita música chula confundida com obra de arte em meio ao calor de deserto. As notícias são tão bem vestidas de palavras e imagens que quase acreditamos em tudo que dizem ser feito nos espaços de circulação da província do pequi. Graças ao quarto poder, o poder de comunicação da mídia, como os hodiernos Dyario de la Manhãna, El Populary, Tevî-Ayangueras e outros associados locais. Que vontade que dá de ser amigo da mídia! Tão competente no exercício do seu metier! Podemos lembrar, que enquanto os “novos” déspotas esclarecidos faturavam com os soldos emitidos pela Avestruz Máster, a mídia pequizeira preferiu incentivar o médio populacho a investir economias inteiras num “negócio da china”, com um lucro que seria garantido por um rendimento mensal que chegaria até os incríveis 5% ao mês. Mas ao preferir incentivar a compra de ações, a mídia também optou pelo oposto da sua virtude e, contrariando os princípios do jornalismo ético, deixou de informar as pessoas sobre como aquela empresa organizava seu caixa para poder redistribuir tais rendimentos com os investidores e nem de longe discutiu a origem e os antecedentes da mesma no interior paulista, onde já havia ocorrido o mesmo tipo de golpe financeiro.

Para os donos de jornais, senhores de engenho da comunicação local, déspotas esclarecidos numa terra de gente semi-alfabetizada e sedenta por riqueza fácil, nada se falou sobre os fatos que alguns repórteres encontraram nas visitas in locu; nada sobre o número de aves dentro da empresa, inferior ao número dos registros de posse de aves encontrados com os investidores depois da investigação federal; nada de duvidar dos lucrativos juros superiores aos de quaisquer outros tipos de investimento bancário em Pindorama. Depois da derrocada empresarial, Polícia Federal rondando a cidade, coube apenas anunciar aquilo que todo mundo já estava sabendo, tremendo rombo pra quem comprou ações da empresa. Por que não informar as pessoas, os colaboradores da mídia? Isto é sonegar informação! Com certeza é (também) incentivar o instinto patriótico de enriquecimento fácil, existente desde os tempos em que nossos patrícios mancebos e mal cheirosos pisaram aqui em Pindorama. Mas de que vale tal incentivo? “Ora, se o meu lucro pode ser inevitável, por que impedir que ele aconteça?”, argüiria inteligentemente de si para si um bom senhor de gentes.
N.B.P.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Caso Isabella: o que está por trás do crime que comoveu o país?

• No último domingo, o país inteiro parou diante da televisão para acompanhar a reconstituição do assassinato da menina Isabella. O momento mais esperado foi quando um perito, de porte semelhante ao do pai, soltou pela janela uma boneca que imitava o corpo de Isabella, simulando o momento do crime. Esta cena ficou marcada na cabeça de milhões de pessoas.

Esta semana, o crime que comoveu o país e virou uma novela diária, acompanhada por milhões de pessoas, completa um mês. A maioria da população já tem uma opinião sobre a responsabilidade de Alexandre e Ana Jatobá pela morte de Isabella. A principal discussão agora impulsionada pela mídia, que está lucrando milhões com o caso, é como ocorreu de fato o crime, especulando detalhes sórdidos e por que o pai e a madrasta cometeriam um ato tão monstruoso contra uma criança de apenas cinco anos.

Mas, para além do espetáculo da mídia burguesa com interesses econômicos e da exploração da polícia e da Justiça em proveito próprio, tentando salvar suas imagens caídas em descrédito junto à população, há uma comoção e uma indignação nacional da qual somos parte. O caso entrou nas casas de famílias de trabalhadores e vem despertando inúmeras discussões, reflexões e sentimentos não só individuais, mas coletivos.

A população inteira se pergunta o que se passa com a “família”, com as relações entre as pessoas, onde está a humanidade, a solidariedade, o afeto? O caso traz discussões profundas, como as de que o ser humano, por natureza, é mau. Afinal como um pai mata a própria filha? Sem dúvida o caso leva a certa “desmoralização do ser humano”. E fica a pergunta: Por quê? Aonde chegamos? O que fazer?

A resposta mais presente para dissipar esses sentimentos é o desejo de punição severa dos culpados, que beira ao desejo de linchamento público. Mas não se trata só disso.

Evidentemente, o assassinato foi cometido por verdadeiros monstros. Mas revela, também, doenças do conjunto da sociedade, da mesma forma como o assassinato de 13 pessoas numa universidade em Columbine, nos EUA, por dois estudantes, revelou uma deformação na sociedade norte-americana.

O tema Isabella, portanto, não é um assunto privado, um caso isolado, ou simplesmente fruto de distúrbios psicológicos de seus agressores. Infelizmente, existem várias “Isabellas” todos os dias nos quatros quantos do mundo que compõem um fenômeno silencioso, mas “comum”. Expressa uma doença da sociedade capitalista: um quadro vergonhoso da violência contra crianças, em especial a violência doméstica praticada pelos pais, mães, madrastas, padrastos e familiares em geral. O caso Isabella e tantos outros são apenas o extremo dessa situação.

A violência contra as crianças na sociedade capitalista

O caso Isabella choca pela história: uma aparente família feliz, perfeita, onde um casal jovem de classe média, com nível superior de instrução, vivendo num apartamento novo e bonito com três crianças, agride e mata uma menina de cinco anos, alegre, carinhosa, cheia de vida. A perplexidade e indignação nacional não poderiam ser maiores.

Mas, casos como este, em que a violência contra as crianças, vinda de dentro da família, levam a morte de inocentes, infelizmente não são raros. O mais grave é que essa violência ocorre principalmente não na rua, mas exatamente nos locais onde as crianças deveriam se sentir mais seguras e receber proteção, que são os lares, escolas e creches.

Ultimo relatório das Nações Unidas (ONU) sobre a violência infantil publicou dados constrangedores, demonstrando que esta se dá em um número elevadíssimo de crianças em varias partes do mundo. São cerca de 200 milhões de crianças vítimas de diversos tipos de violência.

Considerando que, em sua maioria, os casos de violência não são documentados nem denunciados, mas tolerados pelos familiares, “educadores” não-agressores, pelas instituições educacionais e escondidos pelos agressores e agredidos, seguramente estes números são de fato muito maiores.

“O silêncio dos Inocentes”

Essas vítimas, crianças pequenas, não têm como denunciar. Mesmo sendo uma criança um pouco maior, tende a esconder e se calar, por medo ou vergonha, ou pela proximidade e dependência completa do agressor, principalmente econômica. A violência, muitas vezes, é cotidiana e se repete por anos, destruindo a vida desses seres que vivem sob o medo.

É fato que existem muitos casos em que famílias convivem com a agressão às crianças e nada é feito para barrar o agressor. O silêncio motivado pelo medo de se expor ou de assumir as conseqüências da denúncia, por exemplo, transformam esse tipo de crime numa prática silenciosamente cometida longe dos olhos de todos. São crimes ocultos, enterrados num silêncio cúmplice. Alguns poucos casos resultam em punição, mas outros tantos simplesmente não aparecem, nem nas estatísticas oficiais, muito menos recebem qualquer atenção, nem por parte da família, nem por parte do Estado.

Essas crianças, vítimas da violência doméstica, por causa de sua condição social e da impunidade, do medo, não se transformam em notícia, e viram apenas números nas estatísticas. Às vezes, nem isso: são clandestinas.

A criança vitima da família patriarcal e da alienação dos pais

A condição das crianças como um ser frágil, dependente, incapaz de garantir sua própria sobrevivência, junto com a família do tipo patriarcal, onde todos são propriedades do pai, ou no caso de famílias só com mãe, ou só com o pai, onde todos são propriedades de quem põem dinheiro dentro de casa, as crianças são vistas como uma propriedade, um objeto de seus pais.

A família criada pelo capitalismo traz para o meio individual e privado obrigações que são do coletivo e, portanto, do Estado. Ao homem é dada à tarefa de trabalhar, à mulher de cuidar da casa, da comida, das vestimentas para as crianças. O marido assume a responsabilidade pela subsistência da mulher e dos filhos como uma obrigação natural. O casamento, a paternidade e a maternidade, que deveriam ser uma relação espontânea de realização da essência humana, afetiva, criadora, passam a ser um peso econômico grave.

Nas sociedades de caçadores-coletores, de comunismo primitivo, era toda a comunidade, homens e mulheres, que mantinham e protegiam seus membros e, sobretudo, as crianças, deste o berço até a morte. Com o capitalismo, essa imensa responsabilidade de cuidar, manter, educar, alimentar, abrigar os filhos passa a ser responsabilidade da família isolada e não mais do coletivo. A família e suas relações são profundamente abaladas pelo peso da manutenção da prole, o casamento e os filhos viram um fardo, um peso, uma prisão numa vida de sacrifícios e frustrações.

Além disso, não há nenhuma garantia de que o pai e ou a mãe continuem empregados e que tenham um salário adequado para responder às necessidades dos filhos e deles mesmos, causando um grau de estresse enorme, insegurança e distorções grandes em relações que deveriam ser de solidariedade, liberdade, criação, afeto.

Junto com o desemprego e os baixos salários, a ausência de creches, de escolas em período integral, de restaurantes e lavanderias públicas, leva a mulher, em particular, a uma situação limite. Além de cuidar dos filhos é chamada a trabalhar fora para complementar o salário do marido. A mulher passa a ser vítima da opressão em casa e da dupla jornada de trabalho. Enfim, a superexploração dos pais faz recair, muitas vezes, sobre a criança, toda a frustração, fúria, revolta desses, que passam a ver nos filhos a causa dos seus problemas que, na verdade, estão na sociedade capitalista e não nas relações interpessoais.

Por outro lado, a violência é justificada como método educativo: a violência doméstica, os insultos, as ameaças, a rejeição, a indiferença e o menosprezo são algumas das técnicas adotadas por certos pais para educar os filhos. Ainda hoje, a violência infantil dentro das escolas e de outras instituições educativas é autorizada em 106 países, onde os alunos são punidos. No caso do Brasil, a ofensa e agressão à criança são proibidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mas, como a maioria das leis, esta também não sai do papel.

Qual a saída?

O ser humano se realiza trabalhando, transformando a natureza, criando e se relacionando com outros seres humanos. Mas, na sociedade capitalista, em que a imensa maioria dos homens e mulheres é obrigada a vender a sua força de trabalho em troca de um salário para sobreviver, sendo separados do produto do seu próprio trabalho, tendo sua capacidade criadora retirada e transformada em ações repetitivas em ritmos extenuantes de trabalho, em que, ao final, recebem um mísero salário para seguir sobrevivendo e seguir trabalhando, gera um tipo de homem e de mulher e transfere a eles uma série de relações que estes reproduzem no âmbito privado. O homem vira uma coisa, um objeto, um ser alienado da sua existência, da sua condição humana.

A opressão às crianças é parte da sociedade capitalista que transforma tudo em mercadoria a venda, em objetos, relações que nascem de uma natureza exploradora, alienante e anti-humana. Somente numa sociedade diferente, socialista, é possível que nossas crianças tenham um pleno desenvolvimento, no marco de relações completamente distintas. A responsabilidade de sua manutenção, alimentação, abrigo, educação serão do coletivo e não do indivíduo. As relações entre pais e filhos, entre pais e mães, entre homens e mulheres, serão livres do peso material e econômico, relações livres, afetivas e verdadeiramente humanas.

Essa mudança depende da luta da nossa classe, em especial da classe operária que produz, por seu suor e suas mãos, o lucro que sustenta os capitalistas. São aqueles que, uma vez encorajados, conscientes e organizados podem dar um golpe de morte neste sistema.

Um novo tipo humano surgirá e se constituirá nesse processo de luta e será o germe da sociedade futura, uma sociedade sem exploradores e explorados, que permita acabar com a opressão entre os desiguais, como a opressão contra os mais frágeis. Assim, nossas crianças poderão crescer e se desenvolver plenamente, criando o futuro.

Dados da violência infantil

No Mundo:
*223 milhões – vítimas de abuso sexual; o sexo feminino é o mais exposto a este tipo de violência.

*218 milhões - foram de certa forma, “escravizados” através do trabalho infantil

*275 milhões - foram testemunhas de violência doméstica;

*Entre uma e 20 mulheres em cada 100 confirmam ter sido abusadas sexualmente, em casa, antes dos 15 anos.

No Brasil:
**São 186.415 denúncias aos conselhos tutelares de violência cometida pelos pais, de 1999 até hoje.

***De 1996 a 2007, foram registrados, no país, 49.481 casos de violência grave cometida por familiares contra as crianças em suas casas. Nesse período, contabilizaram-se 532 mortes.

*Relatório "Violência contra os Meninos, Meninas e Adolescentes", elaborado pela ONU

**Denúncias dos Conselhos Tutelares de todo o país, enviadas ao Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia)

***Relatório USP e UNIFESP

Dados da violência infantil em São Paulo
- 60% são relacionados a crianças que vão de recém-nascidas a pré-adolescentes de até 12 anos, vítimas de estupro, exploração e abuso sexual

- 66% delas conhecem o agressor

- 60% dos casos ocorreram na casa da própria vítima

- 44,7% foram vítimas de estupro

- 47% dos casos foram praticados por pessoas da própria família (intrafamiliar)

- 46% por pessoas extrafamilares- Em 54% dos casos, quem fez a denúncia da agressão foi algum membro da própria família.

Dados da Unifieo e Pastoral do Menor


Cilene Gadelha, da Direção Nacional do PSTU