quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A Teoria da Conspiração

Em vez de Gilberto Kassab estimular a expansão do transporte de massa, pôs a culpa no peão revoltado, que passa mais de 4 horas preso dentro de uma condução

Leio nos matutinos que o alcaide de São Paulo, o ‘democrata’ (?) Gilberto Kassab, atribuiu a responsabilidade pela lentidão no trânsito paulista à ação deletéria de alguns “conspiradores”, que estariam empenhados, por meio de verdadeiros atos de ‘terrorismo’, a estabelecer o caos na ordeira e pacífica capital do capitalismo de Bruzundangas. O primeiro ‘terrorista’ flagrado com a boca na botija, ou melhor, com os pregos na borracha, seria o pedestre que furou os pneus de um ônibus e o fez atravancar um corredor viário, depois de tentar embarcar – sem êxito, claro – rumo ao serviço a fim de ganhar seu pão de cada dia.

O Sr. Kassab, que há poucos meses ocupava as manchetes da grande imprensa por decretar a interdição espetacular de um dos mais refinados bordéis da burguesia paulista, é realmente um pândego de primeira linha. Em vez de estimular a expansão do transporte de massa no caótico condomínio que ele administra, decidiu catar chifre em cabeça de cobra e, para não trair o costume da terrinha, pôs a culpa no peão revoltado, que passa mais de 4 h de seu dia útil preso dentro de uma condução, chegando atrasado ao trabalho e regressando bem tarde à própria casa, que, durante a semana, nada mais é do que um reles dormitório para milhões de trabalhadores da República.

Pelo visto, a teoria conspiratória do capataz paulistano já logrou imediata adesão dos pares democratas. Reunidos em Salvador para o lançamento da candidatura de ACM Neto (ave, misericórdia!) ao trono da velha capital baiana, eles ouviram o alucinado César Maia (saravá, sua banda!), que há pouco desfilava sua desfaçatez por Paris, invocar os orixás da Boa Terra e pedir-lhes que conjurassem os ventos mais pródigos a fim de soprar o malsinado mosquito da dengue em direção ao Oceano Atlântico.

O caso da epidemia (ou seria “epidemaia”?) carioca, aliás, tem nos legado algumas pérolas notáveis do Festival permanente de Besteiras que Assola o País, o nosso FEBEAPÁ século XXI. Que o diga a brilhante medida adotada pelo Kaiser para erradicar a doença, instruindo os escolares a vestir meias e calça comprida a fim de dissuadir o mosquito de seus nebulosos planos (será que ele se inspirou na fartura de roupas da Família Real ao desembarcar no Rio em pleno verão de 1808?). Mais atento à sucessão municipal e ainda esperançoso de eleger sua herdeira ao trono, o famigerado alcaide insiste em dizer que não há epidemia alguma – de fato, como diria o irreverente José Simão, são apenas 30.547 casos isolados e 70 mortos que, decerto, se esqueceram de pôr suas meias...

Os mosquitos devem estar, realmente, tramando alguma “conspiração” neste paraíso de (des)equilíbrio ecológico que o grande capital tratou de devastar. Há menos de um ano, era o bando da febre amarela que aterrorizava os caboclos da Amazônia e do Planalto Central. Agora, chegou a vez do Aedes aegypti. O que diria o bravo Oswaldo Cruz, se vivo fosse, deste pitoresco quadro sanitário? Se nada fugir ao script, alerta Simão, em breve teremos epidemia de amarelão, barriga d’água e bicho do pé... O leitor duvida?

O pior é que os ‘teóricos’ das tramas conspiratórias não se restringem a Bruzundangas. A praga, infelizmente, se manifesta em vários rincões da Pátria Grande, conforme atesta o Sr. Uribe, que, teleguiado pelo patrão Bush, acusou as FARC de terem comprado urânio enriquecido para preparar atentados letais contra o governo da Colômbia. Para quem não se esqueceu do conto das “armas químicas” de Saddam Hussein – que nunca existiram, mas justificaram o genocídio infligido pelos EUA ao Iraque –, a história soa até ingênua. Contudo, são esses autênticos conspiradores e inimigos do povo que seguem ditando as ordens em várias nações ao sul do Rio Grande; são eles que roubam a terra dos lavradores e acusam os movimentos sociais de banditismo. Já não seria hora de conjurar os ventos da mudança e varrer essas criaturas pelos ares, com as bênçãos de Oxalá?

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).