sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Por que ainda somos diferentes

Apoiado no fim do "socialismo real" e em certo desencanto com o governo do PT, o pensamento conservador alardeia o fim das fronteiras entre esquerda e direita. E no entanto, elas ressurgem em toda parte: por exemplo, na resistência ao Bolsa Família, às cotas nas universidades e à ação do MST

Existem duas obras paradigmáticas à reflexão sobre a díade esquerda-direita, ambas publicadas em 1994: Direita e esquerda — razões e significados de uma distinção política, de Norberto Bobbio e Para além da esquerda e da direita, de Anthony Giddens. Os dois autores, cada qual à sua maneira, buscavam refletir sobre os rumos a serem tomados pelos órfãos do socialismo que, no imediato pós-Guerra Fria, estavam epistemologicamente enlutados pelo que percebiam ser o fim de suas utopias mais caras, ainda sob o impacto do mundialmente famoso artigo de Francis Fukuyama – "O fim da história e o último homem", de 1992. Bobbio defendia a legitimidade da díade esquerda-direita para analisar e entender o cenário político atual. Já Giddens acreditava que o mundo mudou radicalmente e que, por isso, os conceitos de esquerda e direita são anacrônicos. Fukuyama, por fim, dizia acreditar que a humanidade chegara ao seu estágio máximo de evolução com a universalização da democracia liberal ocidental.

Uma obra menos conhecida entre os brasileiros, até mesmo porque não foi traduzida para o português, é La Droite et la Gauche – Qu’est-ce qui les distingue encore? [A Direita e a Esquerda - O que ainda as distingue], de Claude Imbert, diretor de redação da revista Le Point e Jacques Juliard, articulista da revista francesa Nouvel Observateur. O livro, de 1995, é construído na forma de um diálogo respeitoso e construtivo entre dois amigos. Imbert representa o pensamento “de direita” e Julliard o pensamento “de esquerda”. Nessa obra, os autores apresentam um panorama crítico e intelectualmente impecável do que vem a ser a direita e a esquerda num mundo onde a clivagem ideológica bipolar não mais existe.

Podemos pensar que algumas bandeiras da esquerda tradicional sejam anacrônicas para a maioria dos países do "primeiro mundo", que já possuem redes de proteção social e uma política sólida de distribuição de renda, duramente conquistadas no período pós-Segunda Guerra.

Contudo, vemos na França de hoje uma repetição de discursos que nos são velhos conhecidos, enunciados pelo atual presidente Nicolas Sarkozy, acerca da ineficiência do Estado e da conseqüente necessidade de sua “modernização”. Se Madame Tatcher e Fernando Collor de Mello não estivessem vivos e gozando de boa saúde, era de se imaginar que estivessem encarnados no presidente francês. Ele busca, tardiamente, colocar a França nas regras ultrapassadas do Consenso de Washington, subtraindo da nação francesa um papel mais efetivo que pode, e deve, ter na discussão de alternativas ao modelo hegemônico da atualidade. Atlético, “jovem” e dinâmico, Sarkozy tenta passar a imagem do reformador valendo-se de estratégias discursivas perlocutórias, no intuito de induzir os cidadãos a concordar com a velha novidade de mudanças que visam agradar o sistema financeiro internacional.

Lula versus Chávez? Quem vê a esquerda sul-americana dividida "esquece" que a região não é homogênea

Na América Latina, por outro lado, os líderes de esquerda mais expressivos do momento, Evo Morales e Hugo Chavez, efetuam o retorno a um discurso castrista que, na visão de muitos analistas, é um anacronismo impensável dentro de padrões contemporâneos. Mas de qual contemporaneidade estamos falando? Um capitalismo predatório só pode ser amenizado com uma esquerda mais incisiva. Talvez estejamos assistindo, em tempo real, um conjunto de situações históricas de um passado que insiste em se fazer presente. Posto que a situação sócio-política da América Latina difere, e muito, daquela dos países desenvolvidos, podemos perguntar aos críticos de Chavez e Morales se conhecem as bases absurdamente arcaicas que o capitalismo ainda possui nesses países e o trabalho que seus chefes de Estado vêm fazendo no sentido de resgatar sua soberania, o poder sobre seus recursos naturais e sua dignidade no cenário internacional.

A propósito dessas diferenças, em um badalado artigo publicado na Foreing Affairs, em 2006, Jorge Castañeda se propôs a explicar ao público leitor de língua inglesa que existem duas esquerdas na América Latina – uma moderna e outra populista. O primeiro grupo teria em Lula e na presidente chilena Michelle Bachelet seus principais representantes; o segundo, seria encabeçado por Chávez e Morales. O que talvez tenha escapado à compreensão de Castañeda é que o Brasil e o Chile são países mais modernos e desenvolvidos do que o são a Venezuela e a Bolívia. Portanto, é de se esperar que nos dois primeiros a esquerda tenha modernizado seu discurso e sua plataforma. Já na Bolívia, o país mais pobre da América do Sul, e na Venezuela, que vive quase que exclusivamente de renda de petróleo, o suposto populismo do qual seus governantes são constantemente acusados talvez seja uma resposta ao populismo fundamentalista de mercado que varreu a América Latina no período crítico da globalização e que piorou significativamente os índices sociais dos países mais vulneráveis ou mais adesistas às novas orientações — como a Argentina, por exemplo.

Falando especificamente da realidade brasileira, após a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, as forças de esquerda passaram por uma séria crise de identidade, quase como um processo de luto da utopia perdida. Aquilo que esperavam do primeiro governo de esquerda brasileiro não se concretizou — ou seja, um reforma estrutural profunda em relação às regras rígidas do neoliberalismo mundial. Não foram poucos os intelectuais que se alternaram em posições ora extremamente críticas, ora extremamente lenientes, na avaliação do governo Lula, principalmente nos eventos recentes. Se levarmos em conta as opiniões dominantes na grande mídia, o Brasil enfim teria descoberto a corrupção, o clientelismo e outras práticas supostamente nascidas com o governo petista — malgrado os quinhentos anos de “cultura da cordialidade” que parecem ter sido esquecidos pelos neo-oposicionistas do momento.

No Brasil, cotas nas universidades e Bolsa-Família despertam o elitismo arraigado entre as elites

No Brasil contemporâneo, a díade esquerda/direita adquire caracteres bem mais amplos e sutis do que a possibilidade de uma mudança radical de um modo de produção capitalista para uma economia socialista. Existem componentes periféricos que não podem ser negligenciados nesse debate. Cabe à esquerda ficar alerta às tentativas de distorção e neutralização de seu conteúdo programático, que freqüentemente chegam disfarçadas em cientificismos, pseudo-humanismos e uma gama infinita de argumentos retóricos e assustadoramente tributários do senso comum.

Ao reconhecermos as diferenças entre os sistemas econômicos de exclusão dos países latino-americanos, estendemos o nosso olhar à necessidade imperiosa de ações que revejam o legado capitalista em nossa história.

Elas se dão na forma de algumas proposições políticas atuais que enfrentam um alto grau de reação por parte da mídia e da inteligentsia brasileira. Convidam a perguntar o que nos faz atores políticos de esquerda em um país como o Brasil, que não empreende medidas rupturais profundas em relação ao seu modelo econômico — e possui sérias limitações internacionais de atuação?

Pensamos que o posicionamento de um cidadão frente a cotas nas universidades públicas, programa Bolsa Família e reforma agrária é um bom indicativo de suas posições políticas: se são de esquerda, ou de direita. Acreditamos que o engajamento de esquerda no Brasil passa (não exclusivamente, mas necessariamente) pelo posicionamento favorável a essas políticas. Ser a favor, nem sempre significa ser 100% a favor. Não esperamos que alguém seja ingênuo para pensar que a política de cotas, o programa Bolsa Família (PBF) e a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em prol da reforma agrária não sejam passíveis de críticas. Mas essas não podem paralisar um debate maior sobre a brutal desigualdade social brasileira.

A atual política de cotas envolve importantes mudanças políticas rumo à redução de desigualdades históricas. Isso não significa que as cotas irão apagar, como num passe de mágica, os séculos de exploração e injustiças praticadas contra os afro-descendentes brasileiros. Mas representam, sim, um avanço importantíssimo que provoca reações incríveis por parte daqueles que compõem a nossa direita.

Os Diogos Mainardis, alimentos permanentes ao preconceito contra a modesta redistribuição de riqueza

Recorre-se ao conceito de meritocracia para negar a validade da política de cotas. Ora, desde quando a meritocracia reina neste país? Se respondermos positivamente a essa pergunta, seremos forçosamente conduzidos a uma conclusão evidente de que pobres e negros estão na situação vulnerável em que se encontram por sua própria culpa, e que nossas elites trabalharam duro para chegar onde estão – no topo da pirâmide de um país com um dos piores níveis de distribuição de renda do mundo.

Assistimos, espantados, as mais sofisticadas descobertas científicas que revelam a forte carga genética européia contida em nossos negros, que não seriam tão negros quanto pensam e, logo, a política de cotas seria uma fraude. Outros alegam, alarmados, a introdução oficial do racismo no Brasil, a incitação ao ódio inter-racial e outras pérolas. Elas denunciam um mal-estar significativo frente à hipótese de um negro sentar-se ao lado daqueles que julgam ocupar o lugar de núcleo pensante de nossas universidades públicas por conta, única e exclusivamente, de seus méritos. E a situação poderia ficar pior, caso nossos negros, além de tudo, queiram dar uma outra interpretação à nossa história: não aquela positivista, heróica e branca, em um país cuja dívida com índios, negros, pardos e mulatos ainda precisa ser paga.

Outro argumento contrário à política de cotas baseia-se no entendimento de que deveríamos melhorar a educação de base, para que egressos de escolas públicas e privadas estivessem em nível de igualdade ao fim do Ensino Médio. Certamente essa é uma ótima idéia, mas quantas décadas, ou mesmo séculos, precisaríamos esperar para que pudéssemos presenciar os resultados dessa medida? Esse tipo de proposta parece um típico discurso brasileiro utilizado quando se quer deixar as coisas como estão: alegar a necessidade de algo mais profundo quando se tem a urgência de algo imediato. O resultado final é que, geralmente, nada é feito.

Outro passo coerente é o posicionamento em relação ao Programa Bolsa Família (PBF), que efetua uma transferência direta em favor das famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.749, de 11 de abril de 2006. Novamente, nesse caso, assistimos à santa à santa indignação daqueles que afirmam que o ideal seria um programa de geração de empregos. Para eles, o PBF é esmola e estimula a vadiagem de quem, ao invés de produzir, contenta-se com o dinheiro “fácil” recebido mensalmente. Em um país que ocupa uma posição vergonhosa em termos de distribuição de renda — o décimo mais desigual do mundo — não deveria uma solução dessas ser aplaudida como algo que visa reduzir minimamente a nossa brutal desigualdade, em um arremedo de estado de bem-estar social que nunca tivemos, já que pela percepção da facção radical de nossos representantes liberais, pobre só é pobre porque é vagabundo? Para entender como se processa essa apreensão tão rasteira da realidade, temos as colunas do caricato Diogo Mainardi e seus seguidores, que fornecem dados semanais à ignorância e ao preconceito de nossos conservadores anônimos, ou nem tanto.

Resgate da dignidade dos mais pobres: o que a mídia faz questão de esconder sobre o MST

O Bolsa Família restitui a dignidade de muitas famílias que são beneficiadas pelo programa. Sim, mas existem distorções, dirão alguns, “tem gente que está trabalhando e ainda assim está inscrito no PBF, recebendo regularmente o benefício”. Logo, o programa deve ser extinto.

Dentro dessa linha de raciocínio, deveríamos extinguir também o INSS, o SUS, quem sabe até o Congresso Nacional, e todas as instituições passíveis de corrupção nesse país e deixar o incorruptível e isento mercado dar o rumo às nossas vidas – embora os liberais mais esclarecidos já não compactuem com semelhante discurso.

Não ignoramos a urgência de medidas que visem a resolução estrutural de problemas nacionais e que tornariam desnecessário o Bolsa Família, tais como a redução nas taxas de juros, a criação de novos postos de trabalho com o incentivo ao capital produtivo entre outras medidas de médio e longo prazo. Contudo, não são excludentes à aceitação do PBF como uma medida eficaz de redução da desigualdade em curto prazo.

E, finalmente, a reforma agrária e sua expressão maior no país: o MST, que, para alguns (de esquerda), simboliza a luta pela justiça no campo, e para outros (de direita), são os Talibãs tupiniquins, inimigos do agro-business, ameaças à sacra propriedade privada e aos latifúndios formados “meritoriamente” no decorrer de nossa história. O MST é internacionalmente conhecido e respeitado como o maior e mais organizado movimento pela reforma agrária do mundo. Mas aqui, os sem-terra são demonizados pela grande mídia, que se concentra tão somente no fato de haver ocupações de terra, cuja violência é sempre parte da reação dos fazendeiros na proteção de seus direitos sagrados à terra de que o próprio Deus parece ter-lhes passado a escritura.

Jamais se mostra, em qualquer mídia, o trabalho social engendrado pelo movimento, que ajuda pessoas em estado de miserabilidade total, alcoolistas e candidatos ao lumpensinato, rumo ao pertencimento a um grupo e ao compartilhamento do sonho de uma vida mais digna.

Não se está negando que o MST cometa alguns excessos e que possui falhas – são suficientemente denunciados casos de famílias que ganham terra, vendem e voltam de novo para a fila. Mas como esperar, em um país onde todas as instituições de Estado são falhas, que um movimento social seja perfeito? Nossa situação agrária é herdeira do passado colonial desse país. Nossos latifúndios prosperaram durante séculos com a mão de obra de escravos que foram jogados à margem da sociedade quando da mudança para a mão de obra assalariada e européia (não é difícil perceber a relação entre a luta pela reforma agrária e as políticas de cotas ...).

A essa situação agrária retrógrada e concentradora de renda e a esses latifúndios cuja construção histórica passou longe de qualquer meritocracia, o MST é uma justa resposta. Vem exercendo uma resistência pacífica contra a injusta distribuição de terras, denunciando ao Brasil e ao mundo há décadas que somos um país vergonhosamente desigual.

A díade esquerda/direita está mais viva do que nunca, ainda que exista um imenso esforço rumo a um consenso centrista radical que nega a validade de posicionamentos mais assertivos. Michel Foucault afirmava que “onde há poder, há resistência”. Quanto mais vertical e impermeável se apresenta esse poder, mais se necessitam ações que não obstruam um tensionamento político necessário para que os dados continuem rolando, sob pena de cair no totalitarismo em suas múltiplas formas.

Direitos não são concessões, são conquistas. Talvez atores políticos como Hugo Chavez e Evo Morales e programas de cotas, PBF e reforma agrária nos termos propostos pelo MST não sejam indicados no Canadá, Noruega, Inglaterra e outros países onde o capitalismo se mostra mais domesticado e reformado. Mas dentro da realidade brasileira e latino-americana, essas ações sustentadas pela esquerda e pela maioria de seus apoiadores tornam-se uma real esperança de superação de desigualdades. Para que sejam dispensáveis no futuro, são atualmente imprescindíveis.
Cláudio César Dutra de Souza, Sílvia Ferabolli

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O retorno do(s) idiota(s)

Numa América Latina que se redescobre e reinventa, um setor social continua a crer que o debate de temas complexos é aborrecido, e que o ideal de liberdade é a disputa egoísta nos mercados. Tal público é o alvo das obras medíocres de auto-ajuda política, como as de Alvaro Llosa e seus valetes

Em 2007, completou-se uma década da publicação de um livro intitulado Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, cujos autores são o colombiano Plínio Apuleyo Mendoza, o peruano Álvaro Vargas Llosa e o cubano Carlos Alberto Montaner. Nessa obra, os referidos escritores fazem uma apreciação sarcástica dos textos, ações e idéias pertinentes à luta das esquerdas na América Latina, embasada em um duvidoso humor, que busca ridicularizar todos aqueles que construíram, no século 20 a história da resistência contra as ditaduras e o liberalismo selvagem no continente. Livros assim conferem fama instantânea a seus autores. São leves, fáceis de ler e descompromissados com uma análise séria daquilo que pretendem simplesmente demolir, utilizando a velha tática da terra arrasada e jogando com os medos e preconceitos de uma classe média economicamente combalida — reforçando-os, e angariando novos soldados às suas pequenas tropas de elite de extrema direita.

Recentemente, os autores lançaram sua mais nova obra, intitulada O Retorno do Idiota em que prosseguem projetando seus piores medos e preconceitos contra aqueles que designam de idiotas — ou seja, quem não reza pelo código canônico do liberalismo econômico cego e fundamentalista. Em tempos em que o ateísmo entra na ordem intelectual do dia, através de obras como a do francês Michel Onfray (Tratado de Ateologia) e do britânico Richard Dawkins (Deus, um Delírio) a tríade de autores, que considera idiotas quaisquer manifestações oriundas da esquerda na América Latina, não vai além de uma profissão de fé, composta por palavras de ordem vazias, ironias e muito pouca informação real. Apesar de tendencioso e mal escrito, não podemos deixar de reconhecer que esse tipo de literatura propicia um conforto pseudo-intelectual aos chamados reacionários que, nas palavras de Norberto Bobbio, são aqueles que reagem ante a ruptura de uma ordem histórica sagrada, criada e conservada por uma providência imperscrutável. Religiosos e intelectualmente limitados, autores e leitores desses livros constituem uma tipologia que podemos reconhecer como o “Perfeito Idiota de Direita Latino Americano” que será, doravante, tratado como PID.

Uma das características mais importantes para se reconhecer um PID é a sua fé cega no mercado e a sua luta em prol da liberdade que este propicia. Ele acredita que a livre iniciativa nos torna mais iguais, porque cada um de nós sai do mesmo ponto e tem a capacidade de tornar-se um “vencedor” tão somente obedecendo a algumas regras fartamente distribuídas nos mal-escritos manuais de auto-ajuda que tanto consome – inclusive os que deram base a este artigo.

O PID considera que só é pobre quem merece e, nesse instante, o pequeno Capitão Nascimento que habita dentro dele se corporifica nas telas de cinema e o tranqüiliza em relação a sua segurança. Intelectualmente, identifica-se com os ricos e poderosos, grupo do qual não faz parte, e que freqüentemente o despreza.

Mentes pequenas, que detestam qualquer rumor ligado mais à dúvida que às quimeras da certeza

Os leitores de Álvaro Vargas Llosa e seus dois valetes aprendem que Noam Chomsky, autor de vários livros nos quais critica a postura dos Estados Unidos nos processos de norte-americanização e exploração do mundo atual, é um idiota. Isso deve ser reconfortante às mentes pequenas, que historicamente sempre detestaram qualquer rumor intelectual calcado na mais dúvida do que nas quimeras da certeza. Também odeiam Harold Pinter, Nobel de Literatura em 2005, que afirmou em seu discurso de aceitação do prêmio que "Os Estados Unidos finalmente derrubaram o governo sandinista (...) Os cassinos voltaram ao país. Saúde e educação gratuitas acabaram. As grandes empresas voltaram com ímpeto" e Joseph Stiglitz, Nobel de Economia de 2001, segundo o qual “O Chile teve muito sucesso nos últimos quinze anos... [O país] introduziu controles de capital. Privatizou apenas parte de suas minas de cobre, e as minas privatizadas não tiveram um desempenho melhor do que as minas estatais, sendo que os lucros das minas privatizadas foram enviados para o exterior, enquanto os lucros das minas estatais puderam ser investidos nos esforços de desenvolvimento da nação" (International Herald Tribune, 14 de fevereiro de 2007).

O Le Monde Diplomatique é “a gazeta oficial dos idiotas latino-americanos e europeus” (sic), o jornal onde se “condena a globalização, se estigmatiza o mercado e se elogiam líderes “carnívoros” [1], tendo o seu editor Ignacio Ramonet — e conseqüentemente nós e vocês, leitores — irmanados na mais pura e idiota oligofrenia. Também são consideradas como “idiotas” a revista Le Nouvel Observateur, o livro de Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina. Enfim, toda e qualquer discussão que remeta à forma na qual espanhóis e portugueses mataram, espoliaram e escravizaram as populações pré-colombianas, os negros e todos aqueles que, nos alvissareiros tempos contemporâneos, insistem em lutar pela sua liberdade real e não aquela outorgada de forma parcial e leviana pelos donos do poder, que há séculos se beneficiam das desigualdade no continente.

É uma tática antiga e fascista, a de simplificar complexidades a fim de conquistar seguidores e agradar os discípulos do pensamento PID. É que nada que pareça em si muito difícil lhe é agradável; portanto, a solução de todos os males sempre tem uma causa única e uma solução rápida, eficiente e sempre muito pontual. Pelo discurso de Berlusconi e de toda a extrema-direita européia, basta expulsar os imigrantes e “endurecer” com essa gentalha que promove distúrbios e solapa a ordem para que tudo se resolva. O PID detesta tudo o que cheire a “baderna” e acha que esse negócio de direitos humanos é coisa de homossexuais. Aliás, a manutenção da ordem é sempre um apelo irresistível ao PID, que acredita que apontar tanques para as favelas seria uma solução viável, já que seus habitantes não passam de lixo não reciclável, algo desagradável que não demanda nem uma solução, sequer compaixão ou solidariedade, como bem lembra Luis Fernando Veríssimo em crônica de 29 de novembro publicada nos principais jornais do país.

Relações de poder, opressão e racismo seriam conversas de intelectuais, que complicam coisas muito simples

O PID pode ser perigoso, invejoso e cruel quanto mais esteja abaixo do padrão que considera ser o seu de direito. Ele é o “Zé Ninguém”, imortalizado por Wilhelm Reich em seu desabafo histórico. É o capitão do mato, o capataz da fábrica, enfim, todos os subtipos capturados pelas elites, que os usam para o serviço sujo, pois eles são fáceis de manipular. Sendo ganancioso e um pouco estúpido, logo serve como um perfeito idiota pronto para massacrar seus próprios irmãos, em troca da liberdade de escolher seu próprio mecanismo de endividamento, a fim de adquirir sua TV de plasma, seu notebook, seu celular e todos os brinquedinhos que o hipnotizam e sedam a sua capacidade crítica.

Existe uma literatura que é a predileta do idiota: a auto-ajuda, que confere o poder “do it yourself” de mudar a vida pelas próprias mãos, através de toneladas de frases e conceitos roubados de uma sub-física quântica, misturada a filosofias de botequim que o reforça em seu individualismo atroz [2]. A mensagem de todas as obras do gênero é só uma: convencer que fatores externos não são condicionantes de nossos problemas. Política internacional, relações de poder, opressão e racismo — tudo isso são conversas de intelectuais embriagados, que complicam coisas muito simples e consistem basicamente em manipular as forças do universo a seu favor. Quanta ilusão e quanto narcisismo envolvidos nesse processo de bestialização do PID e que truque perfeito pra desviar a atenção de todos para as realidades aborrecidas e complicadas do mundo contemporâneo. Na verdade, o PID odeia as ideologias sem perceber que está mergulhado nelas até o pescoço, porque são vendidas como naturais, lógicas e democráticas.

Devemos destacar a atualidade de Sérgio Buarque de Hollanda para entendermos um pouco do horror e do ódio cordial , que mantêm no Brasil, em pleno século 21, estruturas colonialistas de favorecimentos e sentimentos reativos em relação aos que não fazem parte da casa grande de Gilberto Freire. Poucos de nós possuímos condições de nos deitar na rede da varanda ao entardecer, com mucamas nos coçando as costas — mas como estamos arraigados nesse sonho!

Como adoramos ter empregadas domésticas a quem tratamos como bestas de carga, como adoramos nos sentir diferentes e pertencentes a uma suposta casta superior. Como é fácil jogar com essas ilusões como um mecanismo fundamental de contenção, a fim de que nossos corpos sejam dóceis e nossas mentes sintonizadas nos confins do universo, que nos dará tudo aquilo que mentalizarmos com fé e perseverança... Como somos idiotas!

Uma crise social gravíssima que não ser minimizada com objetos de consumo e promessas de bem-estar restrito

O alvo de todas essas maquinações é sempre a parcela PID da classe média, que vive hoje, no Brasil, um processo de profundo esgotamento, capturada nas estruturas de mídia que vendem qualquer tipo de sonho em seis, doze e até trinta prestações. Igualmente enfrenta o colapso de seus valores materiais e morais mais caros, tais como o emprego estável, a casa própria, o carro do ano e o fato de ser um grupo formador de opinião, o sustentáculo de um pensamento que os muito ricos nunca tiveram e os muito pobres já não almejam. Desvalorizado e iludido com a promessa do paraíso do consumo, este setor da classe média se estupidifica a passos largos, em sua tentativa de resguardar o poder moral de ser o baluarte de uma cultura que já não permite construções sólidas em todos os sentidos, vide o conceito desenvolvido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman de “Modernidade Líquida”.

As dificuldades cada vez maiores de inserção profissional e obtenção de ganhos pecuniários necessários a uma sobrevivência digna orquestram-se com o espetáculo das ofertas de produtos dispensáveis, que acabam tendo como efeito o consumir-se no próprio consumo, negligenciando e até mesmo ridicularizando outras formas de vida que ensaiam uma crítica e uma saída desse círculo vicioso. O pensamento torna-se cada vez mais escravo de teorias esdrúxulas e opiniões formatadas na mais pura tendenciosidade daqueles que se julgam aptos a diagnosticar as idiotices de quem ousa pensar para além de uns poucos clichês repetidos ad nauseum pelos representantes da Lumpem-Inteliggentzia de nossos tempos.

Só deixaremos de pertencer à casta do “Perfeito Idiota de Direita Latino Americano” no momento em que conseguirmos olhar para nós mesmos da forma como realmente somos, tarefa necessária, mas nem sempre agradável. E o que realmente somos é um somatório histórico de lutas e conquistas dentro de uma América Latina em que as esquerdas tiveram e ainda têm um papel fundamental com seus erros e acertos nas últimas décadas. Todos estes fatores estarão presentes por muito tempo em nosso continente e os inadaptados famélicos e todos os que estão na periferia do capitalismo continuarão a fazer ouvir a sua queixa, às vezes de forma incisiva, para muito além do admirável mundo novo dos profetas de gabinete que preconizam um darwinismo social excludente e cada vez mais sem disfarces. Há uma crise social gravíssima que não pode mais ser ignorada ou minimizada com objetos de consumo e promessas de um bem-estar restrito a grupos cada vez menores e temerosos de seus semelhantes.

Que Plínio Apuleyo Mendoza, Álvaro Vargas Llosa e Carlos Alberto Montaner, nossos companheiros latino americanos, representem o que existe hoje de mais atrasado em reflexão política e econômica internacional é algo preocupante. Que fornecem subsídios ao conformismo e à conivência das elites e de quem orbita em torno delas, com a desinformação cínica sobre o abismo econômico que atravessa os agrupamentos sociais contemporâneos, isso é um fato consumado. E é preciso ser um perfeito idiota de direita latino americano para não ver isso.

Notas:

[1] Carnívoros e Vegetarianos são distinções que os autores utilizam a fim de escalonar os “graus de idiotice” observados na América Latina. Chavez e Morales, por exemplo, seriam “carnívoros”, pelo radicalismo de suas posições, ao passo que Lula e Michele Bachelet, atual presidente do Chile, seriam “vegetarianos” por terem, na concepção dos autores, se distanciado do esquerdismo mais radical e assimilado algumas regras fundamentais da economia de mercado.

[2] Nada do que foi escrito até agora supera o famigerado Segredo. Na chamada de tão auspiciosa obra lemos: “Ele viajou através dos séculos. Ele resistiu à passagem do tempo. Ele chegou até você”. Cremos que poucas obras superam essa em termos de boçalidade e exaltação a um individualismo pequeno-burguês. O grande segredo consiste em saber que nós e apenas nós somos responsáveis por todos os acontecimentos dessa vida; que nosso destino é habitar o nirvana capitalista; e, se isso não ocorre, adivinhem, a culpa é toda nossa! O livro, bem como o filme, tem pérolas do tipo “você não vai mudar o mundo, mas pode mudar a si mesmo” e outras babas do gênero, todas balizadas pelos testemunhos de eminentes sábios de todos os tempos que, supostamente, teriam posto em prática tão complexa sabedoria – obviamente todos mortos, a fim de não gerar processos judiciais...

Cláudio César Dutra de Souza, Sílvia Ferabolli

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Aumento de temperatura da Terra abre brecha para se discutir padrão de vida da sociedade capitalista

O debate sobre o aquecimento global ganhou força em 2007 com a divulgação de uma série de relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU). No horizonte, previsões nada animadoras. Na melhor das hipóteses, a temperatura global deverá subir 1,8 ºC até 2100. Na pior, subirá em torno de 4ºC.

Em ambos os casos as conseqüências serão altamente danosas para os ecossistemas. Esse aquecimento, segundo o IPCC, estaria sendo causado pela ação humana, principalmente por meio da queima de combustíveis fósseis desde o começo da era industrial (ao redor de 1750).

Entretanto, essa posição não é consenso. Tarik Rezende de Azevedo, professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) acredita que possa estar ocorrendo um aquecimento, mas discorda das causas apontadas pelo estudo. “Evidentemente há um aquecimento, mas a discussão maior é em cima das causas. Há tantas outras coisas que pesam – e muito – que é difícil isolar cada uma delas (a ação humana) para ver o peso que tem. No caso do clima há um caso extremo de dificuldade. Como dizer que é a ação humana que mais afeta?”, questiona.

Azevedo também contesta a projeção do relatório. “Dizer que vai aumentar de 2 a 4 graus é adivinhação”, afirma. O geógrafo acredita que mais complicado ainda é quando o relatório faz projeções sócio-econômicas baseadas nas mudanças climáticas. “A história da humanidade é muito mais complicada do que equações matemáticas. Em Economia isso também ocorre. É possível prever com exatidão o que vai acontecer na bolsa de valores em seis meses?”, relativiza.

Debate

Paulo Artaxo, professor de Departamento de Física Aplicada da USP e participante do IPCC acredita que as divergências são naturais. “Em ciência sempre existe diferenças de opinião. Há divergências em relação a abordagens que o IPCC tomou. Isso é obviamente legítimo, faz parte do sistema científico global”, aponta.

O pesquisador acredita que é perfeitamente plausível defender uma posição mais “cética” cientificamente. Alerta, entretanto, que essa posição também tem sido adotada por uma parcela da comunidade científica cooptada pelas transnacionais do petróleo e do carvão, por exemplo. “A indústria está se armando do ponto de vista científico, pois o debate é político também. Então, fazem pesquisas que tentam enfatizar pontos positivos do aquecimento global. Por exemplo: parte da Rússia e parte do Canadá poderiam se tornar agricultáveis; mas não leva-se em conta o fato de que o restante do planeta vai ter conseqüências muito danosas”, defende Artaxo.

Para o físico, uma posição contrária à idéia da ação humana como principal causa do aquecimento que seja bem argumentada e com bases científicas consistentes é válida, mas acaba sendo vista injustamente com desconfiança por conta do uso desses mesmos argumentos pelas grandes transnacionais.

Tarik Azevedo também relembra que o painel montado pela ONU é intergovernamental, como diz o próprio nome. “Ou seja, são Estados discutindo a questão do aquecimento global, é uma instituição política, assim como a ONU. São feitas por cientistas escolhidos pelos Estados”, opina.

A seu ver, muito mais do que preocupações ambientais existe a necessidade de resolver o problema da escassez de petróleo. “É preciso convencer as pessoas. O clima está sendo usado como elemento de convencimento para se mudar a matriz energética do mundo”, sustenta o geógrafo.

Capitalismo

Michel Löwy, sociólogo, também está convencido de que há aquecimento global e de que a ação humana é a sua principal causa. Mas especifica: “o que causa isso não é a ação humana em geral, mas uma forma muito específica de vida social: a civilização capitalista baseada na extensão e acumulação infinita do capital e do lucro, num modo de consumo irracional e insustentável, em particular das elites ocidentais. O modo de produção, de vida, de transporte de pessoas e mercadorias – todo baseado nas energias fósseis – do capitalismo gera, inevitavelmente, a produção, em proporções assustadoramente crescentes, dos gases de efeito estufa que trazem como resultado o aquecimento global”.

Löwy aponta que alguns dos principais governos do mundo capitalista – como o estadunidense e o canadense – apontam que o problema não é grave e que bastam alguns “truques tecnológicos” para se resolver a questão. “George W. Bush (presidente dos Estados Unidos) já explicou que o modo de vida americano não é negociável”, aponta o sociólogo.
Dafne Melo

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Polícia Decadente

você sai de casa e não sabe se vai voltar
a sociedade está em apuros, quando isso vai mudar?
com sua violência e corrupção a polícia não ajuda o pobre cidadão
segurança é o que queremos
violência é o que nos temos
polícia decadente......decadente
o sistema penitenciário está falido
os criminosos nunca são detidos
e se forem fogem da detenção
cavando um túnel por debaixo da prisão
segurança é o que queremos
violência é o que nos temos
polícia decadente......decadente
o suborno e a propina estão em todo lugar
quem tem dinheiro não é preso não
é o pobre que rouba um pão
fica mais de 5 anos na prisão
segurança é o que queremos
violência é o que nos temos
polícia decadente........decadente, decadente, decadente, polícia decadente
Garotos Podres