sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Brasil ocupa piores posições em lista de educação

Pesquisa da OCDE coloca o país entre na 52ª posição entre 57 países na comparação do desempenho de estudantes do ensino médio

O Brasil é um dos países com pior nível de educação de ciências para estudantes do segundo grau. O país ficou na 52ª posição em uma lista de 57 países. A informação é de uma pesquisa desenvolvida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O estudo, realizado em 2006, é o principal instrumento de comparação internacional do desempenho entre alunos do ensino médio.

Além de medir o ensino de ciências, o levantamento mediu a capacidade de leitura, noções de matemática, e como os estudantes aplicavam esse conhecimento para resolver problemas do dia-a-dia. Outros quatro países latino-americanos ficaram à frente do país: Chile, Uruguai, Argentina e México. Dos países da região que foram pesquisados, apenas a Colômbia teve desempenho abaixo do Brasil.

Não é a primeira vez que o Brasil apresenta maus resultados em uma pesquisa sobre educação. Em setembro deste ano, outro estudo da OCDE mostrou que o Brasil é o que menos gasta com educação, numa lista de 34 países.De acordo com um relatório elaborado pela Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação, divulgado em julho, o Brasil possui uma defasagem de 235 mil professores para o ensino médio. As disciplinas mais afetadas segundo o relatório são as de Física, Química, Matemática e Biologia. (com informações da Radioagência NP)

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Se correr o bicho pega, se ficar...

ELE COME e fim de papo.

O bicho parece bonzinho, mas é devorador e diabólico. Está na cabeça e nas entranhas das pessoas; no mercado, na rua, na mídia, na empresa, na família... e adora também dar uma entrada nas igrejas. Atende por nomes diversos. Porém, um dos mais usados é neoliberalismo.

Tenho muito medo desse bicho. Ele vive matando. Prefere o sangue de crianças, trabalhadores, indígenas e pobres em geral. Seu lema é antigo e atual: “decifra-me ou devoro-te”. Sua base é o mercado. Seu negócio é vender. Para isso, trabalha com o desejo dos consumidores. “E quem pensa a partir do desejo nunca tem o suficiente”, explica o professor Jung Mo Sung. Entre os efeitos mais notórios do “bicho papão”, acham-se os seguintes:

1. Exclusão social: Cresce a categoria dos considerados “não gente”. Hoje, quem “não tem” poder econômico “não é”. Os excluídos não contam porque, ao sistema, nada acrescentam. Por esse motivo, são tratados como “coisas que falam”, expressão utilizada pelos romanos em se referindo aos escravos. Existiam “as coisas que falavam” e as “coisas que não falavam”. Escravos eram “coisas que falavam”, mas não eram escutados.

2. Culpabilização da vítima: O sistema leva você a acreditar que todo o fracasso é culpa sua. Quem não consegue competir, passa a pensar que ele é o incompetente e que sua incompetência tem um preço. Quem se sente culpado, habilita-se a aceitar que deve pagar uma pena. E, quem é penalizado constantemente vai perdendo a auto-estima e a dignidade. Quem perde a dignidade, passa a pensar que não têm direitos. E quem acha que não têm direitos, perde também a vontade de lutar.

3. Crescimento da violência: O fenômeno é complexo. A violência não se reduz a um impulso oriundo de quem tem fome e está sem “comida”. Entretanto, sem comida distribuída entre todos os que têm direito a sentir fome, não pode existir paz. Vale lembrar que, no mundo, de cada cinco pessoas, duas vivem com menos de R$ 6,00 por dia. As causas da violência são múltiplas, mas não podem ser ignoradas as de caráter socioeconômico.

4. Consumo ilimitado: O neoliberalismo cria símbolos e ídolos. O ídolo passa a estimular “desejos miméticos”. Instiga a querer o mesmo que o outro deseja. Assim, se fortalece a concorrência e a corrida ao consumo. Imprimir essa lógica nos indivíduos é tudo o que o sistema de mercado deseja. Se você entrar nesse esquema, o bicho já te pegou. Livrar-se dele não é tarefa fácil. Se, por um lado, há desejos que são necessidades e precisam ser satisfeitos; por outro, existem desejos que devem ser vigiados e controlados, pois são verdadeiros instintos do sistema.

5. Estresse globalizante: Hoje vivemos os efeitos de uma globalização sedentária. O capitalismo nos quer assim: não críticos e ativos, mas ativistas (ou desocupados) ingênuos. Enquanto fazemos coisas, não paramos para pensar. E se não paramos para pensar, não questionamos. Não questionar, é tudo o que ele espera. O ativismo tem seus agregados: a irritação, a angústia existencial, a tensão, a intolerância etc., levando à depressão, à doença e até a morte. De tudo é salutar livrar-se.

Para impedir que o “bicho” nos pegue e nos devore de vez é preciso prendê-lo pelos “chifres”. E não adianta ir sozinho, pois ele tem força. É fundamental resistir, articulando as múltiplas forças que desejam alcançar outros horizontes: da sociedade justa, solidária e sustentável.

Não podemos imitar o bicho que exclui, devora e depreda.

Se estivermos bem organizados, quem vai ter que correr é o bicho.

Podes crer!

Dirceu Benincá é doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP)

Mais uma vez, o presidente será o último a saber

Editorial do Jornal Brasil de Fato, Edição 245, de 6 de novembro de 2007.

Um leal deputado do governo descobre o plebiscito“Fiz uma pesquisa e constatei que na maioria dos países desenvolvidos o presidente tem o poder de convocar plebiscitos para consultar a população sobre temas importantes. Aqui, só o Congresso pode fazer isso”.

A declaração é do deputado federal Devanir Ribeiro (PT-SP), ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, que priva do círculo mais íntimo de compadres-colaboradores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A partir dessa pesquisa , o parlamentar prometeu apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que dê ao presidente o poder de convocar plebiscitos. Na próxima semana, o deputado Devanir vai ao Senado, a convite da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), para explicar seu projeto à bancada do partido.

Antes tarde do que nunca, diríamos da descoberta do deputado (e do presidente). Há décadas diversos movimentos e organizações dos trabalhadores e do povo vêm alertando para a importância dos plebiscitos.

Três plebiscitos históricos
Essas organizações e movimentos têm insistido que, para a construção de uma democracia de interesse popular, os mecanismos de representação existentes são insuficientes. Seria necessário combiná-los com intrumentos de democracia participativa e outros de democracia direta. Entre os últimos, apontam o plebiscito como imprescindível para que a maioria possa opinar e decidir sobre as questões estratégicas que envolvam os destinos do país e do povo.

Por isso, sob a iniciativa de diversas dessas organizações e movimentos, e à revelia do Estado e dos governantes, foram realizados três plebiscitos: o Plebiscito da Dívida Externa (2000), o da Área de Livre Comércio das Américas – Alca (2002) e, em setembro deste ano, o da Companhia Vale do Rio Doce, todos bem sucedidos.

Ao que tudo indica, o deputado Devanir e o presidente não estiveram informados sobre o assunto.

Antecedentes nada exemplares
Além disso, o deputado dá mostras de lidar com referências históricas defasadas: desconhece as recentes experiências plebiscitárias e parece se inspirar em antecedentes históricos pouco recomendáveis: sua proposta tem como objetivo central conferir ao presidente Luiz Inácio o poder de convocar plebiscito sobre sua própria reeleição. Ou seja, o plebiscito é apenas um expediente, como vários outros já foram usados, com objetivos semelhantes.

Em 1965, o marechal-presidente Humberto de Alencar Castello Branco traiu aliados golpistas, decretando o Ato Institucional nº 2, que prolongou seu mandato e estabeleceu eleições indiretas para a Presidência. Um dos resultados – ainda que natimorta – foi a Frente Ampla, que tentou reunir o governador Carlos Lacerda, o presidente deposto João Goulart, o ex-presidente Juscelino Kubitschek e outros tantos, numa miscelânea inimaginável. Algo como se algum dia flagrássemos a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), tucanos, pefelistas e o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) de braços dados, dançando uma quadrilha naturalista (vulgo cancan) durante CPIs promovidas por probos tucanos e ilibados pefelistas, contra membros do governo do presidente Luiz Inácio e do PT – certamente hipótese absolutamente improvável, e só possível enquanto fruto das nossas mais pervertidas fantasias.

Em 1977, o general-presidente Ernesto Geisel ampliou de cinco para seis anos o período de mandato do seu sucessor, o general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo. Mas esses seis anos durariam somente até o governo do presidente José Ribamar Sarney: então, volta tudo para cinco anos.Daí, tivemos até um plebiscito (1993), onde enfrentamos o ridículo de ter de escolher entre República e Monarquia (além de presidencialismo X parlamentarismo). Na ocasião, decidiu-se também que o mandato presidencial seria de apenas quatro anos, mantida a cláusula que proibia a reeleição em mandatos consecutivos para o cargo. Essa cláusula seria derrubada a peso de ouro garimpado pelo ministro Sérgio Motta (PSDB-SP), e distribuído a mãcheias no primeiro grande “mensalão tucano”, para permitir a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

Agora....

Me engana que eu gosto
Mas, além dos maus antecedentes que o inspiram, o deputado Devanir Ribeiro, candidamente, insiste em afirmar que sua iniciativa não reflete o desejo do presidente Luiz Inácio. Teme-se que, depois de expor seu projeto aos seus companheiros no Senado, ele e sua colega senadora Ideli resolvam contar uma piada de papagaio e outra de português.

A negociação possível
Caso as organizações e movimentos de trabalhadores e do povo que organizaram os plebiscitos sobre a Dívida Externa, a Alca e a Vale prossigam sua trajetória e sejam capazes de garantir sua unidade, a única negociação possível (pelo menos nos atuais horizontes) para apoiar um plebiscito pela reeleição presidencial seria que este se fizesse preceder de alguns outros, sobre temas como a Dívida, a Alca, a Vale, a limitação de remessas de lucros pelas empresas estrangeiras e vários assuntos desse porte e relevância.

Mas isso parece improvável: a PEC proposta pelo nobre deputado- amigo do presidente Luiz Inácio certamente visa manter o cumprimento da agenda neoliberal em curso.

sábado, 17 de novembro de 2007

Filosofia da História

(...) não devemos cair nas ladainhas das lamúrias, dizendo que, no mundo, muitas vezes ou quase sempre, os bons e piedosos são infelizes, ao contrário dos maus e perversos. Por felicidade entendem-se coisas bem diversas, como fortuna, honra mundana e coisas semelhantes. Mas quando se trata de um fim em si e por si, o que se chama ventura ou infortúnio deste ou daquele indivíduo particular não pode ser tomado como momento da ordem racional do universo. Aqui não é o interesse nem a paixão individual que exigem satisfação, mas a razão, o direito, a liberdade.
G.W.F. Hegel
1770 - 1831

"Por que Socialismo"

"A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sócio-políticos extremamente difíceis: “como é possível, considerando a muito abarcadora centralização do poder, conseguir que a burocracia não seja todo poderosa e arrogante? Como podem proteger os direitos do indivíduo e mediante ele assegurar um contrapeso democrático ao poder da burocracia?”
Ter claras as metas e problemas do socialismo é de grande importância nesta época de transição."
Albert Einstein
1879 – 1955

A Organização das Massas Operárias Contra o Governo e os Patrões

Nós já o repetimos: sem organização, livre ou imposta, não pode existir sociedade; sem organização consciente e desejada, não pode haver nem liberdade, nem garantia de que os interesses daqueles que vivem em sociedade sejam respeitados. E quem não se organiza, quem não procura a cooperação dos outros e não oferece a sua, em condições de reciprocidade e de solidariedade, põe-se necessariamente em estado de inferioridade e permanece uma engrenagem inconsciente no mecanismo social que outros acionam a seu modo, e em sua vantagem.

Os trabalhadores são explorados e oprimidos porque, estando desorganizados em tudo que concerne à proteção de seus interesses, são coagidos, pela fome ou pela violência brutal, a fazer o que os dominadores, em proveito dos quais a sociedade atual está organizada, querem. Os trabalhadores se oferecem, eles próprios (enquanto soldado e capital), à força que os subjuga.

Nunca poderão se emancipar enquanto não tiverem encontrado na união a força moral, a força econômica e a força física que são necessárias para abater a força organizada dos opressores.

Houve anarquistas, e ainda há, que, ainda que reconhecendo a necessidade de organização na sociedade futura e a necessidade de se organizarem agora para a propaganda e para a ação, são hostis a qualquer organização que não tenha por objetivo direto a anarquia e não siga os métodos anarquistas. E alguns se afastaram de todas as associações de resistência existentes, consideraram quase uma defecção tentar organizar novas associações.

Para esses camaradas, todas as forças, organizadas em um objetivo que não fosse radicalmente revolucionário, seriam, talvez, subtraídas à revolução. Acreditamos, ao contrário, e a experiência já nos mostrou isso muito bem, que seu método condenaria o movimento anarquista a uma perpétua esterilidade.

Para se fazer propaganda é preciso estar no meio das pessoas. É nas associações operárias que o
trabalhador encontra seus camaradas e, em princípio, aqueles que estão mais dispostos a compreender e a aceitar nossas idéias. E mesmo que se quisesse fazer intensa propaganda fora das associações, isto não poderia ter efeito sensível sobre a massa operária. Excetuando um pequeno número de indivíduos mais instruídos e capazes de reflexões abstratas e de entusiasmos teóricos, o operário não pode chegar de uma só vez à anarquia. Para se tornar anarquista de modo sério, e não somente de nome, é preciso que comece a sentir a solidariedade que o une a seus camaradas, é preciso que aprenda a cooperar com os outros na defesa dos interesses comuns e que, lutando contra os patrões e capitalistas são parasitas inúteis e que os trabalhadores poderiam assumir a administração social. Quando compreende isso, o trabalhador é anarquista, mesmo que não carregue o nome.

Por outro lado, favorecer as organizações populares de todos os tipos é a conseqüência lógica de nossas idéias fundamentais e, assim, deveria fazer parte integrante de nosso programa.

Um partido autoritário, que visa controlar o povo para impor suas idéias, tem interesse em que o povo permaneça massa amorfa, incapaz de agir por si mesma e, conseqüentemente, sempre fácil de dominar. É lógico, portanto, que só deseje um certo nível de organização, segundo a forma que ajude na tomada do poder: organização eleitoral se espera atingir seu objetivo pela via legal; organização militar se conta com a ação violenta.

Nós, anarquistas, não queremos emancipar o povo, queremos que o povo se emancipe. Nós não acreditamos no fato imposto, de cima, pela força; queremos que o novo modo de vida social saia das entranhas do povo e corresponda ao grau de desenvolvimento atingido pelos homens e possa progredir à medida que os homens avançam. Desejamos, portanto, que todos os interesses e todas as opiniões encontrem, em uma organização consciente, a possibilidade de se colocar em evidência e influenciar a vida coletiva, na proporção de sua importância.

Nós assumimos como objetivo lutar contra a atual organização social e destruir os obstáculos que se opõem à realização de uma nova sociedade, onde a liberdade e o bem-estar estarão assegurados a todos. Para perseguir este objetivo, unimo-nos em partido e procuramos nos tornar os mais numerosos e os mais fortes possível. Mas os outros também estão organizados em partido.

Se os trabalhadores permanecessem isolados como tantas unidades indiferentes umas das outras, ligadas a uma cadeia comum; se nós mesmos não estivéssemos organizados com os trabalhadores enquanto trabalhadores, não poderíamos apenas nos impor... E então não seria o triunfo da anarquia, mas o nosso. E não poderíamos mais dizermo-nos anarquistas, seríamos simples governantes, incapazes de fazer o bem, como todos os governantes.

Fala-se com freqüência de revolução e acredita-se por esta palavra resolver todas as dificuldades. Mas o que deve ser, o que pode ser essa revolução à qual aspiramos?

Abater os poderes constituídos e declarar extinto o direito de propriedade é desejável: um partido pode fazê-lo além de suas forças, conte com a simpatia das massas e com uma suficiente preparação da opinião pública.

Todavia, e depois? A via social não admite interrupções. Durante a revolução ou a insurreição, como queiram, e imediatamente após, é preciso comer, vestir, viajar, imprimir, tratar dos doentes etc., e estas coisas não se fazem por si mesmas. Hoje o governo e os capitalistas as organizam para delas tirar proveito; quando eles tiverem sido abatidos, será preciso que os próprios operários o façam em proveito de todos, senão verão surgir, sob um nome ou outro, novos governantes e novos capitalistas.

E como os operários poderiam prover as necessidades urgentes se eles não estão agora habituados a se reunir e a discutir, juntos, os interesses comuns, e ainda não estão prontos, de certo modo, a aceitar a herança da velha sociedade?

Numa cidade onde os cerealistas e os donos de padarias tiverem perdido seus direitos de propriedade e, por conseguinte, o interesse em abastecer o mercado, será preciso, a partir do dia seguinte, encontrar nas padarias o pão necessário à alimentação do público. Quem pensará nisso se os empregados das padarias já não estiverem associados e prontos a trabalhar sem os patrões, e se, esperando a revolução, eles não tiverem pensado de antemão em calcular as necessidades da cidade e os meios de abastecê-la?

Todavia, nós não queremos dizer que para fazer a revolução seja preciso esperar que todos os operários estejam organizados. Seria impossível, tendo em vista as condições do proletariado, e felizmente não é necessário. Mas é preciso que pelo menos haja núcleos em torno dos quais as massas possam reagrupar-se rapidamente, tão logo elas sejam liberadas do peso que as oprime.

Se é utopia querer fazer a revolução somente quando estivermos todos prontos e de acordo, é ainda mais utópico querer fazê-la sem nada e ninguém. É preciso uma medida em tudo.

Enquanto esperamos, trabalhemos para que as forças conscientes e organizadas do proletariado cresçam tanto quanto seja possível. O resto virá por si só.
Errico Malatesta
1897

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O Brasil de Hoje é Fruto do Golpe de 1964

O golpe militar de 1964 impôs não apenas 21 anos de ditadura, mas também o ambiente político e cultural que possibilitou – no período da “redemocratização” – ao neoliberalismo aportar com tudo no território brasileiro, estimulado pelas elites empresariais, saudado pelas classes médias e engolido pelos trabalhadores sem maiores resistências.

Em plena Guerra Fria, com o imperialismo norte-americano jogando pesado contra os blocos socialista e terceiro-mundista, o golpe interrompeu o processo de reformas de base articulado por lideranças trabalhistas com o governo João Goulart. As reformas faziam sentido no bojo do desenvolvimento industrial das décadas de 40 e 50, e representavam a justa cobrança dos trabalhadores no acerto de contas com o capital, especialmente para virar a página do atraso oligárquico.

Com o golpe, a experiência educacional transformadora foi duramente reprimida e todo o sistema passou a ser controlado de cima para baixo, com rígida vigilância. Tanto é que inúmeros professores e projetos educacionais foram banidos. Ao mesmo tempo acelerou-se o processo de privatização do ensino superior. Foram criadas as “fundações sem fins lucrativos” que enriqueceram tanta gente. As fábricas de diplomas ganharam status de faculdades e universidades. O sistema criado na ditadura permanece intacto, não apenas vigora até hoje, como é um dos pilares de formação e sustentação intelectual do neoliberalismo.

O projeto de reforma agrária de Celso Furtado, que o governo João Goulart ensaiava colocar em prática, previa a desapropriação de todas as terras ao longo das rodovias e ferrovias, de forma que se pudessem assentar rapidamente todas as famílias que quisessem trabalhar na terra. O golpe de 1964 abortou a reforma agrária e até hoje o Brasil não conseguiu resolver a secular questão agrária e nem criar um modelo para o desenvolvimento da agricultura familiar, a produção de alimentos e a proteção ambiental. Ao contrário, o Brasil agora convive com o latifúndio improdutivo e com o latifúndio do agronegócio – a concentração da terra voltada para a exportação (soja, eucalipto, cana e pecuária), altamente destruidora das reservas florestais, dos recursos hídricos e do meio ambiente.

Nem bem o Brasil saiu da ditadura militar, em 1985, e as elites brasileiras já estavam salivando para privatizar o patrimônio público acumulado nos anos de centralização e de estatização, quando os gestores do regime endividaram o País e o povo brasileiro com inúmeros projetos faraônicos. A ditadura acelerou a destruição da Amazônia com a rodovia Transamazônica e os projetos fracassados de colonização; a ditadura acelerou a destruição dos recursos hídricos com os projetos de grandes hidrelétricas; a ditadura acelerou a destruição cultural do Brasil com os seus projetos autoritários de educação e comunicações. O apoio da ditadura à TV Globo e às demais redes de televisão foi decisivo para “formar” gerações alienadas com a cabeça no consumo e no circo. O sistema de controle da informação e da cultura montado pela ditadura continua intacto até hoje – sob o domínio de alguns grupos empresariais e coronéis eletrônicos espalhados no território nacional.

Nem bem saiu da ditadura e ingressou no neoliberalismo, as elites brasileiras avançaram sobre os direitos dos trabalhadores, retiraram conquistas de décadas, investiram pesado nas “flexibilizações” e “desregulamentações” da legislação trabalhista e social, passaram a arrochar sistematicamente os salários, colocaram milhões na informalidade e multiplicaram várias vezes o exército de reserva – também chamado de desemprego estrutural. Isso só foi possível porque a sociedade brasileira moldada pelos 21 anos de ditadura apagou da memória e da história oficial as lutas feitas e as reformas sonhadas antes de 1964. Depois do último embate, nas eleições de 1989, quando as forças democráticas e populares foram derrotadas – em “eleições livres” – pelo neo-coronelismo apoiado pela velha imprensa empresarial e pelo aparato televisivo construído pelo regime militar, a resistência democrática e popular entrou em declínio, importantes setores da esquerda se renderam ou foram cooptados pelo modelo político-econômico, as propostas transformadoras e socializantes desapareceram dos sindicatos e das universidades. É nesse quadro que o movimento social ainda tenta se reerguer – com muita dificuldade.

Basta lembrar que toda a imprensa brasileira – com exceção do jornal Ultima Hora – apoiou o golpe militar de 1964, na defesa dos interesses dos fazendeiros, do capital industrial nacional e do capital estrangeiro. Da mesma forma, hoje, a grande maioria da imprensa brasileira defende ardentemente os postulados do neoliberalismo, apóia a entrada desenfreada do capital estrangeiro, o sistema financeiro concentrado em grandes bancos e a concentração da terra para o agronegócio. Os motivos de fundo para o golpe de 1964 constituem ainda hoje o programa em vigor das elites dominantes. Isso significa que o golpe de 1964 pode ser considerado completamente vitorioso, pois interrompeu de forma duradoura – há 43 anos – o que estava sendo ensaiado de transformações em favor das classes trabalhadoras. Desde então os trabalhadores não vivenciaram mais nenhum processo de reformas que pudesse mudar as estruturas do País. O Brasil é hoje mais capitalista do que já foi em toda a sua história. Com todos os problemas que esse sistema produz.
Hamilton Octávio de Souza

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Os Indiferentes

Odeio os indiferentes.
Acredito que viver
significa tomar partido.

Indiferença é apatia,
parasitismo, covardia.
Não é vida.

Por isso, abomino os indiferentes.
Desprezo os indiferentes,
também, porque me provocam
tédio as suas lamúrias
de eternos inocentes.

Vivo, sou militante.
Por isso, detesto
quem não toma partido.

Odeio os indiferentes.
Antonio Gramsci

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Copa do Mundo no Brasil, para além do debate econômico

Para antropólogos, torneio expõe a apropriação da paixão pelo futebol como instrumento de dominação

“A realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil constitui um evento cuja força escapa a toda e qualquer tentativa de domesticação política”, pondera José Paulo Florenzano, antropólogo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), antes que surja qualquer argumento que reforce a antiga idéia, a saber, “futebol é alienação”. Para Florenzano, a Copa comporta riscos simbólicos para as instâncias de poder que sonham em manipulá-la em proveito próprio; expõe a todos os perigos o discurso televisivo que pretende imprimir-lhe uma significação nacionalista-patriótica; e possui uma dinâmica que pode cimentar a unidade nacional, tanto quanto, inversamente, expor as fraturas do corpo social.

Tudo o que organização da Copa de 2014 não quer é expor tal fratura. Comemorada, em viagem à Suíça no dia 30 de outubro por cartolas, governadores e até pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a confirmação de que o evento será realizado no Brasil pode ser um risco para a elite.

Mas ela pensa à frente. Por que não transformar a paixão pelo esporte em ufanismo?

De acordo com Luiz Henrique de Toledo (o Kike), antropólogo da Universidade de São Paulo (USP), será uma boa oportunidade para avaliar o significado da seleção brasileira, “valor tão atacado e fustigado em tempos de globalização de times e selecionados”.

Para a antropóloga Bernadete Castro Oliveira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, a “paixão” pelos clubes é manipulada pela mídia em prol da idéia de um selecionado que represente um “Brasil homogêneo”. “Todo o brasileiro tem uma paixão por um time. Do ponto de vista antropológico, o time funciona como se fosse um clã, reúne os indivíduos por um sentimento, por um ideal comum. Na seleção, se toma essa sensação de clã para um ideal manipulado de naçãoh, explica. Assim, para ela, a identidade é transportada de um plano para outro que, de certa maneira, vai servir como uma apropriação do povo pela elite, por meio da mídia.

Dominação
“(O futebol) se tornou um instrumento de dominação. Na década de 1970, por exemplo, o Estado autoritário tentou forçar a construção de um imaginário de povo-nação por meio da seleção”, lembra Bernadete.

Kike reforça esse pensamento. Para ele, a identidade não é uma representação que se sustenta por si mesma, “antes de tudo é projeto político de grupos, de elites, dos governos que se sucedem. Mas acho que, nos últimos tempos, houve pouca instrumentalização do futebol como o maior índice identitário”.

Mesmo com toda a força da mídia, a tentativa de homogeneizar o povo brasileiro não “fez gol”.

“O futebol não pode ser culpado pelas rixas, essas têm a ver com processos históricos e políticos mais complexos que, de vez em quando, destilam pelo futebol tais rivalidades regionais, mas não vejo como uma Copa do Mundo, um evento episódico, possa fazer da nação um corpo político e cultural homogêneo”, aponta Kike

Mais. O antropólogo da USP não acredita nesse tipo de identidade homogênea: “é ingenuidade pensar assim”. E provoca. “A pergunta é, o futebol é amado por muitos povos e por que só aqui insistimos que ele seja um dos índices de identidade, será que isso se repete na Alemanha, Itália e etc. a despeito da sua enorme popularidade? Popularidade e símbolo de identidade nem sempre estão associados. Nós queremos que seja, pelo enquanto (estiver ganhando)”.

Brasilidade
Na Copa, a brasilidade pode ser reatualizada. “Simbolicamente, o futebol nos diz algo daquilo que convencionalmente chamamos de brasilidade, mas isso também não é algo mecânico e a-histórico, para isso tem que ser reatualizado, ritualizado, reproduzido e reproduzindo seus jogadores, seus especialistas e continuar sendo um fenômeno midiático, outro elemento fundamental para que qualquer fenômeno ganhe modernamente esse status de signo identitário”, afirma Kike.

Noves fora o patriotismo “idiotizado” pela mídia, o fato é que a imagem do brasileiro está sempre ligada ao futebol. “Uma coisa é Copa do Mundo, outra coisa é o futebol”. Essa foi a primeira frase do meia Sócrates em entrevista ao Brasil de Fato. Com Magrão o papo é reto. “Futebol é essência. É o exercício dessa prática. Outra coisa é a Copa, que é um negócio, onde tem um 'monte de ladrão roubando dinheiro'”, afirma, sem rodeios, um dos grandes ídolos do futebol brasileiro.

Outro ícone da seleção brasileira, o atacante Tostão acredita que a festa de 2014 será um motivo de congraçamento dos Estados brasileiros e de unificação do conceito de pátria. “Isso é bom, desde que não seja uma coisa ufanista, de glorificar algo que não é para glorificar e iludir as pessoas”, afirma.
Eduardo Sales de Lima

terça-feira, 6 de novembro de 2007

De acordo com o filme “Tropa de Elite”, “favelado bom é favelado morto”

“HOMENS DE preto, qual é sua missão? É entrar na favela e deixar corpo no chão”. Começo este artigo copiando a abertura de outros dois artigos dos que mais gostei no mar de análises sobre o filme “Tropa de elite”. Cláudia Santiago e Ivan Pinheiro iniciam seus textos reproduzindo o refrão cantado pelo Bope nos seus treinamentos. É nele, exatamente, que está a linha geral do filme que, independentemente das intenções do produtor e dos atores, é um hino ao Bope (Batalhão de Operações Especiais que atua nas favelas do Rio). Nesse refrão, está a mensagem central do filme.

Discute-se muito se o filme é de direita, se é fascista ou nazista. Para mim, ele contribui para consolidar, entre a população, a idéia de legitimidade das ações policiais que exterminam pobres e moradores de favelas no Rio de Janeiro. E faz isso no momento em que militantes de direitos humanos travam, na cidade, uma luta para pôr fim a essa violência. Fruto dessa batalha, inclusive, foi criada a Rede Nacional de Jornalistas Populares que, em seu lançamento, contou com a presença da mãe de uma das vítimas da violência policial.

Ou seja, independentemente da vontade de seus executores, o filme serve muito bem às idéias que a direita semeou: todo pobre é perigoso, é ladrão, é bandido. Todos. Basta ser pobre, de preferência negro, para ser, no mínimo, suspeito.

Se a missão do Bope é “entrar na favela e deixar corpo no chão”, a mensagem que o filme passa é de que na favela só tem criminoso, assassino, traficante a ser deixado no chão. Essa é a primeira, a segunda, a terceira, a quarta idéia do filme. É a idéia mais nociva. Ivan Pinheiro, ao final do seu artigo, propõe uma interpretação, com a qual estou de acordo, sobre o resultado ideológico- político do filme: “Em qualquer país em que “Tropa de elite” passar, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, o filme estará contribuindo para que a sociedade se torne mais fascista e mais intolerante com os negros, os imigrantes de países periféricos e delinqüentes de baixa renda”.

Um festival de idéias de direita
Há um hábito, no Brasil, de quase ninguém se assumir como de direita. Hoje, esse costume se reforça com a balela de que direita e esquerda não existem mais. Acabou tudo. O filme nos mostra que, ao contrário, a diferença entre direita e esquerda está mais viva do que nunca. “Tropa de elite” não só apresenta, por meio da narrativa da filosofia do Bope, um grande quadro de idéias de direita, mas também as mostra de maneira simpática, dinâmica e as justifica. O público, obviamente, se comove com o policial com síndrome de pânico, embora este seja torturador de homens, crianças e mulheres e assassino. E se encanta com aquele que reconhece a miopia do menino. Se é tão bom, é possível compreendê-lo quando se transforma, devido à perda do amigo que queria ajudá-lo, em assassino e torturador. Então, justifica a barbaridade dos homens de preto que têm como missão “entrar na favela e deixar corpo no chão”.

Ou seja, não interessa se de propósito ou não, o filme faz campanha e reforça, no coração e na mente de milhões, idéias contra as quais a esquerda se bate há séculos. No artigo de Cláudia Santiago existe um roteiro de algumas das idéias altamente nocivas do filme. Ela afirma: “Os membros do Bope são mostrados como heróis incorruptíveis, dispostos a combater o crime a qualquer custo, mesmo que esse custo seja ‘esculachar moradores’, condenar sem julgamento, torturar crianças e companheiras de traficantes e matar”. Para ela, a prática da tortura, da pena de morte aplicada de maneira informal e a ridicularização da luta pelos direitos humanos são algumas das várias lições de direita que o filme dá aos espectadores. A culpa do tráfico jogada em jovens estudantes “maconheiros”, sem procurar os grandes responsáveis pelo tráfico que não querem que ele acabe, é outro ponto forte do filme.

Extermínio dos moradores
O filme faz sucesso por dois motivos:

- Trata do tema que mais preocupa a sociedade brasileira: a violência e a segurança.

- Retrata e reproduz as idéias dominantes da sociedade sobre a favela, os pobres, os negros, ideologia espalhada pelos quatro Cavaleiros do Apocalipse da comunicação de direita nacional: Folha de S. Paulo, Estadão, Globo e Veja.

A capa dessa revista, no seu número 2.030, do dia 17, não deixa dúvidas sobre o caráter do filme. A manchete é “Pegou geral”. Em seguida, Veja nos esclarece com a seguinte legenda: “O filme ‘Tropa de elite” é o maior sucesso de nossa história porque trata bandido como bandido e mostra usuário de droga como sócio dos traficantes”.

Essa mensagem, que tanto agrada à revista, não é novidade. Não foi o José Padilha quem as inventou. Sempre se falou que “Bandido bom é bandido morto”.

Sempre, entre a classe dominante, desde o tempo da casa-grande e da senzala, existiu o pavor-pânico das “classes perigosas”, isto é, dos pobres. Sempre se confundiu pobre com criminoso. São idéias que têm origem na tradição secular de uma sociedade escravocrata dividida entre a casa-grande e a senzala. O que o filme faz é simplesmente reforçar toda essa ideologia.

Há várias falas e imagens, ao longo do filme que consagram a idéia de que a favela é lugar de bandido:

“O farda preta entra na favela para matar”, se ouve lá pelas tantas. Sim, matar. Matar quem? Lógico, aqueles bandidos favelados.

A raiz da guerra do tráfico
Desde as primeiras cenas aparece a tal “guerra”. Guerra de quem contra quem? A quem interessa essa guerra? Por que não se acaba com ela? A única solução que o filme aponta é o extermínio. De quem? Dos generais dessa guerra? Não. Não há chefões, não há gente interessada em não acabar com essa guerra. Ela existe e ponto final.

Quem disse que essa guerra precisa existir? Não há outras hipóteses? Não há a possibilidade de as “drogas serem vendidas em drogarias”? Não há a possibilidade, por meio da liberação, de acabar com o tráfico e com essa guerra? Há muita gente que acha que assim diminuiria o uso de drogas.

Já se tentou imaginar uma sociedade sem tráfico... sem corrupção policial, sem armas contrabandeadas, sem propinas para advogados e juízes? E, sem tráfico de drogas, como ficaria a lavagem de dinheiro praticada por muitas empresas? Outra pergunta: o tráfico é coordenado por quem? Será que os chefes do exército do tráfico são aqueles garotos de olhos esbugalhados que ficam lá no alto dos morros dando tiros sem saber em quem e pra quê? O filme não fala nada sobre essa parte da realidade. Então, não venham me dizer que o filme refletiu a realidade. Não. Re- fletiu a parte da realidade que queria ver.

A outra foi deixada no escuro e não vai ser vista por quem o assistir.

A imagem que fica é a do morador de favela, traficante. Esse tem que morrer, porque os heróis que o filme apresenta para nossa sociedade idolatrar, os Bope, vestidos de preto, continuam cantando que sua “missão é entrar na favela e deixar corpo no chão”. Corpo de pobre, evidentemente. Não daqueles que vivem da guerra dos meninos do tráfico contra os homens de preto, que rende bilhões de dólares anuais para os verdadeiros chefões do tráfico.

Vito Giannotti é coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A Religião é o Ópio do Povo

"O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo.
Karl Marx, "Uma Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel" (1844)

Você vai perceber de imediato duas coisas. Primeiro, Marx não diz que a religião é o narcótico, o entorpecente do povo, mas sim que é o ópio -- um narcótico específico.

Caracterizar a religião como uma droga que anestesia a dor, por mais chocante que seja para muitos, hoje, foi ainda mais radical em sua época. E no entanto, mais do que condenando a religião em si, Marx na verdade estava criticando a condição de uma sociedade que levaria as pessoas a um entorpecimento. De qualquer modo, a partir daí, não paramos de ouvir as críticas aos comunistas sem Deus, implicando que o pensamento marxista não tem valores nem moralidade.

Isso não é bem verdade. O que Marx queria dizer é que a religião funciona no sentido de pacificar os oprimidos; e a opressão é definitivamente um erro moral. A religião -- dizia ele -- reflete o que falta na sociedade; é uma idealização das aspirações do povo que não podem ser satisfeitas de imediato. As condições sociais da Europa nos meados do século passado tinham reduzido os trabalhadores a pouco mais que escravos; as mesmas condições produziram uma religião que prometia um mundo melhor na outra vida.

Ainda segundo Marx, a religião não é apenas uma superstição ou uma ilusão. Ela tem uma função social: distrair os oprimidos da realidade de sua opressão. Enquanto os explorados e espezinhados acreditarem que seus sofrimentos lhes granjearão liberdade e felicidade no futuro, estarão considerando a opressão como parte de uma ordem natural -- um fardo necessário e não uma coisa imposta pelos outros homens. É isso o que Marx queria dizer ao chamar a religião de "ópio do povo": ela alivia sua dor, mas ao mesmo tempo, torna-os indolentes, nublando sua percepção da realidade e tirando-lhes a vontade de mudar.

O que Marx queria? Ele queria que as pessoas abrissem os olhos para as duras realidade do capitalism0 burguês do século dezenove. Os capitalistas estavam extraindo mais e mais lucros a partir do trabalho do proletariado, ao mesmo tempo que "alienavam" os trabalhadores de sua auto realização. O que os trabalhadores mereciam, e poderiam obter se acordassem de sua sonolência, era o controle de seu próprio trabalho, a posse do valor que geravam com esse trabalho e, conseqüentemente, auto estima, liberdade e poder.

Para atingir esse fim, Marx clamava pela "abolição da religião como felicidade ilusória do povo."

Ele queria que eles buscasse a "felicidade real", que na filosofia materialista de Marx era a liberdade e a realização neste mundo. Já que os ricos e poderosos não iriam entregar isso de graça, as massas teriam de tomá-lo. Daí, luta de classe e revolução.

Veja em: http://www.geocities.com/Athens/4539/opiodopovo.htm

Abrir a “caixa preta” das comunicações no Brasil

MOBILIZAÇÃO Campanha dos movimentos sociais defendem participação da sociedade civil no debate da renovação das concessões de rádio e TV

O DIA 5 de outubro de 2007 é uma data emblemática. Depois de 15 anos, vence o prazo de concessão de várias emissoras privadas de televisão no País como as cinco retransmissoras da Rede Globo (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Belo Horizonte), Band, Record, Gazeta, entre outras. A data foi escolhida pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), organização que reúne os principais movimentos populares e sindicais do País, para o lançamento da “Campanha por democracia e transparência nas concessões de rádio e TV”. Estão previstas mobilizações em 11 capitais brasileiras. A iniciativa, sob o mote “Concessões de rádio e TV: quem manda é você”, pretende denunciar as irregularidades dos processos de renovação das outorgas de exploração de serviço de radiodifusão, que desrespeitam o caráter público das concessões de rádio e TV. No mesmo dia das mobilizações, serão entregues ao Ministério Público Federal representações contra emissoras que veiculam publicidade 24 horas por dia – o que desrespeita a legislação. Também serão encaminhados ao Ministério das Comunicações pedidos de informação sobre as emissoras com outorgas vencidas. A questão não se resume às concessões que vão vencer. Hoje, diversas emissoras de rádio e TV funcionam com a outorga expiradas e contam com o consentimento do poder público. O Ministério das Comunicações faz mais do que vistas grossas e trata a informação como sigilosa. No início de 2007, retirou de sua página na internet a listagem que relacionava prazos de vencimento dos concessionários da rádio e TV. A falta de fiscalização por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) facilita a prática irregular dessas emissoras. O que favorece as cerca de oito famílias que hegemonizam as comunicações no Brasil configurando um oligopólio poderoso na formação de opinião da população brasileira.

Democratizar a mídia
Os movimentos sociais que compõem a CMS avaliam que há uma “caixa-preta” a ser desvendada em todo o processo de renovação. De acordo com Rosana Berttoti, diretora de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), esta é uma pauta estratégica para os movimentos sociais. “A forma com que a mídia criminaliza os movimentos sociais fez com que nós encampássemos esse debate das concessões para que pudéssemos discutir que rádio e televisão no Brasil é concessão pública, logo precisa ser tratada como tal”, explicou. A reivindicação central da CMS é por um novo marco regulatório para as comunicações. A proposta é que sejam contemplados mecanismos de participação da sociedade civil na hora de se conceder um canal de TV ou uma potência de rádio. “É preciso que se tenham critérios de participação na hora de conceder e um processo de avaliação durante (o tempo de vigência), ou seja, que sejam respeitados os movimentos sociais, as mulheres, os negros, as minorias”, disse Rosana. processo de renovação de outorga de concessão ocorre a cada 15 anos, no caso da TV, e a cada 10 anos, no caso de rádios.

Discurso conservador
A maior dificuldade dos movimentos sociais é se contrapor à ladainha do medo, entoada pelos grupos empresariais, de que cobrar critérios para a renovação de concessão é uma “discussão autoritária” ou uma “ameaça à democracia”. A retórica dos oligopólios, no entanto, não se sustenta à luz da própria Constituição que determina ao poder Executivo a competência de renovar e outorgar uma concessão. Mesmo assim, as empresas elaboram um discurso pelo qual se apropriam de um serviço público – o de radiodifusão – e rejeitam a participação da sociedade na definição daquilo que a compete, em uma democracia: a definição nos destinos do que pertence, justamente, ao povo. “Isto não é, nem nunca foi, uma democracia. Isso se chama oligarquia. As concessões não deveriam ser dadas por órgãos estatais, mas por um órgão de majoritária participação popular.

O Conselho de Comunicação Social deveria ser um órgão de Estado, mas com participação popular e poder de dar ou negar as concessões”, disse o jurista Fábio Konder Comparato. Para Comparato, é preciso estabelecer uma série de controles para que o interesse público seja respeitado na ótica dos direitos humanos. “O Ministério Público deveria atuar sobre programas de rádio e televisão racistas. É preciso criar ouvidorias populares sobre a rádio e televisão. Os ouvidores deveriam ser eleitos e não ter nenhuma ligação com o poder Executivo. É preciso que os órgãos de comunicação de massa sejam democratizados, o que significa que não podem ser propriedade de empresas particulares”, defendeu o jurista.

Mayrá Lima - Brasília (DF)

Uma Difícil Opção: Reformar o Capitalismo ou Ruptura Socialista?

O mundo que emergiu da Segunda Guerra Mundial favoreceu a classe operária. Se antes o comunismo e o socialismo haviam se expandido bastante entre o operariado, após a guerra, a adesão tornou-se avassaladora. A esse enorme crescimento dos partidos comunistas europeus, somou-se a presença mundial da União Soviética, que saiu da guerra como potência militar e econômica de primeira grandeza. Um setor mais lúcido da burguesia compreendeu então que, se batesse de frente com o operariado, o mundo iria pelos ares. Objetivamente, não havia mais condições para manter políticas econômicas baseadas numa doutrina econômica responsável por duas carnificinas mundiais e pela maior crise econômica da história do capitalismo. Para evitar o pior a burguesia aceitou – sempre a contragosto e sempre resistindo ao máximo – a intervenção do Estado na economia, com a finalidade de promover o desenvolvimento e de reduzir as desigualdades entre as regiões e as classes sociais. Surgiu então o Estado de Bem-Estar Social, que incorporou várias reivindicações da classe trabalhadora: jornada de oito horas, repouso semanal, salário mínimo, férias, estabilidade - tudo o que constava das pautas do movimento operário antes da guerra. Esse período durou 25 anos e, enquanto durou, as condições de vida dos operários melhoraram substancialmente. Contudo, o mais importante não foi conseguido: apesar da enorme força dos sindicatos e dos partidos operários, não se conseguiu derrotar politicamente a burguesia e substituir o modo de produção capitalista pelo modo socialista. Em meados dos anos de 1970, o Estado de Bem-Estar Social entrou em crise. Saiu dela, dez anos depois, com a contra-revolução liberal – agora sob a roupagem de neoliberalismo. Essa contra-revolução, que é mundial, atingiu o Brasil com toda força, a partir de 1990, quando FHC declarou que iria virar a página da Era Vargas. De lá pra cá, os trabalhadores não conseguiram sequer uma vitória importante. Só perderam direitos e benefícios sociais. A derrota causou perplexidade e divisão entre a classe trabalhadora. Alguns partidos e movimentos procuram reviver o Estado de Bem-Estar Social, propondo reformas na estrutura do capitalismo brasileiro.

Outros consideram que não se pode voltar atrás o relógio da história e que não existem condições internacionais e internas para que a burguesia brasileira (brasileira?) seja reformada.

A hora seria, portanto, de formular uma estratégia de ruptura socialista, no contexto de um processo internacional. Mais dia, menos dia, os trabalhadores terão de optar entre essas duas estratégias.

Plinio Arruda Sampaio é advogado, ex-deputado constituinte, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) e diretor do jornal Correio da Cidadania

As Tropas das Elites

EM MEIO a acirradas polêmicas e uma efervescente projeção na mídia, estreou nos cinemas do Rio e São Paulo o filme “Tropa de Elite”, de José Padilha, cujo maior mérito, pelo visto, foi saber explorar como poucos o caótico quadro de (in)segurança pública nos grandes centros urbanos de Bruzundangas. A produção já era conhecida do grande público bem antes do seu lançamento, graças à onda de DVDs piratas que os incansáveis camelôs venderam Brasil afora antes da estréia oficial (uma pesquisa do Datafolha afirma que 19% dos paulistanos já tinham visto a obra antes da estréia). Em cena, o Bope – a tropa da PM que invade as favelas com o temível Caveirão –, um vilão que já posa de herói no turbulento imaginário da classe média, sempre repleto de ícones de Hollywood B. Não resta dúvida de que o tema virou comoção nacional. E, quando os bobos da corte se revoltam – como fez Luciano Huck, que clamou pelo Bope depois que roubaram seu singelo Rolex dourado nas ruas de Sampa –, a histeria só tende a crescer. Contudo, tratemos de recorrer ao crivo da razão para não sucumbir de vez à barbárie neoliberal.

Em primeiro lugar, é absolutamente impossível comparar o atual quadro de violência social com aquele que existia nos primeiros anos da ditadura militar, em que a vertiginosa transfiguração da fisionomia espacial do país – para a qual concorriam o surto de industrialização, a expansão da “fronteira agrícola” e o êxodo crescente dos lavradores espoliados pelos grandes proprietários – já criava imensos bolsões de excluídos nas entranhas das metrópoles, conforme tão bem nos ilustram as páginas de nossa literatura, desde a prosa contundente de Graciliano Ramos em Vidas Secas, ou o antológico poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, até o recente romance Cidade de Deus, de Paulo Lins. Nos cárceres da ditadura, por sinal, quadros das organizações de esquerda travaram um precário contato com alguns cérebros da criminalidade comum, o que teria inspirado a criação de facções criminosas articuladas sob o molde dos partidos clandestinos, com uma estrutura piramidal típica do centralismo democrático leninista. Segundo nos relatam escritores como José Louzeiro, autor de “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”, assim teria surgido o famoso Comando Vermelho nas prisões do Rio de Janeiro, com o sugestivo lema de “Justiça, paz e liberdade”. Hoje, porém, na hipertrofiada sociedade de consumo que medrou à sombra de nosso capitalismo periférico, não há lugar para qualquer Robin Hood tropical. O narcotráfico, bem o sabemos, opera sob a lógica corporativa do capital, sem nenhum laivo de ética ou idealismo social. E se Brasília não dá exemplo de comportamento gregário, nem os varejistas das drogas, espalhados entre o morro e o asfalto, tampouco os atacadistas, comodamente instalados à beiramar, conhecem algum código de honra... Não idealizemos, pois, a bandidagem (do asfalto ou do Planalto), que deve ser punida com o rigor da lei. Da mesma forma, ninguém se iluda com o aparato de repressão estatal. Quando os sem-teto de Recife saem às ruas em busca de solução para o drama da moradia popular nas cidades, cujas Secretarias de Habitação em geral são invadidas pelos magnatas da especulação imobiliária, lá está a PM, pronta para dispersá-los. Enquanto o governador tucano José Serra, para alegria dos fazendeiros, propõe equacionar o conflito fundiário no Pontal do Paranapanema mediante a regularização a toque de caixa de vastos hectares de terras griladas, não faltam tropas da PM para acossar os sem-terra que continuam a resistir à avassaladora expansão do agronegócio em plagas tupiniquins. E até mesmo quando a fazenda de FHC, o sociólogo dos príncipes, foi ameaçada de ocupação pelo MST, para lá acorreram os tanques do Exército, a fim de “dissuadir” os lavradores de qualquer ação mais incisiva contra o “patrimônio” de um típico coronel da pós-modernidade tropical. Por isso, uma velha questão ecoa em Bruzundangas: a quem servem as tropas das elites?

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em literatura latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).