sexta-feira, 28 de novembro de 2008

As cores da África-Brasil

Pedi dois copos. Enchi o meu de cerveja, e deixei o outro vazio junto à garrafa. Não demorou muito para que um jovem se aproximasse da minha mesa

Augusto Juncal

Atravessando uma ponte sobre um esgoto, cruzando uma larga avenida confusa de carro e de gente, sob um sol quente que nuvem nenhuma amenizava, do outro lado da avenida eu avistei o começo de Thokozo. Só mesmo um olhar atento, de corte de navalha, para delinear com clareza cirúrgica, e de claridade de céu africano, a confusão da avenida que passava paralela à Thokozo, e a própria confusão do township aglomerada na sua porta de entrada.

Sua porta de entrada era um imenso portão metafísico que sinalizava: você está entrando no township de Thokozo. Talvez seja bem-vindo. Talvez não. Depende de quem você seja e do que você quer aqui. Nesse twonship não há pacotes turísticos. Se é isso que você procura, dirija-se a Soweto. Hambakahle.

Towship, uma intradução. Uma condição humana materializada em... bairro? aglomeração? gueto? favela? periferia? cidade-satélite? campo de concentração? De quem? Dos brancos? Dos capitalistas? Dos brancos e capitalistas? Dos negros e capitalistas? De quem? Township é uma intradução porque é cidade-satélite, é periferia, é favela, é gueto, é holocausto. E se é preciso buscar as causas, as conseqüências estão ali. Sem esforço nenhum para a percepção. Mesmo para as mais embotadas.

Passei por aquele imenso portão, portão para iniciados, com a segurança de quem está com o passaporte carimbado com visto de entrada. Sibusiso era meu passaporte com visto de entrada. Negro e morador local. Com ele entrei. Havia outros motivos, outras razões para minha segurança. Uma confiança em algo que havia em mim, que naquele momento me era obscuro. E que ainda não tenho identificado. Que ainda é negativo de foto não revelada.

Quando entramos em Thokozo havia muita música. Vários bares, várias músicas. Em um deles identifiquei Zola. Noutro, Hip Hop Pantsula. Tuks. E em outro, o gospel da Rebecca. Pensei no Brasil. Vivemos num país onde a mídia tenta banalizar todas as coisas: a política, a sensualidade, a sexualidade, o afeto, os sentidos diários da vida.

Einstein explica
De São Paulo a Johannesburg tudo me pareceu a mesma realidade reproduzido-se a si mesma. Mas os townships eram novas realidades que começava a conhecer. Estava em Thokozo, e, incrível, estava em Guaianazes. Poderia estar. Como sou do muito pequeno e seleto grupo que sai da universidade contemporâneo de Einstein e não mais de Newton, aceitei, sem problemas a possibilidade de meu corpo único, ocupar dois espaços ao mesmo tempo. Mas claro, nada se repete. Nem o Sol, nem a miséria. Todas as misérias são una, e são cada uma, uma.

Debaixo daquele Sol e diante daquela expressão da pobreza, eu me perguntei: “Como é possível uma militância política divorciada dos códigos simbólicos, presentes todo o tempo nos cotidianos?”.

A vivência nos centros e nos bairros periféricos de nossas cidades, debaixo dos viadutos e dentro de guetos, revelam-me imagens que antes eu nunca vi. Não poderia ver. Imagens do abandono e da fome que transcendem o corpo físico e o texto específico dos atores. Será que a questão é só a falta de dinheiro ou de trabalho? Será que são esses itens que movem um povo a revolucionar sociedades como as nossas?

Penso que a exclusão social, se é que posso usar essa expressão sem a explicar, sugere outras condições humanas, que estão dentro dos sentimentos, dos gestos, do ser e estar na vida desprovida. Estes contatos diários com o lixo, os cheiros que exalam dos esgotos, a angústia da sobrevivência, os medos de não amanhecer, enfim... parecem inscrever formas de sentir no mundo não só desprovido, mas sem qualquer alento, sem qualquer esperança. A única maneira de estar vivo é na alegria, na criatividade da alegria... e aí a mídia pega pesado... e de todos os lados. Por que vamos acreditar na contaminação, se a nós é dado perceber um cotidiano de modo subjetivo? E a maioria dos militantes de esquerda? ... Que tão-pouco se conhecem a si mesmos? Pouco se miram ou fingem em si (sem o saber), um outro personagem, fora, externo ao seu, para explicar, para representar, uma condição que nem sempre “conhece”, ou não a sente...de um Outro?...Talvez por esta razão estejam cansados, ausentes, entregues.

Meandros próprios
Vou me aprofundando ruas adentro e vou pensando: “Quem vive em São Paulo pode viver em qualquer cidade do mundo”. Inverdade! “Quem anda com uma certa segurança de si em Capão Redondo, Jardim Elba, Glicério, e Gato Preto, não tem porque temer as ruas de Johannesburg. Nem dos townships.” Inverdade! Os acúmulos da miséria têm meandros próprios de culturas e materialização local que uma mente forasteira pode não perceber. Não sentir.

Em São Paulo, a pobreza faz privado um espaço que é público. Sempre que passo muito próximo a um morador de rua, tenho a desconcertante impressão que estou entrando numa casa sem ser convidado. Mas eu, ali, em Thokozo, queria fazer público um espaço que era privado. Queria fazer minhas, as ruas para as quais eu era estranho. E pior que estranho, um branco para eles.
Thokozo e todos os townhips de África do Sul eram dos negros. Deles somente. Eram espaços privados. E eu queria me apropriar deles. Não. Na verdade queria ser apropriado por eles.

Manifestei meu desejo por uma cerveja bem gelada. Sibusiso me deixou na casa de sua irmã. Uma irmã de pouco e curto inglês. O inglês era uma condição sócio-educacional. Às vezes, tinha a impressão de que entendia o que ela me falava em zulu. E respondia. Muitas vezes, acertei na reposta.

Uma cerveja, please
Meu amigo me deixou em casa e foi visitar uma velha tia. Quis ficar e quis tomar cerveja. “Você não pode sair só. Se quiser tomar uma cerveja, minha irmã vai com você. Você compra e volta para beber aqui em casa. Não quero que você sofra nenhuma agressão verbal. Ou mesmo física.” Disse e foi na direção da casa de sua tia, sua irmã foi arrumar o quarto em que eu ia dormir, e eu fugi para o barzinho mais próximo.

Andei por duas, três ruas, seguido por olhares que não soube identificar. Mapeei quatro ou cinco botecos. Escolhi o mais cheio de pessoas e de música. Entrei. Pedi uma Castle no balcão. Um balcão protegido por grades. Todos os bares eram assim: te serviam por trás de grades. Apenas um espaço aberto para a passagem do dinheiro e da cerveja. “Uma Castle, please.” Não tinha. “Heinenken? No. Eu quero south african beer.” “Ah! Hansa.” “South african?”, perguntei. “South african.” “Ok. Hansa.”, então. Ele trouxe, me cobrou e eu pedi dois copos. “Ngiyabonga”, agradeci dizendo obrigado em zulu. Ele respondeu e sorriu. Me sentei, enchi o meu copo, e deixei o outro vazio junto à garrafa.

Não demorou muito para que um jovem se aproximasse da minha mesa. De pé, com seu copo de cerveja na mão, falou pra mim. Eu não entendi. Mas vi a agressividade do seu tom, e seus olhos quase imóveis, fixos sobre mim. O rapaz do balcão intercedeu falando alguma coisa que também me escapou dos sentidos. Senti que chamava o outro à atenção. O rapaz à minha frente respondeu pra ele, e tornou a me falar. Todos no bar olhavam. Posso ter um problema sério agora, pensei enquanto mantinha meu olhar firme no olho do rapaz. “Igama Iami ngu Augusto. Ngubami igama lakho?” (Meu nome é Augusto. Qual o seu?). Senti um vacilo de confusão no olhar. Não dei tempo e estendi a mão, dizendo: “Unjani?” (Como você está?). Seu olhar era menos inquisidor, e até vislumbrei, com um pouco de esforço, um sorriso zulu no fundo de suas pupilas negras, para as quais eu olhava intensamente.

Sem me responder e sem me estender a mão, perguntou: “Uphumaphi?” (De onde você é?). “Brasil”. E ele falou mais. Mas minha cota de zulu tinha acabado. Tinha na manga apenas mais uma frase para uma urgência e fui logo desembolsando ela: “Ngisagala ukufunda isiZulu. I speak isiPortuguese and isiEnglish.” (Apenas comecei a aprender zulu. Falo português e inglês). Soltei meu melhor sorriso. Agora sim, seu olhar tinha vacilado bastante. Era a hora do golpe final: “I don't undersand what you said. But if you are inviting me to drink a beer with you, let me invite you to drink a beer with me” (Não entendi o que você falou, mas se você me estiver convidando com uma cerveja, deixa eu convidar você com uma).

Enchi o copo vazio, que aguardava sua hora. Ele recebeu o copo. “Brasil? Ronaldinho!”. Bati a mão no peito da camisa que vestia e disse: “Ronaldinho no! Corinthians!”. E aqui começou uma amizade construída a partir da desconfiança e em segundos. Tinha agora um novo carimbo no meu passaporte: “Augusto, Igama Iami ngu Bhekithemba”. Disse e me estendeu sua mão imensamente negra. Estendi-lhe, outra vez, minha mão marrom. Da cor do apartheid do meu país.

Augusto Juncal é integrante da torcida organizada Gaviões da Fiel e do Coletivo de Projetos Internacionais do MST.

PARA ENTENDER
Township – Durante o apartheid racial da África do Sul, townships eram cidades-dormitório da periferia onde moravam negros e negras. Para ir trabalhar nas grandes cidades, precisavam “passe”. Com o fim do apartheid racial, permaneceu o apartheid econômico e social. Hoje as negras e os negros pobres continuam a viver nos townships.

Zola, Hip Hop Pantsula, Tuks e Rebecca são músicos sul-africanos

Orgulho de ser brasileiro

Tenho tentado descobrir a origem da expressão "eu tenho orgulho de ser brasileiro", tão falada entre o povo e entre a mídia... Penso... Penso... E não encontro nenhuma resposta!

Será que todos têm orgulho por morar no "país do futebol"? É uma hipótese, já que o país pára quando acontecem os jogos e acho que até os cérebros das pessoas também param, porque não é possível que se esqueçam de todos os problemas por causa de 90 minutos de futebol...

Outra hipótese pode ser também por viverem no "país do Carnaval", afinal quando as escolas de samba estão na avenida, tudo é festa!!! E dá-lhe mulatas, samba e cerveja... Mas a festa uma hora acaba...

Pobres pessoas que por meros detalhes se esquecem que vivem no país mais desigual do mundo. Se esquecem que existem milhares de pessoas morrendo de fome e frio, sem nem ao menos uma casa para morar, sem um salário digno para se sustentar e sustentar sua própria família. Se esquecem de que os serviços públicos não possuem qualidade nenhuma, que as crianças saem das escolas sem saber ler ou escrever corretamente e ainda que saibam, não consegue entender e interpretar textos simples, que os hospitais não possuem condições de atender a população, que os salários de fome que os trabalhadores ganham, não dão nem para comer!

O pior de tudo é ver pobres se sentindo como se fossem da classe média, se sentindo informados porque lêem uma revista que prestigia a burguesia e assistem a uma emissora que favorece somente a classe dominante. O que a mídia não faz com a cabeça das pessoas...

Será que se orgulham também por ficarem revoltados com crimes de grande repercussão mostrados nos mínimos detalhes pelos programas sensacionalistas, a ponto de pedirem a pena de morte, a ponto de tentarem linchar o acusado?

Tal situação é curiosa, já que todos sabemos que milhares de crianças, adultos e idosos morrem todos os dias em razão da violência e da fome, mas nessas situações, ninguém se revolta...

Ninguém se revolta também com o transporte público, que vai de mal a pior, transportando pessoas como se fossem cargas, todas amontoadas... Mas tudo bem, um dia a carga humana consegue comprar um carro e aí estará livre do problema e é assim que tudo se resolve nesse país de miseráveis: trabalham para comer e, se "deus quiser", um dia poder comprar um carro e uma casa, ocasião em que todos os problemas desse ser humano estarão resolvidos... Só que poucos conseguem fazer isso e milhares continuam em situação degradante!!!

Devem se orgulham também do preconceito enrustido e nojento que possuem, ao tacharem pessoas de acordo com a sua condição social, de acordo com a sua cor, de acordo com a sua opção sexual, se esquecendo que independentemente de qualquer coisa, trata-se de um ser humano, que merece respeito! Mas como definir respeito para um povo que não enxerga o outro, que faz o possível e o impossível para "subir na vida"? Afinal, o que os move é o dinheiro... Se ganha, ótimo, que se dano o outro, se não ganha, planeja formas de transformar pessoas em degraus, usando-as...

É incrível ver tudo isso e saber que todos vivem de braços cruzados, esperando que um dia as coisas melhores, porém não se manifestam para mudar nada...

Fazer o quê? Tudo é um a festa...

Daniela Godoi

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A Teoria da Conspiração

Em vez de Gilberto Kassab estimular a expansão do transporte de massa, pôs a culpa no peão revoltado, que passa mais de 4 horas preso dentro de uma condução

Leio nos matutinos que o alcaide de São Paulo, o ‘democrata’ (?) Gilberto Kassab, atribuiu a responsabilidade pela lentidão no trânsito paulista à ação deletéria de alguns “conspiradores”, que estariam empenhados, por meio de verdadeiros atos de ‘terrorismo’, a estabelecer o caos na ordeira e pacífica capital do capitalismo de Bruzundangas. O primeiro ‘terrorista’ flagrado com a boca na botija, ou melhor, com os pregos na borracha, seria o pedestre que furou os pneus de um ônibus e o fez atravancar um corredor viário, depois de tentar embarcar – sem êxito, claro – rumo ao serviço a fim de ganhar seu pão de cada dia.

O Sr. Kassab, que há poucos meses ocupava as manchetes da grande imprensa por decretar a interdição espetacular de um dos mais refinados bordéis da burguesia paulista, é realmente um pândego de primeira linha. Em vez de estimular a expansão do transporte de massa no caótico condomínio que ele administra, decidiu catar chifre em cabeça de cobra e, para não trair o costume da terrinha, pôs a culpa no peão revoltado, que passa mais de 4 h de seu dia útil preso dentro de uma condução, chegando atrasado ao trabalho e regressando bem tarde à própria casa, que, durante a semana, nada mais é do que um reles dormitório para milhões de trabalhadores da República.

Pelo visto, a teoria conspiratória do capataz paulistano já logrou imediata adesão dos pares democratas. Reunidos em Salvador para o lançamento da candidatura de ACM Neto (ave, misericórdia!) ao trono da velha capital baiana, eles ouviram o alucinado César Maia (saravá, sua banda!), que há pouco desfilava sua desfaçatez por Paris, invocar os orixás da Boa Terra e pedir-lhes que conjurassem os ventos mais pródigos a fim de soprar o malsinado mosquito da dengue em direção ao Oceano Atlântico.

O caso da epidemia (ou seria “epidemaia”?) carioca, aliás, tem nos legado algumas pérolas notáveis do Festival permanente de Besteiras que Assola o País, o nosso FEBEAPÁ século XXI. Que o diga a brilhante medida adotada pelo Kaiser para erradicar a doença, instruindo os escolares a vestir meias e calça comprida a fim de dissuadir o mosquito de seus nebulosos planos (será que ele se inspirou na fartura de roupas da Família Real ao desembarcar no Rio em pleno verão de 1808?). Mais atento à sucessão municipal e ainda esperançoso de eleger sua herdeira ao trono, o famigerado alcaide insiste em dizer que não há epidemia alguma – de fato, como diria o irreverente José Simão, são apenas 30.547 casos isolados e 70 mortos que, decerto, se esqueceram de pôr suas meias...

Os mosquitos devem estar, realmente, tramando alguma “conspiração” neste paraíso de (des)equilíbrio ecológico que o grande capital tratou de devastar. Há menos de um ano, era o bando da febre amarela que aterrorizava os caboclos da Amazônia e do Planalto Central. Agora, chegou a vez do Aedes aegypti. O que diria o bravo Oswaldo Cruz, se vivo fosse, deste pitoresco quadro sanitário? Se nada fugir ao script, alerta Simão, em breve teremos epidemia de amarelão, barriga d’água e bicho do pé... O leitor duvida?

O pior é que os ‘teóricos’ das tramas conspiratórias não se restringem a Bruzundangas. A praga, infelizmente, se manifesta em vários rincões da Pátria Grande, conforme atesta o Sr. Uribe, que, teleguiado pelo patrão Bush, acusou as FARC de terem comprado urânio enriquecido para preparar atentados letais contra o governo da Colômbia. Para quem não se esqueceu do conto das “armas químicas” de Saddam Hussein – que nunca existiram, mas justificaram o genocídio infligido pelos EUA ao Iraque –, a história soa até ingênua. Contudo, são esses autênticos conspiradores e inimigos do povo que seguem ditando as ordens em várias nações ao sul do Rio Grande; são eles que roubam a terra dos lavradores e acusam os movimentos sociais de banditismo. Já não seria hora de conjurar os ventos da mudança e varrer essas criaturas pelos ares, com as bênçãos de Oxalá?

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Mentiras

O Brasil é o país das mentiras bem contadas. Uma delas, a de que vivemos num paraíso racial. Mas não é considerada crime a frase escrita na Academia de Polícia de São Paulo: “Negro parado é suspeito; correndo é ladrão”.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

"A democracia em que vivemos é hipocrisia"

João Pedro Stédile, um dos principais líderes do MST conta como iniciou sua militância, explica por que vê a reforma agrária bloqueada, fala sobre comunicação, esquerda e socialismo e sustenta: "os atuais modelos de representação exilam o povo da política"

Marcela Rocha

O que o levou a participar do processo de criação e construção do MST?

João Pedro Stédile: Pelas circunstâncias da vida. Sou filho de pequenos agricultores do Sul. Fiquei até o segundo grau no interior e sempre me mantive vinculado aos temas camponeses. Comecei minha militância ajudando a conscientizar os produtores de uva da região de minha família e atuando com os sindicatos dos produtores na região de Bento Gonçalves. Nos anos duros da ditadura militar, vinculei-me ao trabalho da CPT [Comissão Pastoral da Terra]. Foi quando aconteceu um conflito de terras no Rio Grande do Sul, em que os Kaingang [povo indígena do sul do país] expulsaram de suas terras mais de 700 famílias de posseiros pobres, sem terra. Então, a CPT me pediu para ir até lá para trabalhar com esses posseiros.

Esse episódio resultou numa ocupação de terra em duas fazendas, a Macali e a Brilhante, em 1979. Esse processo, não premeditado, desembocou, alguns anos depois, na formação do MST.

Dentro dos moldes de governabilidade e representatividade que temos no Brasil, em que medida é possível uma reforma agrária significativa?

Stédile: Há muitos tipos de reforma agrária. No Brasil, todas as forças progressistas, ao longo do século 20, sempre trabalharam com a perspectiva de realizar a do tipo clássico. Ou seja, uma reforma agrária que representasse, para os camponeses, a democratização do acesso à terra, sua vinculação ao mercado interno e um processo de combate à pobreza no campo. Um instrumento de distribuição de renda e de estímulo ao mercado interno e industrial. Todos os países hoje desenvolvidos fizeram reformas agrárias clássicas — ou seja, nos marcos do capitalismo, mas como um processo republicano de democratização do acesso aos bens da natureza.

No Brasil, perdeu-se a oportunidade de fazer esse tipo de reforma agrária, quando terminou a escravidão, em 1888. Os Estados Unidos, por exemplo, a fizeram nessa conjuntura. Depois, perdeu-se a segunda oportunidade na Revolução de 30, quando iniciamos nosso processo de industrialização. Perdemos a terceira oportunidade durante a crise desse modelo, na década de 60, quando o então ministro Celso Furtado convenceu o governo Goulart de que a saída seria uma reforma agrária. A resposta da direita foi um golpe militar.

Perdemos a oportunidade na redemocratização formal em 1985, quando Tancredo havia convidado o saudoso José Gomes da Silva para fazer o primeiro PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária). Ele entregou o plano que previa assentar 1,4 milhões de famílias no dia 4 de outubro e caiu em 13 de outubro.

A chance que teríamos de fazer uma reforma agrária clássica seria se o governo Lula combatesse o modelo neoliberal, articulando forças sociais e políticas do país para um projeto de desenvolvimento nacional e industrial, com distribuição de renda e combate à desigualdade. Como o governo Lula manteve uma política e um modelo econômico que subordina a nossa economia ao capital financeiro e às grandes empresas transnacionais, a reforma agrária está bloqueada. Só haverá chance se derrotarmos o neoliberalismo.

"Estamos perdendo, no governo Lula, a sexta oportunidade de fazer reforma agrária. O que está havendo é mais concentração fundiária"

Como o MST avalia o governo Lula quanto ao processo de reforma agrária?

Stédile: De certa forma, já comentei na pergunta anterior. Num sentido mais amplo, a reforma agrária, como parte de um projeto de desenvolvimento nacional, de distribuição de renda e de estímulo à industrialização do interior do País está bloqueada pelo atual modelo econômico.

Do ponto de vista administrativo, acho que a área do governo Lula mais incompetente são os ministérios que têm relação com reforma agrária. Nada funciona. Tudo é demorado e incompetente. E, para não ser injusto, os únicos programas que beneficiaram as áreas dos sem-terra foram o "Luz para todos" — que é um processo de eletrificação do meio rural — e um programa de compra de alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Ambos são complementares e não afetam a reforma agrária.

Sabemos que os números reais de famílias assentadas foram maquiados pelo governo FHC e, ao que parece, a ficção foi mantida pelo governo Lula. Quais são os números corretos, na avaliação do MST? O movimento mantém diálogo com os representantes do governo sobre isso? Como é feito esse diálogo?

Stédile: Primeiro, o processo de reforma agrária não é um problema estatístico. É um problema político, em que o governo deveria enfrentar o latifúndio e o agronegócio para democratizar a propriedade da terra. E isso não está acontecendo. As famílias que estão sendo assentadas são majoritariamente colocadas em projetos de colonização na Amazônia legal. Um grande percentual delas representa ou as que não conseguem nem morar no lote, ou as famílias colocadas em lotes abandonados de antigos projetos.

Nós sempre mantivemos diálogo com todos os governos, tanto o federal quanto estadual e municipal, independentemente do ano ou partido. Os movimentos sociais precisam negociar, dialogar e interagir com as autoridades constituídas. Faz parte de nosso trabalho, mas mantendo autonomia no cumprimento dessa missão. Autonomia dos partidos, dos governos e do Estado: é isso que o MST procura fazer.

"Procuramos construir uma unidade popular. Infelizmente, os movimentos ainda são muito direcionados por correntes ideológicas"

Como se sustenta o diálogo do MST com os demais movimentos sociais, incluindo os urbanos? Por que essa busca é necessária?

Stédile: No caso da relação com os demais movimentos sociais, não é dialogo. Trata-se de construir uma unidade popular. Nós procuramos nos articular em diferentes espaços para ir construindo essa unidade necessária. Infelizmente, as frentes de massa no Brasil ainda são muito direcionadas por correntes ideológicas, o que é legítimo, mas muitas vezes atrapalha a construção da unidade em função de objetivos partidários ou eleitorais.

O MST participa da Via Campesina Brasil como uma forma de construir a unidade no campo. Participa também do Fórum Nacional de Reforma Agrária e da Coordenação Nacional de Movimentos Sociais. Mas priorizamos a construção das Assembléias Populares, por serem um espaço mais amplo de unidade popular entre todas as forças. Foi com esse espírito que atuamos no plebiscito pela reestatização da Vale, impulsionado pela Assembléia Popular.

O MST, junto com outros movimentos sociais, lançou o jornal Brasil de Fato. Que outras iniciativas o movimento tem em relação ao setor de comunicação?

Stédile: Nós defendemos a tese de que a classe trabalhadora e todas as suas formas de organização devem construir seus próprios meios de comunicação de massa. Não podemos depender da chamada grande mídia, ela é a voz da classe dominante para formar a sua opinião entre o povo. Lamentavelmente, a esquerda brasileira ainda não entendeu isso e muitas forças ainda se iludem em ficar ocupando pequenos espaços na grande imprensa.

Temos de fazer muito mais esforço para termos nossas rádios, nossos jornais, nossos boletins, ocupar espaço na internet e termos nossos programas de televisão. E, para tudo isso, é preciso ter diretriz política, construir esses meios e priorizá-los. Espero que os movimentos e a esquerda aprendam isso, o quanto antes.

Em que se fundamenta a preocupação com comunicação no MST?

Stédile: Nós precisamos difundir as notícias, as informações e nossa visão de mundo, tanto à nossa base quanto à classe trabalhadora e população em geral. Para alcançarmos esses objetivos, é preciso termos os meios de comunicação necessários, os mais distintos possíveis, porque são complementares.

"Queremos reformas políticas que garantam ao povo mecanismos de decisão. Hoje, o povo é mero espectador do que a classe dominante faz"

Com freqüência, a chamada "grande mídia" ataca o MST, além de criminalizar os outros movimentos sociais. Como o senhor explica isso?

Stédile: A grande mídia faz o papel dela. Defender sempre os interesses econômicos, políticos e ideológicos da classe dominante. Assim, todo movimento social, todo sindicato e partido que resolvam lutar contra os interesses da classe dominante serão atacados por ela.

Quando Veja, Estadão e Rede Globo falam mal de nós, fazem seu papel e nós não nos preocupamos com isso, mas sim com o fato de que a sociedade brasileira tenha meios de comunicação de massa − em especial rádio e televisão − que a representem. Esperamos que a nova TV pública consiga mudar um pouco esse quadro.

O senhor chegou a mover um processo contra a revista Veja. Quais foram as razões para isso, e o que resultou do processo?

Stédile: Movemos um processo penal, pedindo indenização e direito à resposta porque a matéria de Veja foi ofensiva e mentirosa do ponto de vista pessoal. Me compararam ao James Bond e me atribuíram uma função criminosa.

O senhor acredita que exista liberdade de imprensa no Brasil? Em termos mais amplos: há realmente democracia em nosso País?

Stédile: Não existe nenhuma liberdade de imprensa se considerado o acesso do povo à informação. Ele as recebe repassadas pelas rádios e televisões, grandes jornais e revistas. São filtradas pelo viés ideológico de interesses privados. E isso não é democracia, no que concerne a direitos e oportunidades iguais. Isso, ao contrário, se chama luta de classes. Uma classe, a que tem dinheiro, controla os meios de comunicação e os usa de acordo com seus interesses, visando ao lucro e controle ideológico na sociedade.

Nós ainda estamos distantes de uma democracia formal, burguesa. Esperamos que haja, ao menos, um processo de mobilização, num futuro próximo, para promover reformas políticas que garantam ao povo mecanismos de decisão, de poder político, porque hoje o povo é mero espectador do que a classe dominante faz. Um amigo meu disse, esses tempos: “o povo, no Brasil, está exilado da política”.

A democracia em que vivemos é uma hipocrisia.O povo sabe disso. As instituições de menor credibilidade são o Congresso e os políticos

Como o senhor se posicionou quando o presidente Hugo Chávez suspendeu a licença da RCTV venezuelana? Seria favorável à adoção de procedimentos semelhantes no Brasil?

Stédile: A decisão foi dentro dos parâmetros legais da Constituição venezuelana, e mais do que necessária. A RCTV era um canal que pregava mentiras o tempo inteiro, distorcendo a opinião pública. E cometeu um grave erro: organizou, estimulou e fez apologia ao golpe de Estado em abril de 2002. O normal teria sido a televisão ter sido cassada naquela época. Mas o presidente preferiu seguir os trâmites normais e esperou vencer a concessão. Como disse Noam Chomski, se o crime da RCTV, de 2002, tivesse acontecido nos Estados Unidos, pelas leis norte-americanas seus proprietários teriam pegado cadeira elétrica.

No Brasil, é preciso fazer uma ampla reforma no processo de concessão da radiodifusão para termos democracia. E mais, garantir que todos os setores e grupos sociais tenham seus próprios veículos e se comuniquem com a sociedade. Hoje, vivemos numa ditadura do monopólio de sete grupos econômicos, que controlam, obtêm lucros e manipulam o que quiserem.

Como o senhor avalia a política de comunicação do governo Lula, nos três sentidos: sua relação com a "grande mídia"; sua relação com as mídias dos movimentos sociais e de grupos independentes; e na questão da comunicação pública?

Stédile: Não sou “expert” no assunto e tenho acompanhado pouco a política institucional do governo Lula para a comunicação. Mas vejo os resultados. O monopólio da classe dominante continua aumentando. Acho que, além de termos uma televisão pública, deveríamos ter uma política de ampla liberdade para as rádios e televisões comunitárias com sinal aberto. As verbas de publicidade deveriam ser dirigidas para os veículos pertencentes às entidades sociais e sem fins lucrativos. E deveríamos, ainda, ter uma política clara de proibição de campanhas publicitárias responsáveis por problemas sociais, como propagandas de cigarros, bebidas alcoólicas, remédios e agrotóxicos.

O sistema vigente em Cuba é o que pratica mais democracia popular. Mas as experiências socialistas estiveram muito aquém do que se idealizava

Vez ou outra, surge alguém na "grande mídia" para acusar o MST de pretender criar um partido socialista para liderar uma revolução no Brasil. O movimento pretende mesmo criar um partido? E qual a sua posição sobre o socialismo?

Stédile: Isso é uma besteira de certos colunistas de plantão, que ficam imaginando coisas. O MST é um movimento social autônomo. Não tem vocação, não será e nem quer ser partido. Se algum dia o MST pretendesse virar partido, acabaria. Talvez seja por isso que eles ficam com essa tese.

O socialismo tem várias formas de ser analisado e compreendido. Como modo de produção, será um estágio mais avançado da civilização humana, porque vai organizar a propriedade social dos meios de produção e combater a exploração do trabalho. Como regime político, as experiências socialistas que já tivemos estiveram muito aquém do que idealizavam os clássicos.

Acho que o socialismo deveria ser um estágio superior de democracia popular, em que as pessoas, os grupos sociais e a classe trabalhadora tivessem, de fato, poder sobre o Estado. E as leis e decisões contassem com a maior participação possível da população, de forma direta.

Há mais um aspecto do qual uma sociedade socialista depende: a elevação do nível cultural e a consciência das amplas camadas da população, para que seja uma sociedade fundada nos princípios da prática da solidariedade, justiça social e igualdade, cotidianamente.

Existe democracia em Cuba?

Stédile: Nenhum processo ou regime político será perfeito. Muitos fatores influem nas condições para que o povo e os setores organizados da população exerçam poder de decisão. Acho que o que há em Cuba está longe de ser um regime amplamente democrático.

Tenho viajado e lido muito sobre as experiências dos mais diferentes regimes políticos adotados. Estou convencido de que o sistema vigente em Cuba é, ainda, o que pratica mais democracia popular. Isso não se mede pelo exercício do voto ou escolha dos representantes. Devemos medir a democracia cubana pelo real direito de oportunidades que todos têm; pelo acesso à educação, em todos os níveis; ao conhecimento, à informação, ao trabalho e à cultura. Hoje, o povo cubano, em sua amplitude, é um dos povos mais cultos de nosso planeta.

Também devemos medir a democracia pelo poder real das pessoas ao se organizarem em grupo para controlar seus bairros, suas cidades. Ou seja, exercendo um poder real.

Etanol e óleos vegetais poderiam ser sustentáveis e socialmente mais justos. Mas tudo depende da forma como serão produzidos

Qual é sua avaliação sobre o enaltecimento do etanol, atualmente feito pela "grande mídia" e pelo governo Lula?

Stédile: Isso é uma vergonha. A fonte de energia proveniente do petróleo está acabando. Então, as petroleiras, empresas automobilísticas e as transnacionais do agronegócio se uniram para produzir uma nova fonte de energia sob seus controles.

O etanol e os óleos vegetais, que podem substituir o petróleo, são fontes que poderiam ser sustentáveis do ponto de vista ambiental, além de socialmente mais justas. Mas tudo depende da forma como serão produzidos e quem as controlará.

No caso brasileiro, o governo aceitou entregar a produção para o regime do agronegócio. Ele é agressor do meio-ambiente, porque produz cana ou soja, por exemplo, na forma de monocultivo e usa intensivamente máquinas e agrotóxicos.

Nós poderíamos ter um amplo programa de produção de agrocombustíveis, controlado por uma empresa estatal e voltado para uma política de soberania energética — ou seja, um programa onde cada município produziria sua própria energia. Por isso, nós defendemos que os agrocombustíveis somente seriam viáveis se fossem produzidos em policultura, em apenas 20% da área de cada fazenda, para não afetar a produção de alimentos. Seria uma produção voltada para a distribuição de renda, somada à soberania alimentar e energética. Para isso, propomos a fundação de uma empresa brasileira de agroenergia. Uma empresa estatal e pública, sob controle da sociedade, para desenvolver essa política. A Petrobrás, além de ser uma empresa que se preocupa, em primeiro lugar, com o lucro de seus acionistas (40% já são do exterior), nunca terá uma política de soberania energética e muito menos de distribuição de renda.

A ocupação de um laboratório da Aracruz por mulheres do MST causou grande impacto nacional. O movimento foi acusado de promover a desordem, de ser inimigo da ciência e do desenvolvimento tecnológico e de apostar no atraso brasileiro. Como o Sr. se posiciona? Por que o MST é contra a exploração de culturas transgênicas?

Stédile: Isso é um exemplo claro de manipulação da opinião pública pelo monopólio da mídia a serviço dos interesses do capital. A Aracruz é uma das empresas que mais agridem o meio ambiente, destruindo a cobertura vegetal original, como a Mata Atlântica, e agora os pampas. Em seu lugar, cultiva plantações homogêneas de eucalipto, que acabam com toda biodiversidade e agridem o meio-ambiente, contribuindo para o aquecimento do clima. Tudo é exportado. Os lucros ficam com as transnacionas. E nós ficamos com o passivo ambiental e social.

A Aracruz roubou, na década de 1970, 14 mil hectares de terras indígenas e outros 24 mil hectares de terras quilombolas. Nós entramos num viveiro da Aracruz para destruir mudas e impedir a expansão da monocultura do eucalipto.

Pois bem, a imprensa transformou as mulheres da via campesina, que fizeram a manifestação, em bárbaras, prostitutas, contra a ciência... Pura manipulação.

Lá, não havia nenhum laboratório de pesquisa. Podem pesquisar nas páginas do MCT [Ministério da Ciência & Tecnologia] ou da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e verão. A senhora que analisava se as mudas tinham fungo tem apenas o segundo grau. A imprensa a transformou em cientista!

Agora, o ministério da Justiça baixou a portaria mandando a Aracruz devolver os 14 mil hectares de terras roubadas dos povos tupiniquim e guarani. Nenhuma palavra no Jornal Nacional. Isso foi uma grande vitória daquela manifestação. Seguiremos lutando; agora, para que eles devolvam o que roubaram das comunidades negras.

Nós somos contra as sementes transgênicas por muitas razões. Primeiro, porque são apenas uma forma das empresas transnacionais combinarem o uso de sementes com seus agrotóxicos. Segundo, porque as sementes transgênicas destroem a biodiversidade. Só sobrevive aquela determinada planta. Terceiro, porque eles usam essas sementes para poder patenteá-las como propriedade privada e cobrar royalties dos agricultores. E por último, porque não há nenhuma comprovação de que essas sementes não fazem mal à saúde das pessoas. Ao contrário, temos já diversas provas de que algumas delas fazem mal às pessoas e aos animais que se alimentam delas. Por isso, defendemos a idéia de seguir pesquisando, mas sem fins comerciais. Queremos usar a transgenia apenas para fins terapêuticos — ou seja, produzir plantas que possam ter uso medicinal.

O senhor ambiciona ser, algum dia, presidente deste país?

Stédile: Não sei de onde vocês tiraram essa bobagem. O Brasil precisa que o povo se conscientize, organize e lute por seus direitos. Somente assim poderemos enfrentar os atuais problemas econômicos e sociais a fim de construirmos uma sociedade mais justa, com que todos sonhamos.

domingo, 1 de junho de 2008

Beco Sem Saída

Às vezes eu paro e reparo, fico a pensar
qual seria meu destino senão cantar
um rejeitado, perdido no mundo, é um bom exemplo
irei fundo no assunto, fique atento
A sarjeta é um lar não muito confortável
O cheiro é ruim, insuportável
O viaduto é o reduto nas noites de frio
onde muitos dormem, e outros morrem, ouviu?
São chamados de indigentes pela sociedade
A maioria negros, já não é segredo, nem novidade
Vivem como ratos jogados,homens, mulheres, crianças,
Vítimas de uma ingrata herança
A esperança é a primeira que morre
E sobrevive a cada dia a certeza da eterna miséria
O que se espera de um país decadente
onde o sistema é duro, cruel, intransigente
Beco sem saída !
Mas muitos não progridem porque na verdade assim querem
Ficam inertes, não se movem, não se mexem
Sabe por que se sujeitaram a essa situação ?
não pergunte pra mim, tire você a conclusão
Talvez a base disso tudo esteja em vocês mesmos
E a conseqüência é o descrédito de nós negros
Por culpa de você, que não se valoriza
Eu digo a verdade, você me ironiza
A conclusão da sociedade é a mesma que,
com frieza, não analisa, generalizae só critica,
o quadro não se altera e você
ainda espera que o dia de amanhã será bem melhor
Você é manipulado, se finge de cego
Agir desse modo, acha que é o mais certo
Fica perdida a pergunta, de quem é a culpa
do poder, da mídia, minha ou sua ?
As ruas refletem a face oculta
de um poema falso, que sobrevive às nossas custas
A burguesia, conhecida como classe nobre
tem nojo e odeia a todos nós, negros pobres
Por outro lado, adoram nossa pobreza
pois é dela que é feita sua maldita riqueza
Beco sem saída !"
-É, meu mano KL Jay. O poder mente, ilude, e domina
a maioria da população, carente da educação e cultura.
E é dessa forma que eles querem que se proceda. Não é verdade?"
-É, pode crê !"
Nascem, crescem, morrem, passam desapercebidos
E a saída é esta vida bandida que levam roubando,
matando, morrendo, entre si se acabando
Ei mano, dê-nos ouvidos!
Os poderosos ignoram os direitos iguais
Desprezam e dizem que vivam comos mendigos a mais
Não sou um mártir que um dia irá te salvar
No momento certo, você pode se condenar
Não jogamos a culpa em quem não tem culpa
Só falamos a verdade e a nossa parte você sabe de cór
Atravesse essa muralha imaginária
em sua cabeça, sem ter medo de falhas
Se conseguiram derrubar uma muralha real, de pedra
você pode conseguir derrubar esta
Leia, ouça, escute, ache certo ou errado
mas meu amigo, não fique parado
Isso tudo vai ser apenas um grito solitário
Em um porão fechado, tome cuidado,
não esqueça o grande ditado :Cada um por si !
Siga concordando com tudo que eu digo (normal)
Pois pra você parece mais um artigo (jornal)
Esse é o meu ponto de vista, não sou um moralista
deixe de ser egoísta, meu camarada, persista,
É só uma questão: será que você é capaz de lutar?
É difícil, mas não custa nada tentar"-
Ei cara, o sentido disto tudo está em você mesmo.
Pare, pense, e acorde, antes que seja tarde demais
O dia de amanhã te espera, morô?
Edy Rock, KL Jay, Racionais!"
Beco sem saída ! (podicrê, né não ?)
Beco sem saída ! (aí mano)
Beco sem saída ! (certo !)
sem saída !Beco sem saída !
Beco sem saída !
Beco...beco...beco sem saída, beco sem saída, beco sem saída!

Racionais MC´s

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Soltem os cintos

Somos tropicais, somos divertidos e fazemos troças, como características que nos distinguem. E ainda bem que somos assim, porque não suportaríamos sofrer com seriedade. O humor talvez seja aquilo que nos faça sobreviver nos porões.

Quando começou a escrever romances, o Nobel de Literatura V. S. Naipaul, de uma família indiana de Trinidad Tobago, era muito engraçado. Só deixou de ser assim quando percebeu que, para ele, fazer rir era uma armadilha fácil, que anulava as importantes razões pelas quais, oprimidos, todos sofremos. As piadas são carinhosas para com os poderosos, elas o humanizam, ele argumenta. Naipaul sugeriu-me isto numa entrevista há quinze anos, concedida em São Paulo: é como se o riso nos atrelasse ao atraso. Agora, ele escreve em um gênero reportariado sobre as escaramuças e ambiguidades do Oriente, sempre de forma séria, em um belo tom monocórdio, ele que a rainha da Inglaterra acolheu como “sir”.

Não comentarei o caso de “Monty Python”, e talvez o faça em uma coluna próxima. Aquilo é aula humorística, ensaio e filosofia do deboche acerca de arrogantes dominadores. “Python” parece ser uma das coisas mais profundas e interessantes do humor de todos os tempos. Mas talvez nunca consigamos revivê-lo, por razões históricas e também peculiares a uma nacionalidade. Quem é mais velho sabe que, no começo, havia em “Casseta & Planeta” alguma intenção de se aproximar desses pensadores do humor. Isto acabou por completo com os anos. “Casseta” virou o reino da paródia, um programa de todo voltado à morte dos tipos televisivos, e interessante apenas para quem conviveu com eles. “Python”, pelo contrário, é humor da vida.

O filósofo Henri Bergson disse no ensaio “O Riso” (Martins Fontes) que é isto mesmo: rimos para purgar e esquecer. E rimos dos tipos mecânicos, que se sobrepõem aos vivos. Isto precisa de alguma explicação. Um avaro, um ciumento ou um corno não são tipos classificados desta maneira durante todas as horas de um dia. Mas, em uma piada ou uma peça cômica, eles precisam ser assim, típicos. De tanto realçar, ou repetir, suas características ridículas, a comédia torna estes tipos recompensadores, porque diferentes de nós. Rimos, então, daquilo que se repete, daquilo que, para Bergson, é mecânico, irreal, em sobreposição ao que é vivo, variado e nem sempre o mesmo.

Como se tratam de três facetas noturnas desta manifestação risível, talvez os programas brasileiros “CQC”, “Pânico” e “Show do Tom” mereçam uma olhadela conjunta. São diversos em alguma medida, tão diferentes quanto reveladores de nosso estado cômico. Mas são, especialmente, fiéis à idéia de Bergson. Há um humor que não é assim, algo que Luigi Pirandello, no ensaio “O Humorismo” (Perspectiva), chamou de “reflexão em água gelada”. Sem purgar a opressão, diante do humorismo nós nos sentiríamos igualados ao ridículo, não sobrepostos a ele. Quando fazemos ou recebemos humorismo, esta categoria que Pirandello destaca, pensamos sobre as coisas e não necessariamente nos sentimos confortáveis diante delas. No Brasil, os filmes de Ugo Giorgetti trazem esta marca.

Veja o “CQC”, que é a novidade da tevê. Não se trata tanto de um programa de humor quanto uma manifestação educativa dele. Nada poderia ser mais corretivo que o sorriso de Marcelo Tas, o outrora Ernesto Varela, decodificando piadas contadas à vontade por seus repórteres. Ele faz humor fino (sem um valor pejorativo no termo). É comedido e correto. Aqueles humoristas estão lado a lado com o poder, em condição de cobrar atitudes dele.

Os CQCs perseguem o burocrata da Educação, cordato com a reportagem e aparentemente desavisado sobre o fato de muitos estudantes do ensino básico municipal, sem direito a perua escolar, terem de andar a pé quilômetros por dia com destino à aula. Vamos fazer a autoridade andar bastante sob o sol, para ver como é bom? Não há cidadão que deixe de se emocionar com a iniciativa, sinceramente aplaudi-la. Agora, quero ver que desculpas esse sujeito que consome nosso dinheiro vai dar para abandonar as crianças! Fico emocionada, seriamente, com a ousadia.

E o caso dos donos de cachorro que deixam seus bichinhos se esvaziarem à vontade em pleno Parque Ibirapuera? Nós vivemos por lá, somos uma comunidade de fim de semana, e talvez diária, naquele espaço público paulistano. Por que mereceríamos a ação insensível de semelhantes porcalhões? Os CQCs vão até o local, filmam os sugismundos e, depois, catam os cocozinhos dos bichos. Colocam as fezes comprobatórias numa caixa de presente e as oferecem gentilmente aos proprietários dos cães. Antes que soubessem do que trataria a abordagem, os imundos fizeram a récita dos bons costumes para a reportagem: sim, sempre se consideraram civilizados por catar aquilo de seus bichos pelas ruas. Mas, então, recebido o “presente”, vêem a fita que lhes mostra de que forma arrasaram o espaço de lazer, sob olhar indiferente...

Rir, rir. Talvez eu não consiga me divertir com estas idéias dos caras de pau, mas é fantástico que elas ajam sobre nossas vergonhas com tanta limpeza. Como existimos sem “CQC” por tanto tempo? Já imagino como será penoso exercer a cidadania no futuro, sem eles.

“Pânico” é outra história. É de dar medo, de fato, o serviço de utilidade ao público proposto por lá. Igualmente caras de pau, seus humoristas têm intenção parecida de cobrança do poder, neste caso, do poder midiático. Não deixa de ser ótimo, também. Eles se vêem em condição de fazer esta cobrança, porque, durante toda a vida, estiveram diante de uma televisão e almejaram por ela. Usam o programa, até, para que se encontrem próximos aos ícones. Eles ensinam ao ídolo como se comportar ao lhe ressaltar as características visíveis, ora o mau humor, ora as baixezas, ora a vaidade desmedida, as contradições entre ser uma coisa na tevê e outra fora dela, torcendo para que se corrija. Se os humoristas amam Silvio Santos, precisam aperfeiçoar sua imagem, por que não?

Em conversa séria a uma jornalista como Marília Gabriela, de cara limpa, contudo, os atores Vesgo e Ceará revelam-se tediosos monumentais. Falam como se precisassem se justificar, como se fossem indispensavelmente célebres de sentimentos e alguém pudesse acreditar em suas boas intenções. Quem deseja vê-los assim? Por que não viram meninos de novela de uma vez? Sabrina Sato parece diferente, de uma inteligência que não se enquadra. Mulher vilipendiada, que tem de pagar pela beleza com algum castigo, como em eterno exercício de fantasia sexual, ela debocha de todos os seus companheiros quando diz saber a “verdade” do que lhes propõem. Talvez ela seja o melhor que o “Pânico” tenha a oferecer, promovendo um serviço de vigilância interno. Ela vira o programa pelo avesso para rejuvenescê-lo criticamente.

Mas há muitas idéias nem sempre cercadas de um padrão de talento e texto neste “Pânico”. Note que eles sempre voltam à utilidade pública de alguma forma. Lembro-me de uma ocasião em que o Repórter Vesgo cobrou das assessorias de celebridades fajutas notas lançadas à imprensa em que supostamente “a irmã de Carla Perez” anunciava a gravidez. Riram da importância que isto pudesse ter para alguém. Cobrar Petra Gil por ser gorda é um serviço de utilidade, sob um aspecto cruel: já que nós a percebemos e distinguimos, ela precisa emagrecer se quiser circular entre nós. Se não fizer isto, nós a tornaremos risível: ela será o mecânico (repetida e ousadamente gorda) sobre o vivo (magro de biquíni) que desejamos ter como companhia.

Meninos da elite intelectual? Parece engraçado, mas não duvide, é tudo verdade. Meninos da elite, sim.

Vistos aos pedaços “CQC” e “Pânico”, sinto falta do “Show do Tom”. Está certo, você me odiará por isto. Assumidamente ligado ao baixo cômico, às idéias populares, ele é um programa que vive da vitalidade de dezenas de atores desconhecidos (e que jamais conheceremos, de fato, algum dia), contando piadas velhas. Não me lembro de ter visto cocô exposto no programa (fezes ilustram nossa alegria infantil), como já houve em “Pânico” e no “CQC”. Mas no concurso de piadas promovido por Tom, ficamos entre a drag queen que investe contra os homossexuais e aquele sujeito que imita o Pato Donald, mais afetivo por reproduzir a voz atávica do que por narrar confusamente tiradas ingênuas dos anos 50. Não são pessoas célebres, nem talvez se tornem, os atores deste programa jogado para baixo do tapete. Os polimentos, para ele, são mais que impensáveis. São desnecessários. Falemos de bichas com a mesma insistência com a qual reverenciaremos os bêbados e os machistas. O humor não pode ter correção.

Tom nos torna à clareza das ruas. É emocionante que dedique horas de improviso a seus personagens, mas, principalmente, aos dos outros, vindos de tantas partes do país e colocados sobre palco iluminado. Estes outros, possivelmente, nunca serão mais nada num cenário global. Nenhum programa brasileiro de humor prescinde da edição nervosa, de gatilho, a não ser o “Show do Tom”. Eu me sinto, nele, em praça da alegria verdadeira, hoje decaída, mas, ainda assim, ocasionalmente, assistível. Golias começou como interventor anárquico, chamando ao combate em pleno ar. Espero que Tom faça seu show por longo tempo.

E uma nota: não deixe de assistir à baixa comédia “Super-Herói”, dos irmãos Zucker. Lá há um pum demorado, talvez o mais longo da história, proferido pela paródica tia de Peter Parker. O baixo humor dos irmãos faz o papa tirar fotos da genitália de um sujeito com um celular. Quem assiste aos irmãos Zucker há algum tempo, desde “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”, vai entender que eles não perdem uma piada sequer contra as religiões, até aquela que lhes deve ser própria. No filme de 1980, uma passageira pede à aeromoça que lhe entregue uma leitura leve. E a comissária dá à mulher uma folha fina e pequena contendo os feitos do ano dos esportistas judeus.

Rosane Pavam

A ministra e a morte do torturador

Quando alguém era preso entre o final de 1968 e 1977, para fixar um período, era tudo violência. Lembro, para recorrer à minha própria história, que já cheguei sangrando e sem camisa à sede da Polícia Federal em Salvador, no dia 23 de novembro de 1970. Depois, foi pau-de-arara, choque elétrico, afogamento, pancadaria, sangue. Menti que menti. Não conhecia um único endereço em Salvador, onde estava havia quase um ano. E não lembrava o nome de uma única pessoa. Se falasse a verdade, meus companheiros, minhas companheiras, viriam a sofrer as mesmas atrocidades.

Gozado que eu refletia sobre isso logo que caí. É, não estranhem, nós falávamos em queda quando alguém era preso. Dizíamos: o companheiro caiu para nos referirmos à prisão de alguém. Ainda estamos a dever um estudo sobre o nosso discurso particular do período. Pois é, logo que caí, ainda sob pancadas, cercado de tiras, seguindo para a Federal, eu imaginava que tinha de mentir muito para não prejudicar a organização revolucionária à qual pertencia – a Ação Popular. Eu pensava: a mentira está sempre com a ditadura. Hoje eu penso no quanto há de dificuldades para dicionarizar as palavras.

Mentira pode ser ruim, não é verdade? Nós não precisamos mais do que a verdade, o revolucionário precisa da verdade. Era o que Gramsci dizia. Mas, a verdade da sobrevivência sob situações de terrorismo de Estado, como aquela em que vivíamos durante a ditadura, podia estar na coragem para sustentar histórias que não tinham nada a ver com a realidade. Devemos, nesse caso, fazer uma discussão ético-moral para saber o que engrandecia o ser humano e o que o diminuía ou até o destruía.

Para a ditadura, com seu séqüito de tortura e morte, o bom sujeito era o que dizia a verdade. Essa denominada verdade era arrancada sob as mais abomináveis torturas de adultos, crianças, velhos, freiras, padres, o que fosse. Para os revolucionários, havia a verdade da revolução, a verdade da luta contra a ditadura. E para tanto, era necessário mentir para que ninguém caísse. Para que outros não sofressem, para preservar os combatentes do lado de fora, para que a luta pudesse continuar. Os revolucionários deviam dizer a realidade dos partidos a que pertenciam?

Isso tudo tem a ver com a discussão que o senador Agripino Maia provocou quando perguntou se a ministra Dilma Roussef havia mentido. E a ministra, com dignidade, respondeu de modo brilhante, porque verdadeiro. Será que o senador sabe o que é suportar o pau-de-arara e nada revelar sobre o paradeiro de companheiros? Sabe o que é lealdade, solidariedade com os parceiros de luta? Não se tratava de verdade ou mentira. Tratava-se, isso sim, de continuar a luta contra a ditadura e, para tanto, era fundamental que outras pessoas não caíssem.

Na visão da ditadura, encarnada agora pelo senador Maia, o correto seria a ministra delatar seus companheiros. Maia, sem nenhum pudor, pensou certamente na máquina de dar choques, na cadeira do dragão, no pau-de-arara, fixou-se ali ao lado dos torturadores, e não via por que a ministra, então uma jovem de 19 anos, revolucionária convicta, companheira de Lamarca, não falar, não revelar o paradeiro de seus amigos de luta. Essa é a verdade que ele defende. Essa é a mentira que ele pretendeu atacar. O bom, o eticamente defensável, seria a delação.

Nessa discussão não se pergunta sequer se havia algum momento em que o diálogo se estabelecia. Não havia diálogo. Não havia sequer resquícios de civilização. Havia o torturador e o torturado ou a torturada. Ninguém perguntava antes se você queria dizer alguma coisa. Primeiro, você era colocado no pau-de-arara. E aí começava o diálogo do senador Maia. Os que mentissem, nesse quadro de horror, eram os mais corajosos, como a ministra Dilma. Ela tem toda razão: é muito difícil sustentar mentiras sob a tortura, sob o terror da tortura.

A tortura é a expressão tenebrosa da patologia de todo um sistema social e político – no caso, naquele momento, da ditadura. À custa de um sofrimento corporal inimaginável, teoricamente insuportável, a tortura pretende separar corpo e mente, instalar uma guerra entre um e outro, semear a discórdia entre ambos.

O corpo torna-se um inimigo – com sua dor, nos atormenta, nos persegue. A mente vai para um lado, o corpo sofrido para outro. O corpo quer o término da dor. A mente pede que não ceda. Se não há solidariedade entre corpo e mente, o ser torturado fica exposto ao sol e à chuva, ao desabrigo absoluto, sem chão, entregue às ansiedades inconscientes mais primitivas.

Essa última parte está no meu livro Galeria F – Lembranças do mar cinzento, volume I, editado pela Casa Amarela. Quando o torturador consegue com que o torturado fale, tem nas mãos os despojos de um ser humano. Tudo isso é fruto da reflexão psicanalítica de Hélio Pellegrino. Se a pessoa não morre – se não fala – morre então o torturador, moralmente destroçado não pela mentira de sua vítima.

O torturador morre porque se defronta com um universo muito mais forte do que todo o terror que ele pode empregar: a lealdade, a solidariedade com os companheiros, a dignidade que se agiganta diante da barbárie, a responsabilidade histórica, coisas intangíveis, que só os espíritos nobres podem abrigar. O torturador – e a ditadura – vive da morte e na morte, sempre. O senador não cometeu nenhum deslize. Apenas revelou o que é: um partidário da tortura e da morte. Não se pode sequer falar em ato falho. Afinal, a esmagadora maioria dos integrantes de seu partido defendeu a ditadura e seus métodos.

Dilma derrotou seus algozes, os monstros que pretendiam destruí-la. Abrigava sentimentos nobres em seu coração, ideais revolucionários sólidos. Talvez pensasse, então, com Gramsci, ele outra vez, ser uma mulher comum, mas de convicções profundas. Nem Gramsci foi um homem comum, nem Dilma é uma mulher comum, no entanto. E a história dela está aí para provar. Sua dignidade comprovou-se naquele momento sombrio de nossa história. E ela seguiu adiante, inteira, o que não é fácil. Hoje tem o orgulho de falar daquele passado, dizer que não delatou seus companheiros porque estava ao lado da revolução brasileira, pela qual ela continua a lutar até hoje integrando o governo Lula, a mais bem-sucedida experiência de distribuição de renda e de inclusão social de nossa história, a nossa revolução democrática.

Emiliano José

Idéias

Se possuir idéias é estar doente, temo então pela saúde,
receio os saudáveis e tenho horror aos puros.

Frase muito interessante retirada do blog: http://dexistencialismo.blogspot.com/2007/08/o-autoritarismo-da-opinio-pblica.html

Que sentido dar à vida?

Se o sentido da vida é o lucro, qual é então o seu sentido
para quem não pode e não deseja extorquir?

Frase muito interessante retirada do blog: http://dexistencialismo.blogspot.com/2007/08/o-autoritarismo-da-opinio-pblica.html

Fome e Miséria

Se cada um tem o que merece, logo os milhões de
famintos merecem passar fome.

Não fossem os miseráveis, não exisitiria a miséria.

Frase muito interessante retirada do blog: http://dexistencialismo.blogspot.com/2007/08/o-autoritarismo-da-opinio-pblica.html

Herói e Vilão

O problema do herói é que ele tem permissão para matar.
O problema do vilão é que ele tem permissão para morrer.
Da inversão dessa ordem emerge o bárbaro.

Frase muito interessante retirada do blog: http://dexistencialismo.blogspot.com/2007/08/o-autoritarismo-da-opinio-pblica.html

JORNALECOS: dominação mental e empresa de capitais

A comunicação de massa em Pindorama ressalta coisas sobre guerras, fotografias vermelhas e manchas em meio aos classificados, marcas de hidratante e receitas de como ser feliz.

Acordarmos como que se estivéssemos dormindo, sonhos lindos em lugares limpos e saudáveis tomam o nosso redor. Do caos midiático precipitam anúncios de concurso público e a esperança de que tudo deve mudar. (Viva a mídia!) Com ela tudo tem uma “boa explicação”. Até a miséria humana. Despertamos do sono fisiológico para adentrarmos no fabuloso, no fantástico mundo da mídia, que ecoa como o arauto das boas intenções. Nada se explica, nada se discute, a não ser os bumbuns das moças bonitas das novelas e propagandas de cerveja. Nada sobre a possibilidade que Pindorama tem para ser um país de verdade, ao invés desse arremedo insólito de nação multiétnica embutida de objetivos comuns em torno de um mesmo projeto nacional.

Na província dos Goyasis, por exemplo, a mídia local, aprendiz de feitiçaria dos engenhos Rio-São Paulo, fala sobre a beleza do burgo descolado pelas bandeiras: praças limpas, arborizadas, canteiros de rosas esparramados nas avenidas, meninas com estilo manequim da Revista Brazil e muita música chula confundida com obra de arte em meio ao calor de deserto. As notícias são tão bem vestidas de palavras e imagens que quase acreditamos em tudo que dizem ser feito nos espaços de circulação da província do pequi. Graças ao quarto poder, o poder de comunicação da mídia, como os hodiernos Dyario de la Manhãna, El Populary, Tevî-Ayangueras e outros associados locais. Que vontade que dá de ser amigo da mídia! Tão competente no exercício do seu metier! Podemos lembrar, que enquanto os “novos” déspotas esclarecidos faturavam com os soldos emitidos pela Avestruz Máster, a mídia pequizeira preferiu incentivar o médio populacho a investir economias inteiras num “negócio da china”, com um lucro que seria garantido por um rendimento mensal que chegaria até os incríveis 5% ao mês. Mas ao preferir incentivar a compra de ações, a mídia também optou pelo oposto da sua virtude e, contrariando os princípios do jornalismo ético, deixou de informar as pessoas sobre como aquela empresa organizava seu caixa para poder redistribuir tais rendimentos com os investidores e nem de longe discutiu a origem e os antecedentes da mesma no interior paulista, onde já havia ocorrido o mesmo tipo de golpe financeiro.

Para os donos de jornais, senhores de engenho da comunicação local, déspotas esclarecidos numa terra de gente semi-alfabetizada e sedenta por riqueza fácil, nada se falou sobre os fatos que alguns repórteres encontraram nas visitas in locu; nada sobre o número de aves dentro da empresa, inferior ao número dos registros de posse de aves encontrados com os investidores depois da investigação federal; nada de duvidar dos lucrativos juros superiores aos de quaisquer outros tipos de investimento bancário em Pindorama. Depois da derrocada empresarial, Polícia Federal rondando a cidade, coube apenas anunciar aquilo que todo mundo já estava sabendo, tremendo rombo pra quem comprou ações da empresa. Por que não informar as pessoas, os colaboradores da mídia? Isto é sonegar informação! Com certeza é (também) incentivar o instinto patriótico de enriquecimento fácil, existente desde os tempos em que nossos patrícios mancebos e mal cheirosos pisaram aqui em Pindorama. Mas de que vale tal incentivo? “Ora, se o meu lucro pode ser inevitável, por que impedir que ele aconteça?”, argüiria inteligentemente de si para si um bom senhor de gentes.
N.B.P.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Caso Isabella: o que está por trás do crime que comoveu o país?

• No último domingo, o país inteiro parou diante da televisão para acompanhar a reconstituição do assassinato da menina Isabella. O momento mais esperado foi quando um perito, de porte semelhante ao do pai, soltou pela janela uma boneca que imitava o corpo de Isabella, simulando o momento do crime. Esta cena ficou marcada na cabeça de milhões de pessoas.

Esta semana, o crime que comoveu o país e virou uma novela diária, acompanhada por milhões de pessoas, completa um mês. A maioria da população já tem uma opinião sobre a responsabilidade de Alexandre e Ana Jatobá pela morte de Isabella. A principal discussão agora impulsionada pela mídia, que está lucrando milhões com o caso, é como ocorreu de fato o crime, especulando detalhes sórdidos e por que o pai e a madrasta cometeriam um ato tão monstruoso contra uma criança de apenas cinco anos.

Mas, para além do espetáculo da mídia burguesa com interesses econômicos e da exploração da polícia e da Justiça em proveito próprio, tentando salvar suas imagens caídas em descrédito junto à população, há uma comoção e uma indignação nacional da qual somos parte. O caso entrou nas casas de famílias de trabalhadores e vem despertando inúmeras discussões, reflexões e sentimentos não só individuais, mas coletivos.

A população inteira se pergunta o que se passa com a “família”, com as relações entre as pessoas, onde está a humanidade, a solidariedade, o afeto? O caso traz discussões profundas, como as de que o ser humano, por natureza, é mau. Afinal como um pai mata a própria filha? Sem dúvida o caso leva a certa “desmoralização do ser humano”. E fica a pergunta: Por quê? Aonde chegamos? O que fazer?

A resposta mais presente para dissipar esses sentimentos é o desejo de punição severa dos culpados, que beira ao desejo de linchamento público. Mas não se trata só disso.

Evidentemente, o assassinato foi cometido por verdadeiros monstros. Mas revela, também, doenças do conjunto da sociedade, da mesma forma como o assassinato de 13 pessoas numa universidade em Columbine, nos EUA, por dois estudantes, revelou uma deformação na sociedade norte-americana.

O tema Isabella, portanto, não é um assunto privado, um caso isolado, ou simplesmente fruto de distúrbios psicológicos de seus agressores. Infelizmente, existem várias “Isabellas” todos os dias nos quatros quantos do mundo que compõem um fenômeno silencioso, mas “comum”. Expressa uma doença da sociedade capitalista: um quadro vergonhoso da violência contra crianças, em especial a violência doméstica praticada pelos pais, mães, madrastas, padrastos e familiares em geral. O caso Isabella e tantos outros são apenas o extremo dessa situação.

A violência contra as crianças na sociedade capitalista

O caso Isabella choca pela história: uma aparente família feliz, perfeita, onde um casal jovem de classe média, com nível superior de instrução, vivendo num apartamento novo e bonito com três crianças, agride e mata uma menina de cinco anos, alegre, carinhosa, cheia de vida. A perplexidade e indignação nacional não poderiam ser maiores.

Mas, casos como este, em que a violência contra as crianças, vinda de dentro da família, levam a morte de inocentes, infelizmente não são raros. O mais grave é que essa violência ocorre principalmente não na rua, mas exatamente nos locais onde as crianças deveriam se sentir mais seguras e receber proteção, que são os lares, escolas e creches.

Ultimo relatório das Nações Unidas (ONU) sobre a violência infantil publicou dados constrangedores, demonstrando que esta se dá em um número elevadíssimo de crianças em varias partes do mundo. São cerca de 200 milhões de crianças vítimas de diversos tipos de violência.

Considerando que, em sua maioria, os casos de violência não são documentados nem denunciados, mas tolerados pelos familiares, “educadores” não-agressores, pelas instituições educacionais e escondidos pelos agressores e agredidos, seguramente estes números são de fato muito maiores.

“O silêncio dos Inocentes”

Essas vítimas, crianças pequenas, não têm como denunciar. Mesmo sendo uma criança um pouco maior, tende a esconder e se calar, por medo ou vergonha, ou pela proximidade e dependência completa do agressor, principalmente econômica. A violência, muitas vezes, é cotidiana e se repete por anos, destruindo a vida desses seres que vivem sob o medo.

É fato que existem muitos casos em que famílias convivem com a agressão às crianças e nada é feito para barrar o agressor. O silêncio motivado pelo medo de se expor ou de assumir as conseqüências da denúncia, por exemplo, transformam esse tipo de crime numa prática silenciosamente cometida longe dos olhos de todos. São crimes ocultos, enterrados num silêncio cúmplice. Alguns poucos casos resultam em punição, mas outros tantos simplesmente não aparecem, nem nas estatísticas oficiais, muito menos recebem qualquer atenção, nem por parte da família, nem por parte do Estado.

Essas crianças, vítimas da violência doméstica, por causa de sua condição social e da impunidade, do medo, não se transformam em notícia, e viram apenas números nas estatísticas. Às vezes, nem isso: são clandestinas.

A criança vitima da família patriarcal e da alienação dos pais

A condição das crianças como um ser frágil, dependente, incapaz de garantir sua própria sobrevivência, junto com a família do tipo patriarcal, onde todos são propriedades do pai, ou no caso de famílias só com mãe, ou só com o pai, onde todos são propriedades de quem põem dinheiro dentro de casa, as crianças são vistas como uma propriedade, um objeto de seus pais.

A família criada pelo capitalismo traz para o meio individual e privado obrigações que são do coletivo e, portanto, do Estado. Ao homem é dada à tarefa de trabalhar, à mulher de cuidar da casa, da comida, das vestimentas para as crianças. O marido assume a responsabilidade pela subsistência da mulher e dos filhos como uma obrigação natural. O casamento, a paternidade e a maternidade, que deveriam ser uma relação espontânea de realização da essência humana, afetiva, criadora, passam a ser um peso econômico grave.

Nas sociedades de caçadores-coletores, de comunismo primitivo, era toda a comunidade, homens e mulheres, que mantinham e protegiam seus membros e, sobretudo, as crianças, deste o berço até a morte. Com o capitalismo, essa imensa responsabilidade de cuidar, manter, educar, alimentar, abrigar os filhos passa a ser responsabilidade da família isolada e não mais do coletivo. A família e suas relações são profundamente abaladas pelo peso da manutenção da prole, o casamento e os filhos viram um fardo, um peso, uma prisão numa vida de sacrifícios e frustrações.

Além disso, não há nenhuma garantia de que o pai e ou a mãe continuem empregados e que tenham um salário adequado para responder às necessidades dos filhos e deles mesmos, causando um grau de estresse enorme, insegurança e distorções grandes em relações que deveriam ser de solidariedade, liberdade, criação, afeto.

Junto com o desemprego e os baixos salários, a ausência de creches, de escolas em período integral, de restaurantes e lavanderias públicas, leva a mulher, em particular, a uma situação limite. Além de cuidar dos filhos é chamada a trabalhar fora para complementar o salário do marido. A mulher passa a ser vítima da opressão em casa e da dupla jornada de trabalho. Enfim, a superexploração dos pais faz recair, muitas vezes, sobre a criança, toda a frustração, fúria, revolta desses, que passam a ver nos filhos a causa dos seus problemas que, na verdade, estão na sociedade capitalista e não nas relações interpessoais.

Por outro lado, a violência é justificada como método educativo: a violência doméstica, os insultos, as ameaças, a rejeição, a indiferença e o menosprezo são algumas das técnicas adotadas por certos pais para educar os filhos. Ainda hoje, a violência infantil dentro das escolas e de outras instituições educativas é autorizada em 106 países, onde os alunos são punidos. No caso do Brasil, a ofensa e agressão à criança são proibidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mas, como a maioria das leis, esta também não sai do papel.

Qual a saída?

O ser humano se realiza trabalhando, transformando a natureza, criando e se relacionando com outros seres humanos. Mas, na sociedade capitalista, em que a imensa maioria dos homens e mulheres é obrigada a vender a sua força de trabalho em troca de um salário para sobreviver, sendo separados do produto do seu próprio trabalho, tendo sua capacidade criadora retirada e transformada em ações repetitivas em ritmos extenuantes de trabalho, em que, ao final, recebem um mísero salário para seguir sobrevivendo e seguir trabalhando, gera um tipo de homem e de mulher e transfere a eles uma série de relações que estes reproduzem no âmbito privado. O homem vira uma coisa, um objeto, um ser alienado da sua existência, da sua condição humana.

A opressão às crianças é parte da sociedade capitalista que transforma tudo em mercadoria a venda, em objetos, relações que nascem de uma natureza exploradora, alienante e anti-humana. Somente numa sociedade diferente, socialista, é possível que nossas crianças tenham um pleno desenvolvimento, no marco de relações completamente distintas. A responsabilidade de sua manutenção, alimentação, abrigo, educação serão do coletivo e não do indivíduo. As relações entre pais e filhos, entre pais e mães, entre homens e mulheres, serão livres do peso material e econômico, relações livres, afetivas e verdadeiramente humanas.

Essa mudança depende da luta da nossa classe, em especial da classe operária que produz, por seu suor e suas mãos, o lucro que sustenta os capitalistas. São aqueles que, uma vez encorajados, conscientes e organizados podem dar um golpe de morte neste sistema.

Um novo tipo humano surgirá e se constituirá nesse processo de luta e será o germe da sociedade futura, uma sociedade sem exploradores e explorados, que permita acabar com a opressão entre os desiguais, como a opressão contra os mais frágeis. Assim, nossas crianças poderão crescer e se desenvolver plenamente, criando o futuro.

Dados da violência infantil

No Mundo:
*223 milhões – vítimas de abuso sexual; o sexo feminino é o mais exposto a este tipo de violência.

*218 milhões - foram de certa forma, “escravizados” através do trabalho infantil

*275 milhões - foram testemunhas de violência doméstica;

*Entre uma e 20 mulheres em cada 100 confirmam ter sido abusadas sexualmente, em casa, antes dos 15 anos.

No Brasil:
**São 186.415 denúncias aos conselhos tutelares de violência cometida pelos pais, de 1999 até hoje.

***De 1996 a 2007, foram registrados, no país, 49.481 casos de violência grave cometida por familiares contra as crianças em suas casas. Nesse período, contabilizaram-se 532 mortes.

*Relatório "Violência contra os Meninos, Meninas e Adolescentes", elaborado pela ONU

**Denúncias dos Conselhos Tutelares de todo o país, enviadas ao Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia)

***Relatório USP e UNIFESP

Dados da violência infantil em São Paulo
- 60% são relacionados a crianças que vão de recém-nascidas a pré-adolescentes de até 12 anos, vítimas de estupro, exploração e abuso sexual

- 66% delas conhecem o agressor

- 60% dos casos ocorreram na casa da própria vítima

- 44,7% foram vítimas de estupro

- 47% dos casos foram praticados por pessoas da própria família (intrafamiliar)

- 46% por pessoas extrafamilares- Em 54% dos casos, quem fez a denúncia da agressão foi algum membro da própria família.

Dados da Unifieo e Pastoral do Menor


Cilene Gadelha, da Direção Nacional do PSTU

quarta-feira, 16 de abril de 2008

“Caso Isabella virou novela doentia”

O texto abaixo foi retirado do Terra Magazine, do portal Terra, onde o antropólogo Roberto Albergaria da Universidade Federal da Bahia fala sobre o que vem fazendo a mídia nesse caso.

Claudio Leal

A morte da menina Isabella Nardoni, 5 anos, deu início a uma novela midiática à procura de desfecho. Em 29 de março, ela morreu após uma queda da janela do apartamento do pai, Alexandre, na Zona Norte de São Paulo. A polícia investiga a autoria do crime e tem como principais suspeitos o pai e a madrasta de Isabella, Anna Carolina.

Há indícios de que ela tenha sido assassinada. Esse é o enredo central. O resto, segundo o antropólogo Roberto Albergaria, é a construção de uma novela “trágica” e “doentia”.
Doutor em Antropologia pela Universidade de Paris VII e professor da Universidade Federal da Bahia, Albergaria critica os exageros da cobertura midiática e aponta uma abordagem “classista” e “racialista” do crime. “Porque é uma menina de classe média, bonitinha, e aí vem a estética”, afirma.

- Há um lado doentio, e quem alimenta essa doença, que se tornou uma epidemia como a dengue, é a própria mídia. Porque há um viés “comunicacionista” ao se alimentar de forma mórbida uma história trágica. E transformar essa história trágica numa novela, no mesmo estilo das novelas das grandes televisões: mexicana.

O surgimento de reviravoltas, vídeos da menina, sangue nas camisas, testemunhas surpreendentes (o garçom do bar em que a tia de Isabella estava no dia da morte), os parentes, os vizinhos (personagens fatais na obra de Nelson Rodrigues), compõem o painel da novela. Para Albergaria, a mídia transformou o crime “em metade da pauta da mídia durante semanas e semanas”.

- O caso da menina veio a calhar para a mídia porque junta todas essas determinações: o classismo, o racialismo, o infantilismo… E, sobretudo, o “comunicacionismo”, uma das coisas mais doentias que existe hoje. É você explorar algumas misérias, seletivamente, como forma de emocionar as multidões.

O antropólogo exerga outra distorção: ajudada pelo mistério, a novela em que se transformou o caso Isabella vale mais do que os fatos, e tira do debate público temas mais relevantes.

- A mídia é o grande filtro. O espaço ocupado por essa menina é o espaço retirado de coisas muito mais importantes para a vida coletiva. Mas isso é um fato emocionante. A emoção vale mais do que a razão. A novela, o enredo, vale mais do que o fato - analisa Albergaria.

A seguir, a íntegra da entrevista.

Terra Magazine - Como o senhor analisa a cobertura do caso Isabella na mídia? Os vizinhos, a tia, a roupa, o sangue, os vídeos… Há um lado doentio nesse interesse minimalista?

Roberto Albergaria - Há, sim. Há um lado doentio, e quem alimenta essa doença, que se tornou uma epidemia como a dengue, é a própria mídia. Porque há um viés “comunicacionista” ao se alimentar de forma mórbida uma história trágica. E transformar essa história trágica numa novela, no mesmo estilo das novelas das grandes televisões: mexicana. É você transformar um fato, evidentemente grave, em metade da pauta da mídia durante semanas e semanas. Até que apareça outro. Não é uma questão puramente brasileira. É como aconteceu na Europa com o caso Madeleine. Por que essa menina foi escolhida como a bola da vez, a coitadinha da vez? Primeiro, porque já havia o modelo europeu. O caso Madeleine é alimentado por jornais sensacionalistas ingleses. Houve até recompensas. Segundo, ela é, digamos assim, “a vítima ideal”. Porque há um viés classista.

Por que classista?
Porque é uma menina de classe média, bonitinha, e aí vem a estética. Se ela fosse muito feia, se ela fosse um pequeno “canhão”, não daria. As revistas semanais escolheram as fotos mais fotogênicas pra ressaltar isso.

E não é um caso, aparentemente, para um Sherlock Holmes…
É isso. Não existe mais muita diferença entre o jornalismo e a ficção, entre a novela e o jornal das 20h. O tratamento dado a um fato verdadeiro é o mesmo dado a um fato novelesco. Vão fazer render esta novela com todos os ingredientes possíveis. Aí entra o que eu chamei de viés classista. Ela é uma menina de classe média, branquinha. Na maioria dos Estados brasileiros, sobretudo aqui na Bahia, onde você tem uma maioria negro-mestiça, uma menina branca vale mais do que uma menina negra. Do ponto de vista dos Estados nordestinos, há esse lado racialista. A mídia dá um centímetro para as meninas negras que morrem.

Há muitas mortes de crianças na epidemia de dengue no Rio.
São geralmente crianças pobres. A mídia pega um caso de pobre e dois de ricos. Mas, no Rio de Janeiro, não há o elemento do mistério. Há a política. O que as pessoas querem é o filtro do mistério, da novela, da descoberta… Pra você entender esse caso, há um concurso de causas e circunstâncias. É um infanticídio. Na sociedade ocidental, o infanticídio é um pecado, uma falta muito forte. A possibilidade de ela ter sido morta por um dos pais é também um elemento de grande emoção para o público telespectador caseiro. Hoje se dá muito valor às crianças. Antigamente ela não era importante.

Quando é que nasce a valorização da infância?
Nasce no século XVIII, com o mundo burguês. A criança se tornou o menino-rei, o núcleo simbólico da família nuclear burguesa. Antes, nas famílias aristocráticas, nas famílias pobres, você tinha unidades familiares com vários filhos. A perda de um filho era a perda de um único filho, não fazia tanta falta quanto iria fazer no mundo burguês, que tem no filho o futuro daquela unidade familiar. Além disso, eram poucos os filhos. Agora, há o filho único. Então, há esse viés infantilista, ou juvenicista, que tem a ver com a própria cultura contemporânea. O caso da menina veio a calhar para a mídia porque junta todas essas determinações: o classismo, o racialismo, o infantilismo - e o medo, o assombro, a tragédia do infanticídio. E, sobretudo, o “comunicacionismo”, uma das coisas mais doentias que existe hoje. É você explorar algumas misérias, seletivamente, como forma de emocionar as multidões.

Qual é o grau de envolvimento dos jornalistas com essas tragédias?
O jornalismo passa a se envolver, no Brasil ainda pouco. Os jornais sensacionalistas ingleses chegaram a oferecer recompensas milionárias no caso Madeleine. É como se o jornalismo fosse parte dessa novela, parte integrante das investigações, das denúncias. Sobretudo na definição do que é importante para o telespectador, o ouvinte ou leitor, ter como elemento de reflexão. A mídia é o grande filtro. O espaço ocupado por essa menina é o espaço retirado de coisas muito mais importantes para a vida coletiva. Mas isso é um fato emocionante. A emoção vale mais do que a razão. A novela, o enredo, vale mais do que o fato.

Terra Magazine

segunda-feira, 24 de março de 2008

Os 200 anos da Imprensa Régia

“A revista moralista
mostra uma lista
dos pecados da vedete
E tem jornal popular
que nunca se espreme
porque pode derramar
(...)
É somente folhear e usar”
(TomZé - “Parque industrial” - 1967)

OS 200 ANOS – que ora comemoramos – da chegada ao Brasil da família real portuguesa, posta para correr da Europa por Napoleão I e escoltada até nossos portos seguros pela Marinha inglesa, suscitam reflexões sobre vários dos seus aspectos. O mais óbvio, sem dúvida, é a abertura dos portos a nações amigas (leia-se Inglaterra), anunciada ainda na escala feita em Salvador, antes mesmo da corte chegar ao seu destino, o Rio de Janeiro, cidade elevada repentinamente a capital do Reino Unido a Portugal e Algarve. Isto é, a capital do Império Português.

Nos velhos livros escolares brasileiros, essa fuga ganha o título quase mágico de “A Transmigração da Família Real para o Brasil”, do mesmo modo que a debandada, alguns anos depois, das forças de Duque de Caxias – O Pacificador –, nos é apresentada pomposamente, pela historiografia oficial, como “A Heróica Retirada da Laguna”.

Ah, o que são capazes de construir as palavras!

Na verdade subproduto do prolongamento e expansão da revolução burguesa na Europa, e das aspirações imperiais da França napoleônica que pretendia, através da Península Ibérica – e especialmente através de Portugal –, pôr de joelhos (e fazer rezar) a “Loira Albion”, a chegada da caravana marítima de reinóis lusos acabara por imprimir uma nova dinâmica à velha colônia, acelerando inclusive seu processo de independência monitorada por Londres, na medida dos seus interesses.

Disso tudo, porém, nos diz respeito particularmente, neste momento, apenas um dos atos do príncipe regente João VI, que governava em substituição da senhora sua mãe, dona Maria I, acometida de insanidade mental, o que lhe valeu desde então o epíteto de A Louca. Falamos da criação da Imprensa Régia, em 13 de maio de 1808, pouco depois do desembarque no Rio.

Ainda que de caráter absolutamente oficial, a Imprensa Régia significou a primeira vez que se imprimiu legalmente no Brasil – o primeiro jornal privado legal e não submetido diretamente aos governantes ou ao Estado, em nosso país, só passará a existir três anos após a independência. Foi o Diário de Pernambuco, fundado em 1825.

As elites sempre souberam da importância e do poder dos meios de comunicação. Por isso mesmo, logo depois da chegada dos portugueses, em abril de 1500, Lisboa garantiu para si alguns monopólios estratégicos na sua nova colônia. O monopólio da terra, da exploração das riquezas, do comércio e da comunicação. No que diz respeito a esse último, todo e qualquer material estava proibido de ser impresso no país – sob pena, inclusive, de punição com morte dos infratores da norma.

Ou seja, Portugal paria assim quadrigêmeos siameses, fantasmas que rondam a classe trabalhadora e o povo brasileiro desde sempre: a propriedade monopolizada da comunicação, da terra, da produção/exploração e do comércio, que depois do período da colônia, passarão a ser controladas inicialmente pelos capitais locais, para hoje – e desde há algum tempo – serem oligopolizadas e apropriadas pelo grande capital internacional.

Mas, apesar de tudo, os trabalhadores e o povo brasileiro poderemos de algum modo comemorar pequenos avanços no dia dos 200 anos de fundação da Imprensa Régia:

1. A grande mídia brasileira é hoje a instituição nacional mais desmoralizada e menos confiável para amplos setores da população.

2. A principal revista de circulação nacional, a Veja (Editora Abril), com sua redação povoada por “nossas antas” e outros energúmenos, além de só ter crédito junto à ultradireita, está sendo alvo de absoluto achincalhamento, através de um dossiê do jornalista Luís Nassif, que invadiu e se expandiu via internet, não apenas Brasil afora, mas por todo mundo (veja o dossiê - http://luis.nassif.googlepages.com/).

3. A Rede Globo (Organizações Globo), o poderoso império construído pelo senhor Roberto Marinho em troca de apoio e outros favores aos sucessivos governos da ditadura, além de reconhecida publicamente pela contumaz falsificacação das informações que transmite, é hoje acusada formalmente e conduzida às barras dos tribunais por estelionato. De acordo com seus acusadores, a poderosa Rede Globo falsificou documentação de compra da antiga TV Paulista (leia reportagem - http://www.brasildefato.com.br/v01/impresso/jornal.2008-03-13.1254343899/editoria.2008-03-13.0408421018/materia.2008-03-14.8780657646/).

Aguardemos até o dia 13 de maio. Quem sabe nos estejam reservadas outras boas surpresas. Mas, em sendo tudo “briga de branco”, acabará tudo em pizza?

segunda-feira, 17 de março de 2008

Chamem a juíza Karam!!!

Assistir Meu Nome Não é Johnny depois de Tropa de Elite é ótimo para perceber os discursos estéticos e políticos que atravessam os filmes e seus personagens frente a questão das drogas e da violência: de um lado o mais novo herói brasileiro, o garoto propaganda da cerveja turbinado como Capitão Nascimento e defendendo a “moral da tropa”, a “boa” policia que destila ódio e ressentimento contra Ongs de “menininhas bonitas bem intencionadas”, demoniza jovens que fumam maconha (“quantas crianças vão para o tráfico para esse cara fumar um baseado”) , e rotula todos com a mesma insígnia de “inimigos públicos número 1”: consumidores, traficantes, policia corrupta, ongs, todos merecem um “corretivo” dos camisas-preta.

O filme e o personagem não criam nenhuma brecha para qualquer questionamento, a ação arrasta o espectador para um discurso regressivo e vingativo, bastante popular, de culpabilização, moralismo e terror, sintetizados na cena em que o Capitão Nascimento, enfia a cara de um consumidor num cadáver ensangüentado berrando “veado, maconheiro é você que financia essa merda!!!”

O prazer, o gozo regressivo do personagem em estado de excitação vai produzindo uma comoção fácil na platéia, a verdade da fúria santa e da “indignação”, o mesmo tipo de denuncismo e indignados que a mídia não cessa de repercutir e incensar, com a propagação de idéias e slogans simplórios, “contra a corrupção”, “contra dar dinheiro aos pobres”, contra qualquer política que crie uma real ruptura no estado das coisas.

Narrados na primeira pessoa, os dois filmes constroem uma identificação imediata, cinematográfica, entre o espectador e os personagens-narradores a partir desses momentos de catarse. O Capitão Nascimento excitando nosso devir-fascista, com sua “expertise”, frases-feitas, camisa-preta e apologia da tortura, do extermínio e celebração da morte. Ou seja, o terror de Estado legitimado cinematograficamente e socialmente. E, de outro lado, o narrador-experimentador, João Estrela, também falando na primeira pessoa do singular e partilhando seu devir-consumidor, devir-traficante, devir-família, devir-presidiário, devir-careta, sem que nada disso seja “incompossível”, nem tenha que ser demonizado e negado.

A primeira vítima da narrativa de Tropa da Elite é portando o espectador, tornado refém da lógica do Capitão Nascimento e de Matias, aspirante a Capitão, que só têm um devir: virarem assassinos fardados e arrastar o espectador no gozo regressivo da repressão, da tortura, e da infantilização, o Bope é o “bicho papão” de preto e caveira, fantasia carnavalesca que as crianças adotaram no Rio de Janeiro, “e que vai pegar você”.

O filme cola nesse discurso de tal forma que é impossível não querer o que ele quer e não justificar suas ações. O espectador se torna refém. Não é coincidência que o símbolo do Bope é a mesma caveira-símbolo dos esquadrões da morte. A pulsão de morte e a adrenalina, o gozo imperativo e soberano em ver, infligir e se expor a violência está presente em todo o cinema de ação comercial, numa regressão planetária que reafirma a "autoridade absoluta", o poder que normalizaria o caos e regraria a catástrofe, mesmo que utilize para isso a violência e arbitrariedade máximas. Toda a ideologia Bush, anti-terrorista, cabe aí. É o mesmíssimo discurso! A guerra infinita, a guerra total permanente.

O dualismo e pragmatismo do personagem do Capitão se repetem em cenas catárticas em que esculacha e sufoca com um saco plástico gosmento de sangue um garoto do tráfico, chutado, espancado, torturado, para passar mais informações. O filme justifica a tortura da “boa” policia como parte de sua expertise e eficiência. A tortura é apenas mais uma “tecnologia”, como o Caveirão, totalmente justificada, “moralmente” e cinematograficamente, como num “institucional do Bope”, como já disseram.

Meu nome não é Johnny aposta num anti-Capitão Nascimento, um anti-herói hedonista e sedutor, “no stress”, que cheira para se divertir, para amar, sem deixar de ser afetuoso, família, amigo, amante. A figura não-clichê de João Estrela sugere que o pressuposto de “um mundo sem drogas” é no mínimo hipócrita, e não leva em consideração a cultura e o desejo humano e um componente importante no cenário contemporânea, o risco assumido e livre. Como a gordura trans e o álcool, qualquer droga seria um “direito” do consumidor contemporâneo. Por que não?

É sabido que o consumo de drogas não fere nem ameaça a rede social, é uma decisão, um risco individual. O consumo de drogas não seria menos epidêmico e arriscado que o consumo de gorduras, aditivos cancerígenos, miríades de estimulantes, calmantes, excitantes e no máximo poderia ser um caso de saúde pública, não um caso de polícia se não houvesse a ilegalidade na produção e consumo.

É a ilegalidade e o proibicionismo que levam a criação de sistemas violentos para assegurar a produção e comércio das drogas. Grupos armados e para-militares para assegurar a produção e venda e defender o negócio da polícia e de outros concorrentes, acertos de contas internos, zonas de controle de territórios pela violência armada, corrupção, subornos, assassinatos para assegurar a lavagem de dinheiro, cultura da delação e da traição, delação premiada, produzindo ódio, desconfiança e vingança generalizados. Sobre a legalização das drogas, o Capitão Nascimento age como uma toupeira. Essa hipótese não existe para o personagem, nem para o filme, dramaturgicamente. Em Meu Nome não é Johnny a questão aparece de forma mais interessante e complexa, mas não faz parte do mundo mental ou social dos personagens.

As hipóteses e explicações nos filmes patinam em clichês já sabidos (mas não custa repetir, Meu Nome não é Johnny é muito mais sofisticado e sutil).

Afinal, por quê não circulam outros discursos sobre as drogas, como os da juíza de direito Maria Lúcia Karam ou do advogado carioca André Barros, que defendem e militam pela descriminalização, a medicalização e a legalização das drogas, com avanços gradativos?

O usuário podendo fazer uso de consumo individual, freqüentar salas de consumo, ter acompanhamento médico e controle da qualidade do produto, até chegarmos a legalização e controle do comércio de drogas, seja por empresas privadas ou pelo estado.

Legalizar, defende a juíza, é quebrar o ciclo da violência das armas, da corrupção (da policia, de políticos, de empresários), da guetificação da violência e da repressão policial infringida às favelas e aos pobres, do uso e extermínio da mão de obra infantil e de jovens, da degradação da saúde, através do uso seguro, é romper um ciclo vicioso de violência já instalado.

Legalizar é acabar com a hipocrisia e combater a violência extrema e o regime de exceção e arbitrariedade legitimados pelo Estado, pela polícia, pela sociedade-anti-pobres e pelo tráfico, sócios na produção da atual barbárie.

Nem corrupção, nem omissão, nem guerra. A questão é de guerrilha, é não ficar refém do Capitão Nascimento, é minar os clichês e discursos conservadores. Chega de vingança regressiva, chamem a juíza Karam!

Ivana Bentes

sexta-feira, 7 de março de 2008

Sociologia é retirada do currículo paulista

Cabe a pergunta: por que será que querem tanto acabar com a Sociologia, com a Filosofia e com as demais disciplinas que são capazes de transformar as pessoas, de fazê-las pensar e refletir sobre nossa situação?!?

É claro que é porque criar cidadãos críticos é perigoso para os 5% que dominam os outros 95%!!!
Para eles, assim como bandido bom é bandido morto, povo bom é povo burro! E é claro que a mídia dá uma "mãozinha".



Vejam a notícia:

Na contramão de decisão federal, tucanos eliminam disciplina no ensino médio; sindicatos tentam reverter situação em 2009.

Para a atual gestão do governador José Serra (PSDBSP), a disciplina de Sociologia, no ensino médio, não tem importância na educação dos jovens. Contrariando uma norma federal elaborada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2006 – que tornou a disciplina, assim como Filosofia, obrigatória –, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo retirou por completo a Sociologia das salas de aula.

A decisão foi oficializada pela resolução 92, do dia 19 de dezembro de 2007, que reestrutura a grade curricular dos ensinos fundamental e médio paulistas.

Já as aulas de Filosofia ainda são obrigatórias no Estado. No Brasil, todos os demais 25 estados e o Distrito Federal, sem exceção, normatizaram a regra. Anteriormente, ainda no governo de Geraldo Alckmin (1999-2006), os tucanos tinham tirado a obrigatoriedade da disciplina. Lejeune de Carvalho, presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo (Sinsesp), conta que cerca de mil, das 3.750 escolas estaduais, mantinham a disciplina. Com a nova medida, que passa a valer a partir deste ano, cerca de mil pro- fissionais serão demitidos. “Para nós, a decisão é um erro grave, mais um retrocesso na qualidade da educação em São Paulo”, protesta.

Reação

Diante da nova resolução, o Sinsesp e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) buscaram apoio junto a parlamentares e ao Ministério Público Estadual (MPE). Duas reuniões com a secretária de Educação, Maria Helena Guimarães, já foram feitas. “Ela, que é socióloga, inclusive, se justifica afirmando que essa determinação já estava em andamento quando assumiu, em julho de 2007, e que está disposta a corrigir o erro”, afirma Carvalho.

Para isso, foi estabelecida uma comissão tripartite constituída pelo Sinsesp, Apeoesp e pela Secretaria, com acompanhamento de um assessor jurídico. O Grupo de Trabalho formado elaborará um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que, se assinado por todas as partes e também pelo procurador geral do MPE, tem força de lei.

No texto, Carvalho conta que a obrigatoriedade da disciplina retornará. Entretanto, os estragos da resolução 92 para 2008 já estão feitos.

“Não é possível mais reverter a situação deste ano. O TAC só passará a valer em 2009”, aponta.

A medida do governo tucano causou indignação até mesmo em sociólogos considerados alinhados ao PSDB. José de Souza Martins, em artigo publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo do dia 10, escreveu que “o movimento pela sociologia no ensino médio se arrasta sem rumo até hoje, perturbado pela compreensão pobre que dele têm os governos, as escolas e o professorado. Uns porque têm como referência uma economia de resultados, em que o bom e apropriado ensino é confundido com o número de alunos que uma escola catapulta no vestibular das boas universidades públicas”.

Para Lejeune de Carvalho, a decisão do governo tucano vai ao encontro do aprofundamento das medidas neoliberais. “Serra é o porta-vez desse modelo, e dentro dele não cabe Sociologia. É um absurdo privar a juventude do acesso ao instrumental que a nossa ciência proporciona”, finaliza.

Dafne Melo



Promessa de mudança!

ELE PARECERIA um rei, tamanha a beleza. A bermuda despojada, uma camisa em tom pastel e um boné surrado que gritava, em vermelho sangue, uma palavra muito pouco ouvida na universidade: favela. Ele era um, em meio a uma centena de jovens negros que lotavam o auditório da reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para um dia histórico. O dia em que negros e negras, muitos deles empobrecidos, entraram na universidade, não para uma visita ou para servirem de objetos de estudo, mas para ser aluno, fazer um curso superior. É que, pela primeira vez, a UFSC destinou cotas para negros no seu vestibular de ingresso.

Na comissão de professores que atendia, um por um, os calouros, era visível a alegria e o orgulho de ver uma luta de anos finalmente sendo concretizada na prática. Havia sorrisos, apertos firmes de mão e até abraços. Pelo auditório, passeavam outras cores, cabelos cheios de tranças ou dreads, colares étnicos, risos. Eram negros, centenas, e não aquela meia dúzia, em geral africanos, que a comunidade universitária está acostumada a ver pelo campus. Eu penso que não deveria haver cotas para negros, nem para índios, nem para estudantes da escola pública. Mas, enfim, desde que a universidade surgiu existe uma reserva de cotas. É a cota dos que fazem cursinho pago. Dos que podem ter bons colégios particulare s. Então, isso sempre existiu. E, já que existiam cotas para os ricos, é muito justo que exista também para os negros, para os índios e para os que estudam em escola pública. No regime excludente da universidade pública, estas cotas instituídas agora são muito justas sim. E podem gritar os racistas, os neonazistas, e todos os outros “istas” que existem por aí, enrustidos ou não.

É claro que a luta deve ser por escola para todos. Todo e qualquer ser humano que viva aqui nestas terras devia ter direito a uma universidade pública e de qualidade. Porque gratuita ela não é. Todos nós pagamos para que poucos possam ter uma formação. E até hoje, os empobrecidos, os negros e os índios (estes, na sua maioria, também empobrecidos) não tinham essa chance. Não conseguiam passar a barreira da cota dos cursinhos. Quem pode ter duzentos, trezentos reais, para pagar por mês um curso preparatório?

As cotas são um paliativo. Sim, são. Mas elas podem ser fermento de mudança, elas podem escancarar a chaga escondida do racismo .

Ontem, na UFSC, eu vi. Aqueles garotos e garotas negros, sempre marcados pelo preconceito, pela exclusão, unicamente por conta da cor, agora dentro da universidade. Não que isso seja muita coisa. Não que seja bom para eles. É bom para a universidade, isto sim! Esta universidade racista, conservadora, por vezes reacionária, precisava se abrir ao outro, ao que sempre esteve fora por conta da sua condição econômica. Esta universidade precisa conviver com a gurizada que vem das escolas públicas, com as gentes das comunidades de periferia, com garotos como aquele do boné que grita: favela!

E tudo o que eu queria ver era esses garotos e garotas negros trazerem para dentro dos muros do campus sua música, sua cultura, suas raízes, seu riso, sua crítica, sua raiva, sua doçura, sua esperança, seu jeito de viver. E tudo o que eu quero é que eles não fiquem como a maioria dos universitários: apáticos, egoístas, ambiciosos, pensando só no mercado. Eu quero que eles possam revolver conceitos, inventar o novo. Eu fiquei olhando para eles, mergulhada em emoção e sonhando. Ainda são poucos, muito poucos, mas podem fazer um grande estrago. Sempre digo que a universidade, tal como é, precisa morrer. Há que nascer uma universidade diferente, capaz de pensar a vida real, capaz de caminhar nas estradas secundárias, capaz de construir uma nova sociedade. Não sei por que, mas creio que pode começar agora. Quando as gentes da periferia, os que estão excluídos da vida digna, os índios massacrados, entrarem e seguirem sendo eles mesmos, ajudando a inventar um tempo novo.

Assim, ontem, num átimo, me voltou a esperança...

Elaine Tavares é jornalista