sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Por que ainda somos diferentes

Apoiado no fim do "socialismo real" e em certo desencanto com o governo do PT, o pensamento conservador alardeia o fim das fronteiras entre esquerda e direita. E no entanto, elas ressurgem em toda parte: por exemplo, na resistência ao Bolsa Família, às cotas nas universidades e à ação do MST

Existem duas obras paradigmáticas à reflexão sobre a díade esquerda-direita, ambas publicadas em 1994: Direita e esquerda — razões e significados de uma distinção política, de Norberto Bobbio e Para além da esquerda e da direita, de Anthony Giddens. Os dois autores, cada qual à sua maneira, buscavam refletir sobre os rumos a serem tomados pelos órfãos do socialismo que, no imediato pós-Guerra Fria, estavam epistemologicamente enlutados pelo que percebiam ser o fim de suas utopias mais caras, ainda sob o impacto do mundialmente famoso artigo de Francis Fukuyama – "O fim da história e o último homem", de 1992. Bobbio defendia a legitimidade da díade esquerda-direita para analisar e entender o cenário político atual. Já Giddens acreditava que o mundo mudou radicalmente e que, por isso, os conceitos de esquerda e direita são anacrônicos. Fukuyama, por fim, dizia acreditar que a humanidade chegara ao seu estágio máximo de evolução com a universalização da democracia liberal ocidental.

Uma obra menos conhecida entre os brasileiros, até mesmo porque não foi traduzida para o português, é La Droite et la Gauche – Qu’est-ce qui les distingue encore? [A Direita e a Esquerda - O que ainda as distingue], de Claude Imbert, diretor de redação da revista Le Point e Jacques Juliard, articulista da revista francesa Nouvel Observateur. O livro, de 1995, é construído na forma de um diálogo respeitoso e construtivo entre dois amigos. Imbert representa o pensamento “de direita” e Julliard o pensamento “de esquerda”. Nessa obra, os autores apresentam um panorama crítico e intelectualmente impecável do que vem a ser a direita e a esquerda num mundo onde a clivagem ideológica bipolar não mais existe.

Podemos pensar que algumas bandeiras da esquerda tradicional sejam anacrônicas para a maioria dos países do "primeiro mundo", que já possuem redes de proteção social e uma política sólida de distribuição de renda, duramente conquistadas no período pós-Segunda Guerra.

Contudo, vemos na França de hoje uma repetição de discursos que nos são velhos conhecidos, enunciados pelo atual presidente Nicolas Sarkozy, acerca da ineficiência do Estado e da conseqüente necessidade de sua “modernização”. Se Madame Tatcher e Fernando Collor de Mello não estivessem vivos e gozando de boa saúde, era de se imaginar que estivessem encarnados no presidente francês. Ele busca, tardiamente, colocar a França nas regras ultrapassadas do Consenso de Washington, subtraindo da nação francesa um papel mais efetivo que pode, e deve, ter na discussão de alternativas ao modelo hegemônico da atualidade. Atlético, “jovem” e dinâmico, Sarkozy tenta passar a imagem do reformador valendo-se de estratégias discursivas perlocutórias, no intuito de induzir os cidadãos a concordar com a velha novidade de mudanças que visam agradar o sistema financeiro internacional.

Lula versus Chávez? Quem vê a esquerda sul-americana dividida "esquece" que a região não é homogênea

Na América Latina, por outro lado, os líderes de esquerda mais expressivos do momento, Evo Morales e Hugo Chavez, efetuam o retorno a um discurso castrista que, na visão de muitos analistas, é um anacronismo impensável dentro de padrões contemporâneos. Mas de qual contemporaneidade estamos falando? Um capitalismo predatório só pode ser amenizado com uma esquerda mais incisiva. Talvez estejamos assistindo, em tempo real, um conjunto de situações históricas de um passado que insiste em se fazer presente. Posto que a situação sócio-política da América Latina difere, e muito, daquela dos países desenvolvidos, podemos perguntar aos críticos de Chavez e Morales se conhecem as bases absurdamente arcaicas que o capitalismo ainda possui nesses países e o trabalho que seus chefes de Estado vêm fazendo no sentido de resgatar sua soberania, o poder sobre seus recursos naturais e sua dignidade no cenário internacional.

A propósito dessas diferenças, em um badalado artigo publicado na Foreing Affairs, em 2006, Jorge Castañeda se propôs a explicar ao público leitor de língua inglesa que existem duas esquerdas na América Latina – uma moderna e outra populista. O primeiro grupo teria em Lula e na presidente chilena Michelle Bachelet seus principais representantes; o segundo, seria encabeçado por Chávez e Morales. O que talvez tenha escapado à compreensão de Castañeda é que o Brasil e o Chile são países mais modernos e desenvolvidos do que o são a Venezuela e a Bolívia. Portanto, é de se esperar que nos dois primeiros a esquerda tenha modernizado seu discurso e sua plataforma. Já na Bolívia, o país mais pobre da América do Sul, e na Venezuela, que vive quase que exclusivamente de renda de petróleo, o suposto populismo do qual seus governantes são constantemente acusados talvez seja uma resposta ao populismo fundamentalista de mercado que varreu a América Latina no período crítico da globalização e que piorou significativamente os índices sociais dos países mais vulneráveis ou mais adesistas às novas orientações — como a Argentina, por exemplo.

Falando especificamente da realidade brasileira, após a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, as forças de esquerda passaram por uma séria crise de identidade, quase como um processo de luto da utopia perdida. Aquilo que esperavam do primeiro governo de esquerda brasileiro não se concretizou — ou seja, um reforma estrutural profunda em relação às regras rígidas do neoliberalismo mundial. Não foram poucos os intelectuais que se alternaram em posições ora extremamente críticas, ora extremamente lenientes, na avaliação do governo Lula, principalmente nos eventos recentes. Se levarmos em conta as opiniões dominantes na grande mídia, o Brasil enfim teria descoberto a corrupção, o clientelismo e outras práticas supostamente nascidas com o governo petista — malgrado os quinhentos anos de “cultura da cordialidade” que parecem ter sido esquecidos pelos neo-oposicionistas do momento.

No Brasil, cotas nas universidades e Bolsa-Família despertam o elitismo arraigado entre as elites

No Brasil contemporâneo, a díade esquerda/direita adquire caracteres bem mais amplos e sutis do que a possibilidade de uma mudança radical de um modo de produção capitalista para uma economia socialista. Existem componentes periféricos que não podem ser negligenciados nesse debate. Cabe à esquerda ficar alerta às tentativas de distorção e neutralização de seu conteúdo programático, que freqüentemente chegam disfarçadas em cientificismos, pseudo-humanismos e uma gama infinita de argumentos retóricos e assustadoramente tributários do senso comum.

Ao reconhecermos as diferenças entre os sistemas econômicos de exclusão dos países latino-americanos, estendemos o nosso olhar à necessidade imperiosa de ações que revejam o legado capitalista em nossa história.

Elas se dão na forma de algumas proposições políticas atuais que enfrentam um alto grau de reação por parte da mídia e da inteligentsia brasileira. Convidam a perguntar o que nos faz atores políticos de esquerda em um país como o Brasil, que não empreende medidas rupturais profundas em relação ao seu modelo econômico — e possui sérias limitações internacionais de atuação?

Pensamos que o posicionamento de um cidadão frente a cotas nas universidades públicas, programa Bolsa Família e reforma agrária é um bom indicativo de suas posições políticas: se são de esquerda, ou de direita. Acreditamos que o engajamento de esquerda no Brasil passa (não exclusivamente, mas necessariamente) pelo posicionamento favorável a essas políticas. Ser a favor, nem sempre significa ser 100% a favor. Não esperamos que alguém seja ingênuo para pensar que a política de cotas, o programa Bolsa Família (PBF) e a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em prol da reforma agrária não sejam passíveis de críticas. Mas essas não podem paralisar um debate maior sobre a brutal desigualdade social brasileira.

A atual política de cotas envolve importantes mudanças políticas rumo à redução de desigualdades históricas. Isso não significa que as cotas irão apagar, como num passe de mágica, os séculos de exploração e injustiças praticadas contra os afro-descendentes brasileiros. Mas representam, sim, um avanço importantíssimo que provoca reações incríveis por parte daqueles que compõem a nossa direita.

Os Diogos Mainardis, alimentos permanentes ao preconceito contra a modesta redistribuição de riqueza

Recorre-se ao conceito de meritocracia para negar a validade da política de cotas. Ora, desde quando a meritocracia reina neste país? Se respondermos positivamente a essa pergunta, seremos forçosamente conduzidos a uma conclusão evidente de que pobres e negros estão na situação vulnerável em que se encontram por sua própria culpa, e que nossas elites trabalharam duro para chegar onde estão – no topo da pirâmide de um país com um dos piores níveis de distribuição de renda do mundo.

Assistimos, espantados, as mais sofisticadas descobertas científicas que revelam a forte carga genética européia contida em nossos negros, que não seriam tão negros quanto pensam e, logo, a política de cotas seria uma fraude. Outros alegam, alarmados, a introdução oficial do racismo no Brasil, a incitação ao ódio inter-racial e outras pérolas. Elas denunciam um mal-estar significativo frente à hipótese de um negro sentar-se ao lado daqueles que julgam ocupar o lugar de núcleo pensante de nossas universidades públicas por conta, única e exclusivamente, de seus méritos. E a situação poderia ficar pior, caso nossos negros, além de tudo, queiram dar uma outra interpretação à nossa história: não aquela positivista, heróica e branca, em um país cuja dívida com índios, negros, pardos e mulatos ainda precisa ser paga.

Outro argumento contrário à política de cotas baseia-se no entendimento de que deveríamos melhorar a educação de base, para que egressos de escolas públicas e privadas estivessem em nível de igualdade ao fim do Ensino Médio. Certamente essa é uma ótima idéia, mas quantas décadas, ou mesmo séculos, precisaríamos esperar para que pudéssemos presenciar os resultados dessa medida? Esse tipo de proposta parece um típico discurso brasileiro utilizado quando se quer deixar as coisas como estão: alegar a necessidade de algo mais profundo quando se tem a urgência de algo imediato. O resultado final é que, geralmente, nada é feito.

Outro passo coerente é o posicionamento em relação ao Programa Bolsa Família (PBF), que efetua uma transferência direta em favor das famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.749, de 11 de abril de 2006. Novamente, nesse caso, assistimos à santa à santa indignação daqueles que afirmam que o ideal seria um programa de geração de empregos. Para eles, o PBF é esmola e estimula a vadiagem de quem, ao invés de produzir, contenta-se com o dinheiro “fácil” recebido mensalmente. Em um país que ocupa uma posição vergonhosa em termos de distribuição de renda — o décimo mais desigual do mundo — não deveria uma solução dessas ser aplaudida como algo que visa reduzir minimamente a nossa brutal desigualdade, em um arremedo de estado de bem-estar social que nunca tivemos, já que pela percepção da facção radical de nossos representantes liberais, pobre só é pobre porque é vagabundo? Para entender como se processa essa apreensão tão rasteira da realidade, temos as colunas do caricato Diogo Mainardi e seus seguidores, que fornecem dados semanais à ignorância e ao preconceito de nossos conservadores anônimos, ou nem tanto.

Resgate da dignidade dos mais pobres: o que a mídia faz questão de esconder sobre o MST

O Bolsa Família restitui a dignidade de muitas famílias que são beneficiadas pelo programa. Sim, mas existem distorções, dirão alguns, “tem gente que está trabalhando e ainda assim está inscrito no PBF, recebendo regularmente o benefício”. Logo, o programa deve ser extinto.

Dentro dessa linha de raciocínio, deveríamos extinguir também o INSS, o SUS, quem sabe até o Congresso Nacional, e todas as instituições passíveis de corrupção nesse país e deixar o incorruptível e isento mercado dar o rumo às nossas vidas – embora os liberais mais esclarecidos já não compactuem com semelhante discurso.

Não ignoramos a urgência de medidas que visem a resolução estrutural de problemas nacionais e que tornariam desnecessário o Bolsa Família, tais como a redução nas taxas de juros, a criação de novos postos de trabalho com o incentivo ao capital produtivo entre outras medidas de médio e longo prazo. Contudo, não são excludentes à aceitação do PBF como uma medida eficaz de redução da desigualdade em curto prazo.

E, finalmente, a reforma agrária e sua expressão maior no país: o MST, que, para alguns (de esquerda), simboliza a luta pela justiça no campo, e para outros (de direita), são os Talibãs tupiniquins, inimigos do agro-business, ameaças à sacra propriedade privada e aos latifúndios formados “meritoriamente” no decorrer de nossa história. O MST é internacionalmente conhecido e respeitado como o maior e mais organizado movimento pela reforma agrária do mundo. Mas aqui, os sem-terra são demonizados pela grande mídia, que se concentra tão somente no fato de haver ocupações de terra, cuja violência é sempre parte da reação dos fazendeiros na proteção de seus direitos sagrados à terra de que o próprio Deus parece ter-lhes passado a escritura.

Jamais se mostra, em qualquer mídia, o trabalho social engendrado pelo movimento, que ajuda pessoas em estado de miserabilidade total, alcoolistas e candidatos ao lumpensinato, rumo ao pertencimento a um grupo e ao compartilhamento do sonho de uma vida mais digna.

Não se está negando que o MST cometa alguns excessos e que possui falhas – são suficientemente denunciados casos de famílias que ganham terra, vendem e voltam de novo para a fila. Mas como esperar, em um país onde todas as instituições de Estado são falhas, que um movimento social seja perfeito? Nossa situação agrária é herdeira do passado colonial desse país. Nossos latifúndios prosperaram durante séculos com a mão de obra de escravos que foram jogados à margem da sociedade quando da mudança para a mão de obra assalariada e européia (não é difícil perceber a relação entre a luta pela reforma agrária e as políticas de cotas ...).

A essa situação agrária retrógrada e concentradora de renda e a esses latifúndios cuja construção histórica passou longe de qualquer meritocracia, o MST é uma justa resposta. Vem exercendo uma resistência pacífica contra a injusta distribuição de terras, denunciando ao Brasil e ao mundo há décadas que somos um país vergonhosamente desigual.

A díade esquerda/direita está mais viva do que nunca, ainda que exista um imenso esforço rumo a um consenso centrista radical que nega a validade de posicionamentos mais assertivos. Michel Foucault afirmava que “onde há poder, há resistência”. Quanto mais vertical e impermeável se apresenta esse poder, mais se necessitam ações que não obstruam um tensionamento político necessário para que os dados continuem rolando, sob pena de cair no totalitarismo em suas múltiplas formas.

Direitos não são concessões, são conquistas. Talvez atores políticos como Hugo Chavez e Evo Morales e programas de cotas, PBF e reforma agrária nos termos propostos pelo MST não sejam indicados no Canadá, Noruega, Inglaterra e outros países onde o capitalismo se mostra mais domesticado e reformado. Mas dentro da realidade brasileira e latino-americana, essas ações sustentadas pela esquerda e pela maioria de seus apoiadores tornam-se uma real esperança de superação de desigualdades. Para que sejam dispensáveis no futuro, são atualmente imprescindíveis.
Cláudio César Dutra de Souza, Sílvia Ferabolli

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O retorno do(s) idiota(s)

Numa América Latina que se redescobre e reinventa, um setor social continua a crer que o debate de temas complexos é aborrecido, e que o ideal de liberdade é a disputa egoísta nos mercados. Tal público é o alvo das obras medíocres de auto-ajuda política, como as de Alvaro Llosa e seus valetes

Em 2007, completou-se uma década da publicação de um livro intitulado Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, cujos autores são o colombiano Plínio Apuleyo Mendoza, o peruano Álvaro Vargas Llosa e o cubano Carlos Alberto Montaner. Nessa obra, os referidos escritores fazem uma apreciação sarcástica dos textos, ações e idéias pertinentes à luta das esquerdas na América Latina, embasada em um duvidoso humor, que busca ridicularizar todos aqueles que construíram, no século 20 a história da resistência contra as ditaduras e o liberalismo selvagem no continente. Livros assim conferem fama instantânea a seus autores. São leves, fáceis de ler e descompromissados com uma análise séria daquilo que pretendem simplesmente demolir, utilizando a velha tática da terra arrasada e jogando com os medos e preconceitos de uma classe média economicamente combalida — reforçando-os, e angariando novos soldados às suas pequenas tropas de elite de extrema direita.

Recentemente, os autores lançaram sua mais nova obra, intitulada O Retorno do Idiota em que prosseguem projetando seus piores medos e preconceitos contra aqueles que designam de idiotas — ou seja, quem não reza pelo código canônico do liberalismo econômico cego e fundamentalista. Em tempos em que o ateísmo entra na ordem intelectual do dia, através de obras como a do francês Michel Onfray (Tratado de Ateologia) e do britânico Richard Dawkins (Deus, um Delírio) a tríade de autores, que considera idiotas quaisquer manifestações oriundas da esquerda na América Latina, não vai além de uma profissão de fé, composta por palavras de ordem vazias, ironias e muito pouca informação real. Apesar de tendencioso e mal escrito, não podemos deixar de reconhecer que esse tipo de literatura propicia um conforto pseudo-intelectual aos chamados reacionários que, nas palavras de Norberto Bobbio, são aqueles que reagem ante a ruptura de uma ordem histórica sagrada, criada e conservada por uma providência imperscrutável. Religiosos e intelectualmente limitados, autores e leitores desses livros constituem uma tipologia que podemos reconhecer como o “Perfeito Idiota de Direita Latino Americano” que será, doravante, tratado como PID.

Uma das características mais importantes para se reconhecer um PID é a sua fé cega no mercado e a sua luta em prol da liberdade que este propicia. Ele acredita que a livre iniciativa nos torna mais iguais, porque cada um de nós sai do mesmo ponto e tem a capacidade de tornar-se um “vencedor” tão somente obedecendo a algumas regras fartamente distribuídas nos mal-escritos manuais de auto-ajuda que tanto consome – inclusive os que deram base a este artigo.

O PID considera que só é pobre quem merece e, nesse instante, o pequeno Capitão Nascimento que habita dentro dele se corporifica nas telas de cinema e o tranqüiliza em relação a sua segurança. Intelectualmente, identifica-se com os ricos e poderosos, grupo do qual não faz parte, e que freqüentemente o despreza.

Mentes pequenas, que detestam qualquer rumor ligado mais à dúvida que às quimeras da certeza

Os leitores de Álvaro Vargas Llosa e seus dois valetes aprendem que Noam Chomsky, autor de vários livros nos quais critica a postura dos Estados Unidos nos processos de norte-americanização e exploração do mundo atual, é um idiota. Isso deve ser reconfortante às mentes pequenas, que historicamente sempre detestaram qualquer rumor intelectual calcado na mais dúvida do que nas quimeras da certeza. Também odeiam Harold Pinter, Nobel de Literatura em 2005, que afirmou em seu discurso de aceitação do prêmio que "Os Estados Unidos finalmente derrubaram o governo sandinista (...) Os cassinos voltaram ao país. Saúde e educação gratuitas acabaram. As grandes empresas voltaram com ímpeto" e Joseph Stiglitz, Nobel de Economia de 2001, segundo o qual “O Chile teve muito sucesso nos últimos quinze anos... [O país] introduziu controles de capital. Privatizou apenas parte de suas minas de cobre, e as minas privatizadas não tiveram um desempenho melhor do que as minas estatais, sendo que os lucros das minas privatizadas foram enviados para o exterior, enquanto os lucros das minas estatais puderam ser investidos nos esforços de desenvolvimento da nação" (International Herald Tribune, 14 de fevereiro de 2007).

O Le Monde Diplomatique é “a gazeta oficial dos idiotas latino-americanos e europeus” (sic), o jornal onde se “condena a globalização, se estigmatiza o mercado e se elogiam líderes “carnívoros” [1], tendo o seu editor Ignacio Ramonet — e conseqüentemente nós e vocês, leitores — irmanados na mais pura e idiota oligofrenia. Também são consideradas como “idiotas” a revista Le Nouvel Observateur, o livro de Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina. Enfim, toda e qualquer discussão que remeta à forma na qual espanhóis e portugueses mataram, espoliaram e escravizaram as populações pré-colombianas, os negros e todos aqueles que, nos alvissareiros tempos contemporâneos, insistem em lutar pela sua liberdade real e não aquela outorgada de forma parcial e leviana pelos donos do poder, que há séculos se beneficiam das desigualdade no continente.

É uma tática antiga e fascista, a de simplificar complexidades a fim de conquistar seguidores e agradar os discípulos do pensamento PID. É que nada que pareça em si muito difícil lhe é agradável; portanto, a solução de todos os males sempre tem uma causa única e uma solução rápida, eficiente e sempre muito pontual. Pelo discurso de Berlusconi e de toda a extrema-direita européia, basta expulsar os imigrantes e “endurecer” com essa gentalha que promove distúrbios e solapa a ordem para que tudo se resolva. O PID detesta tudo o que cheire a “baderna” e acha que esse negócio de direitos humanos é coisa de homossexuais. Aliás, a manutenção da ordem é sempre um apelo irresistível ao PID, que acredita que apontar tanques para as favelas seria uma solução viável, já que seus habitantes não passam de lixo não reciclável, algo desagradável que não demanda nem uma solução, sequer compaixão ou solidariedade, como bem lembra Luis Fernando Veríssimo em crônica de 29 de novembro publicada nos principais jornais do país.

Relações de poder, opressão e racismo seriam conversas de intelectuais, que complicam coisas muito simples

O PID pode ser perigoso, invejoso e cruel quanto mais esteja abaixo do padrão que considera ser o seu de direito. Ele é o “Zé Ninguém”, imortalizado por Wilhelm Reich em seu desabafo histórico. É o capitão do mato, o capataz da fábrica, enfim, todos os subtipos capturados pelas elites, que os usam para o serviço sujo, pois eles são fáceis de manipular. Sendo ganancioso e um pouco estúpido, logo serve como um perfeito idiota pronto para massacrar seus próprios irmãos, em troca da liberdade de escolher seu próprio mecanismo de endividamento, a fim de adquirir sua TV de plasma, seu notebook, seu celular e todos os brinquedinhos que o hipnotizam e sedam a sua capacidade crítica.

Existe uma literatura que é a predileta do idiota: a auto-ajuda, que confere o poder “do it yourself” de mudar a vida pelas próprias mãos, através de toneladas de frases e conceitos roubados de uma sub-física quântica, misturada a filosofias de botequim que o reforça em seu individualismo atroz [2]. A mensagem de todas as obras do gênero é só uma: convencer que fatores externos não são condicionantes de nossos problemas. Política internacional, relações de poder, opressão e racismo — tudo isso são conversas de intelectuais embriagados, que complicam coisas muito simples e consistem basicamente em manipular as forças do universo a seu favor. Quanta ilusão e quanto narcisismo envolvidos nesse processo de bestialização do PID e que truque perfeito pra desviar a atenção de todos para as realidades aborrecidas e complicadas do mundo contemporâneo. Na verdade, o PID odeia as ideologias sem perceber que está mergulhado nelas até o pescoço, porque são vendidas como naturais, lógicas e democráticas.

Devemos destacar a atualidade de Sérgio Buarque de Hollanda para entendermos um pouco do horror e do ódio cordial , que mantêm no Brasil, em pleno século 21, estruturas colonialistas de favorecimentos e sentimentos reativos em relação aos que não fazem parte da casa grande de Gilberto Freire. Poucos de nós possuímos condições de nos deitar na rede da varanda ao entardecer, com mucamas nos coçando as costas — mas como estamos arraigados nesse sonho!

Como adoramos ter empregadas domésticas a quem tratamos como bestas de carga, como adoramos nos sentir diferentes e pertencentes a uma suposta casta superior. Como é fácil jogar com essas ilusões como um mecanismo fundamental de contenção, a fim de que nossos corpos sejam dóceis e nossas mentes sintonizadas nos confins do universo, que nos dará tudo aquilo que mentalizarmos com fé e perseverança... Como somos idiotas!

Uma crise social gravíssima que não ser minimizada com objetos de consumo e promessas de bem-estar restrito

O alvo de todas essas maquinações é sempre a parcela PID da classe média, que vive hoje, no Brasil, um processo de profundo esgotamento, capturada nas estruturas de mídia que vendem qualquer tipo de sonho em seis, doze e até trinta prestações. Igualmente enfrenta o colapso de seus valores materiais e morais mais caros, tais como o emprego estável, a casa própria, o carro do ano e o fato de ser um grupo formador de opinião, o sustentáculo de um pensamento que os muito ricos nunca tiveram e os muito pobres já não almejam. Desvalorizado e iludido com a promessa do paraíso do consumo, este setor da classe média se estupidifica a passos largos, em sua tentativa de resguardar o poder moral de ser o baluarte de uma cultura que já não permite construções sólidas em todos os sentidos, vide o conceito desenvolvido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman de “Modernidade Líquida”.

As dificuldades cada vez maiores de inserção profissional e obtenção de ganhos pecuniários necessários a uma sobrevivência digna orquestram-se com o espetáculo das ofertas de produtos dispensáveis, que acabam tendo como efeito o consumir-se no próprio consumo, negligenciando e até mesmo ridicularizando outras formas de vida que ensaiam uma crítica e uma saída desse círculo vicioso. O pensamento torna-se cada vez mais escravo de teorias esdrúxulas e opiniões formatadas na mais pura tendenciosidade daqueles que se julgam aptos a diagnosticar as idiotices de quem ousa pensar para além de uns poucos clichês repetidos ad nauseum pelos representantes da Lumpem-Inteliggentzia de nossos tempos.

Só deixaremos de pertencer à casta do “Perfeito Idiota de Direita Latino Americano” no momento em que conseguirmos olhar para nós mesmos da forma como realmente somos, tarefa necessária, mas nem sempre agradável. E o que realmente somos é um somatório histórico de lutas e conquistas dentro de uma América Latina em que as esquerdas tiveram e ainda têm um papel fundamental com seus erros e acertos nas últimas décadas. Todos estes fatores estarão presentes por muito tempo em nosso continente e os inadaptados famélicos e todos os que estão na periferia do capitalismo continuarão a fazer ouvir a sua queixa, às vezes de forma incisiva, para muito além do admirável mundo novo dos profetas de gabinete que preconizam um darwinismo social excludente e cada vez mais sem disfarces. Há uma crise social gravíssima que não pode mais ser ignorada ou minimizada com objetos de consumo e promessas de um bem-estar restrito a grupos cada vez menores e temerosos de seus semelhantes.

Que Plínio Apuleyo Mendoza, Álvaro Vargas Llosa e Carlos Alberto Montaner, nossos companheiros latino americanos, representem o que existe hoje de mais atrasado em reflexão política e econômica internacional é algo preocupante. Que fornecem subsídios ao conformismo e à conivência das elites e de quem orbita em torno delas, com a desinformação cínica sobre o abismo econômico que atravessa os agrupamentos sociais contemporâneos, isso é um fato consumado. E é preciso ser um perfeito idiota de direita latino americano para não ver isso.

Notas:

[1] Carnívoros e Vegetarianos são distinções que os autores utilizam a fim de escalonar os “graus de idiotice” observados na América Latina. Chavez e Morales, por exemplo, seriam “carnívoros”, pelo radicalismo de suas posições, ao passo que Lula e Michele Bachelet, atual presidente do Chile, seriam “vegetarianos” por terem, na concepção dos autores, se distanciado do esquerdismo mais radical e assimilado algumas regras fundamentais da economia de mercado.

[2] Nada do que foi escrito até agora supera o famigerado Segredo. Na chamada de tão auspiciosa obra lemos: “Ele viajou através dos séculos. Ele resistiu à passagem do tempo. Ele chegou até você”. Cremos que poucas obras superam essa em termos de boçalidade e exaltação a um individualismo pequeno-burguês. O grande segredo consiste em saber que nós e apenas nós somos responsáveis por todos os acontecimentos dessa vida; que nosso destino é habitar o nirvana capitalista; e, se isso não ocorre, adivinhem, a culpa é toda nossa! O livro, bem como o filme, tem pérolas do tipo “você não vai mudar o mundo, mas pode mudar a si mesmo” e outras babas do gênero, todas balizadas pelos testemunhos de eminentes sábios de todos os tempos que, supostamente, teriam posto em prática tão complexa sabedoria – obviamente todos mortos, a fim de não gerar processos judiciais...

Cláudio César Dutra de Souza, Sílvia Ferabolli

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Aumento de temperatura da Terra abre brecha para se discutir padrão de vida da sociedade capitalista

O debate sobre o aquecimento global ganhou força em 2007 com a divulgação de uma série de relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU). No horizonte, previsões nada animadoras. Na melhor das hipóteses, a temperatura global deverá subir 1,8 ºC até 2100. Na pior, subirá em torno de 4ºC.

Em ambos os casos as conseqüências serão altamente danosas para os ecossistemas. Esse aquecimento, segundo o IPCC, estaria sendo causado pela ação humana, principalmente por meio da queima de combustíveis fósseis desde o começo da era industrial (ao redor de 1750).

Entretanto, essa posição não é consenso. Tarik Rezende de Azevedo, professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) acredita que possa estar ocorrendo um aquecimento, mas discorda das causas apontadas pelo estudo. “Evidentemente há um aquecimento, mas a discussão maior é em cima das causas. Há tantas outras coisas que pesam – e muito – que é difícil isolar cada uma delas (a ação humana) para ver o peso que tem. No caso do clima há um caso extremo de dificuldade. Como dizer que é a ação humana que mais afeta?”, questiona.

Azevedo também contesta a projeção do relatório. “Dizer que vai aumentar de 2 a 4 graus é adivinhação”, afirma. O geógrafo acredita que mais complicado ainda é quando o relatório faz projeções sócio-econômicas baseadas nas mudanças climáticas. “A história da humanidade é muito mais complicada do que equações matemáticas. Em Economia isso também ocorre. É possível prever com exatidão o que vai acontecer na bolsa de valores em seis meses?”, relativiza.

Debate

Paulo Artaxo, professor de Departamento de Física Aplicada da USP e participante do IPCC acredita que as divergências são naturais. “Em ciência sempre existe diferenças de opinião. Há divergências em relação a abordagens que o IPCC tomou. Isso é obviamente legítimo, faz parte do sistema científico global”, aponta.

O pesquisador acredita que é perfeitamente plausível defender uma posição mais “cética” cientificamente. Alerta, entretanto, que essa posição também tem sido adotada por uma parcela da comunidade científica cooptada pelas transnacionais do petróleo e do carvão, por exemplo. “A indústria está se armando do ponto de vista científico, pois o debate é político também. Então, fazem pesquisas que tentam enfatizar pontos positivos do aquecimento global. Por exemplo: parte da Rússia e parte do Canadá poderiam se tornar agricultáveis; mas não leva-se em conta o fato de que o restante do planeta vai ter conseqüências muito danosas”, defende Artaxo.

Para o físico, uma posição contrária à idéia da ação humana como principal causa do aquecimento que seja bem argumentada e com bases científicas consistentes é válida, mas acaba sendo vista injustamente com desconfiança por conta do uso desses mesmos argumentos pelas grandes transnacionais.

Tarik Azevedo também relembra que o painel montado pela ONU é intergovernamental, como diz o próprio nome. “Ou seja, são Estados discutindo a questão do aquecimento global, é uma instituição política, assim como a ONU. São feitas por cientistas escolhidos pelos Estados”, opina.

A seu ver, muito mais do que preocupações ambientais existe a necessidade de resolver o problema da escassez de petróleo. “É preciso convencer as pessoas. O clima está sendo usado como elemento de convencimento para se mudar a matriz energética do mundo”, sustenta o geógrafo.

Capitalismo

Michel Löwy, sociólogo, também está convencido de que há aquecimento global e de que a ação humana é a sua principal causa. Mas especifica: “o que causa isso não é a ação humana em geral, mas uma forma muito específica de vida social: a civilização capitalista baseada na extensão e acumulação infinita do capital e do lucro, num modo de consumo irracional e insustentável, em particular das elites ocidentais. O modo de produção, de vida, de transporte de pessoas e mercadorias – todo baseado nas energias fósseis – do capitalismo gera, inevitavelmente, a produção, em proporções assustadoramente crescentes, dos gases de efeito estufa que trazem como resultado o aquecimento global”.

Löwy aponta que alguns dos principais governos do mundo capitalista – como o estadunidense e o canadense – apontam que o problema não é grave e que bastam alguns “truques tecnológicos” para se resolver a questão. “George W. Bush (presidente dos Estados Unidos) já explicou que o modo de vida americano não é negociável”, aponta o sociólogo.
Dafne Melo

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Polícia Decadente

você sai de casa e não sabe se vai voltar
a sociedade está em apuros, quando isso vai mudar?
com sua violência e corrupção a polícia não ajuda o pobre cidadão
segurança é o que queremos
violência é o que nos temos
polícia decadente......decadente
o sistema penitenciário está falido
os criminosos nunca são detidos
e se forem fogem da detenção
cavando um túnel por debaixo da prisão
segurança é o que queremos
violência é o que nos temos
polícia decadente......decadente
o suborno e a propina estão em todo lugar
quem tem dinheiro não é preso não
é o pobre que rouba um pão
fica mais de 5 anos na prisão
segurança é o que queremos
violência é o que nos temos
polícia decadente........decadente, decadente, decadente, polícia decadente
Garotos Podres

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Brasil ocupa piores posições em lista de educação

Pesquisa da OCDE coloca o país entre na 52ª posição entre 57 países na comparação do desempenho de estudantes do ensino médio

O Brasil é um dos países com pior nível de educação de ciências para estudantes do segundo grau. O país ficou na 52ª posição em uma lista de 57 países. A informação é de uma pesquisa desenvolvida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O estudo, realizado em 2006, é o principal instrumento de comparação internacional do desempenho entre alunos do ensino médio.

Além de medir o ensino de ciências, o levantamento mediu a capacidade de leitura, noções de matemática, e como os estudantes aplicavam esse conhecimento para resolver problemas do dia-a-dia. Outros quatro países latino-americanos ficaram à frente do país: Chile, Uruguai, Argentina e México. Dos países da região que foram pesquisados, apenas a Colômbia teve desempenho abaixo do Brasil.

Não é a primeira vez que o Brasil apresenta maus resultados em uma pesquisa sobre educação. Em setembro deste ano, outro estudo da OCDE mostrou que o Brasil é o que menos gasta com educação, numa lista de 34 países.De acordo com um relatório elaborado pela Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação, divulgado em julho, o Brasil possui uma defasagem de 235 mil professores para o ensino médio. As disciplinas mais afetadas segundo o relatório são as de Física, Química, Matemática e Biologia. (com informações da Radioagência NP)

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Se correr o bicho pega, se ficar...

ELE COME e fim de papo.

O bicho parece bonzinho, mas é devorador e diabólico. Está na cabeça e nas entranhas das pessoas; no mercado, na rua, na mídia, na empresa, na família... e adora também dar uma entrada nas igrejas. Atende por nomes diversos. Porém, um dos mais usados é neoliberalismo.

Tenho muito medo desse bicho. Ele vive matando. Prefere o sangue de crianças, trabalhadores, indígenas e pobres em geral. Seu lema é antigo e atual: “decifra-me ou devoro-te”. Sua base é o mercado. Seu negócio é vender. Para isso, trabalha com o desejo dos consumidores. “E quem pensa a partir do desejo nunca tem o suficiente”, explica o professor Jung Mo Sung. Entre os efeitos mais notórios do “bicho papão”, acham-se os seguintes:

1. Exclusão social: Cresce a categoria dos considerados “não gente”. Hoje, quem “não tem” poder econômico “não é”. Os excluídos não contam porque, ao sistema, nada acrescentam. Por esse motivo, são tratados como “coisas que falam”, expressão utilizada pelos romanos em se referindo aos escravos. Existiam “as coisas que falavam” e as “coisas que não falavam”. Escravos eram “coisas que falavam”, mas não eram escutados.

2. Culpabilização da vítima: O sistema leva você a acreditar que todo o fracasso é culpa sua. Quem não consegue competir, passa a pensar que ele é o incompetente e que sua incompetência tem um preço. Quem se sente culpado, habilita-se a aceitar que deve pagar uma pena. E, quem é penalizado constantemente vai perdendo a auto-estima e a dignidade. Quem perde a dignidade, passa a pensar que não têm direitos. E quem acha que não têm direitos, perde também a vontade de lutar.

3. Crescimento da violência: O fenômeno é complexo. A violência não se reduz a um impulso oriundo de quem tem fome e está sem “comida”. Entretanto, sem comida distribuída entre todos os que têm direito a sentir fome, não pode existir paz. Vale lembrar que, no mundo, de cada cinco pessoas, duas vivem com menos de R$ 6,00 por dia. As causas da violência são múltiplas, mas não podem ser ignoradas as de caráter socioeconômico.

4. Consumo ilimitado: O neoliberalismo cria símbolos e ídolos. O ídolo passa a estimular “desejos miméticos”. Instiga a querer o mesmo que o outro deseja. Assim, se fortalece a concorrência e a corrida ao consumo. Imprimir essa lógica nos indivíduos é tudo o que o sistema de mercado deseja. Se você entrar nesse esquema, o bicho já te pegou. Livrar-se dele não é tarefa fácil. Se, por um lado, há desejos que são necessidades e precisam ser satisfeitos; por outro, existem desejos que devem ser vigiados e controlados, pois são verdadeiros instintos do sistema.

5. Estresse globalizante: Hoje vivemos os efeitos de uma globalização sedentária. O capitalismo nos quer assim: não críticos e ativos, mas ativistas (ou desocupados) ingênuos. Enquanto fazemos coisas, não paramos para pensar. E se não paramos para pensar, não questionamos. Não questionar, é tudo o que ele espera. O ativismo tem seus agregados: a irritação, a angústia existencial, a tensão, a intolerância etc., levando à depressão, à doença e até a morte. De tudo é salutar livrar-se.

Para impedir que o “bicho” nos pegue e nos devore de vez é preciso prendê-lo pelos “chifres”. E não adianta ir sozinho, pois ele tem força. É fundamental resistir, articulando as múltiplas forças que desejam alcançar outros horizontes: da sociedade justa, solidária e sustentável.

Não podemos imitar o bicho que exclui, devora e depreda.

Se estivermos bem organizados, quem vai ter que correr é o bicho.

Podes crer!

Dirceu Benincá é doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP)

Mais uma vez, o presidente será o último a saber

Editorial do Jornal Brasil de Fato, Edição 245, de 6 de novembro de 2007.

Um leal deputado do governo descobre o plebiscito“Fiz uma pesquisa e constatei que na maioria dos países desenvolvidos o presidente tem o poder de convocar plebiscitos para consultar a população sobre temas importantes. Aqui, só o Congresso pode fazer isso”.

A declaração é do deputado federal Devanir Ribeiro (PT-SP), ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, que priva do círculo mais íntimo de compadres-colaboradores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A partir dessa pesquisa , o parlamentar prometeu apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que dê ao presidente o poder de convocar plebiscitos. Na próxima semana, o deputado Devanir vai ao Senado, a convite da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), para explicar seu projeto à bancada do partido.

Antes tarde do que nunca, diríamos da descoberta do deputado (e do presidente). Há décadas diversos movimentos e organizações dos trabalhadores e do povo vêm alertando para a importância dos plebiscitos.

Três plebiscitos históricos
Essas organizações e movimentos têm insistido que, para a construção de uma democracia de interesse popular, os mecanismos de representação existentes são insuficientes. Seria necessário combiná-los com intrumentos de democracia participativa e outros de democracia direta. Entre os últimos, apontam o plebiscito como imprescindível para que a maioria possa opinar e decidir sobre as questões estratégicas que envolvam os destinos do país e do povo.

Por isso, sob a iniciativa de diversas dessas organizações e movimentos, e à revelia do Estado e dos governantes, foram realizados três plebiscitos: o Plebiscito da Dívida Externa (2000), o da Área de Livre Comércio das Américas – Alca (2002) e, em setembro deste ano, o da Companhia Vale do Rio Doce, todos bem sucedidos.

Ao que tudo indica, o deputado Devanir e o presidente não estiveram informados sobre o assunto.

Antecedentes nada exemplares
Além disso, o deputado dá mostras de lidar com referências históricas defasadas: desconhece as recentes experiências plebiscitárias e parece se inspirar em antecedentes históricos pouco recomendáveis: sua proposta tem como objetivo central conferir ao presidente Luiz Inácio o poder de convocar plebiscito sobre sua própria reeleição. Ou seja, o plebiscito é apenas um expediente, como vários outros já foram usados, com objetivos semelhantes.

Em 1965, o marechal-presidente Humberto de Alencar Castello Branco traiu aliados golpistas, decretando o Ato Institucional nº 2, que prolongou seu mandato e estabeleceu eleições indiretas para a Presidência. Um dos resultados – ainda que natimorta – foi a Frente Ampla, que tentou reunir o governador Carlos Lacerda, o presidente deposto João Goulart, o ex-presidente Juscelino Kubitschek e outros tantos, numa miscelânea inimaginável. Algo como se algum dia flagrássemos a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), tucanos, pefelistas e o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) de braços dados, dançando uma quadrilha naturalista (vulgo cancan) durante CPIs promovidas por probos tucanos e ilibados pefelistas, contra membros do governo do presidente Luiz Inácio e do PT – certamente hipótese absolutamente improvável, e só possível enquanto fruto das nossas mais pervertidas fantasias.

Em 1977, o general-presidente Ernesto Geisel ampliou de cinco para seis anos o período de mandato do seu sucessor, o general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo. Mas esses seis anos durariam somente até o governo do presidente José Ribamar Sarney: então, volta tudo para cinco anos.Daí, tivemos até um plebiscito (1993), onde enfrentamos o ridículo de ter de escolher entre República e Monarquia (além de presidencialismo X parlamentarismo). Na ocasião, decidiu-se também que o mandato presidencial seria de apenas quatro anos, mantida a cláusula que proibia a reeleição em mandatos consecutivos para o cargo. Essa cláusula seria derrubada a peso de ouro garimpado pelo ministro Sérgio Motta (PSDB-SP), e distribuído a mãcheias no primeiro grande “mensalão tucano”, para permitir a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

Agora....

Me engana que eu gosto
Mas, além dos maus antecedentes que o inspiram, o deputado Devanir Ribeiro, candidamente, insiste em afirmar que sua iniciativa não reflete o desejo do presidente Luiz Inácio. Teme-se que, depois de expor seu projeto aos seus companheiros no Senado, ele e sua colega senadora Ideli resolvam contar uma piada de papagaio e outra de português.

A negociação possível
Caso as organizações e movimentos de trabalhadores e do povo que organizaram os plebiscitos sobre a Dívida Externa, a Alca e a Vale prossigam sua trajetória e sejam capazes de garantir sua unidade, a única negociação possível (pelo menos nos atuais horizontes) para apoiar um plebiscito pela reeleição presidencial seria que este se fizesse preceder de alguns outros, sobre temas como a Dívida, a Alca, a Vale, a limitação de remessas de lucros pelas empresas estrangeiras e vários assuntos desse porte e relevância.

Mas isso parece improvável: a PEC proposta pelo nobre deputado- amigo do presidente Luiz Inácio certamente visa manter o cumprimento da agenda neoliberal em curso.

sábado, 17 de novembro de 2007

Filosofia da História

(...) não devemos cair nas ladainhas das lamúrias, dizendo que, no mundo, muitas vezes ou quase sempre, os bons e piedosos são infelizes, ao contrário dos maus e perversos. Por felicidade entendem-se coisas bem diversas, como fortuna, honra mundana e coisas semelhantes. Mas quando se trata de um fim em si e por si, o que se chama ventura ou infortúnio deste ou daquele indivíduo particular não pode ser tomado como momento da ordem racional do universo. Aqui não é o interesse nem a paixão individual que exigem satisfação, mas a razão, o direito, a liberdade.
G.W.F. Hegel
1770 - 1831

"Por que Socialismo"

"A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sócio-políticos extremamente difíceis: “como é possível, considerando a muito abarcadora centralização do poder, conseguir que a burocracia não seja todo poderosa e arrogante? Como podem proteger os direitos do indivíduo e mediante ele assegurar um contrapeso democrático ao poder da burocracia?”
Ter claras as metas e problemas do socialismo é de grande importância nesta época de transição."
Albert Einstein
1879 – 1955

A Organização das Massas Operárias Contra o Governo e os Patrões

Nós já o repetimos: sem organização, livre ou imposta, não pode existir sociedade; sem organização consciente e desejada, não pode haver nem liberdade, nem garantia de que os interesses daqueles que vivem em sociedade sejam respeitados. E quem não se organiza, quem não procura a cooperação dos outros e não oferece a sua, em condições de reciprocidade e de solidariedade, põe-se necessariamente em estado de inferioridade e permanece uma engrenagem inconsciente no mecanismo social que outros acionam a seu modo, e em sua vantagem.

Os trabalhadores são explorados e oprimidos porque, estando desorganizados em tudo que concerne à proteção de seus interesses, são coagidos, pela fome ou pela violência brutal, a fazer o que os dominadores, em proveito dos quais a sociedade atual está organizada, querem. Os trabalhadores se oferecem, eles próprios (enquanto soldado e capital), à força que os subjuga.

Nunca poderão se emancipar enquanto não tiverem encontrado na união a força moral, a força econômica e a força física que são necessárias para abater a força organizada dos opressores.

Houve anarquistas, e ainda há, que, ainda que reconhecendo a necessidade de organização na sociedade futura e a necessidade de se organizarem agora para a propaganda e para a ação, são hostis a qualquer organização que não tenha por objetivo direto a anarquia e não siga os métodos anarquistas. E alguns se afastaram de todas as associações de resistência existentes, consideraram quase uma defecção tentar organizar novas associações.

Para esses camaradas, todas as forças, organizadas em um objetivo que não fosse radicalmente revolucionário, seriam, talvez, subtraídas à revolução. Acreditamos, ao contrário, e a experiência já nos mostrou isso muito bem, que seu método condenaria o movimento anarquista a uma perpétua esterilidade.

Para se fazer propaganda é preciso estar no meio das pessoas. É nas associações operárias que o
trabalhador encontra seus camaradas e, em princípio, aqueles que estão mais dispostos a compreender e a aceitar nossas idéias. E mesmo que se quisesse fazer intensa propaganda fora das associações, isto não poderia ter efeito sensível sobre a massa operária. Excetuando um pequeno número de indivíduos mais instruídos e capazes de reflexões abstratas e de entusiasmos teóricos, o operário não pode chegar de uma só vez à anarquia. Para se tornar anarquista de modo sério, e não somente de nome, é preciso que comece a sentir a solidariedade que o une a seus camaradas, é preciso que aprenda a cooperar com os outros na defesa dos interesses comuns e que, lutando contra os patrões e capitalistas são parasitas inúteis e que os trabalhadores poderiam assumir a administração social. Quando compreende isso, o trabalhador é anarquista, mesmo que não carregue o nome.

Por outro lado, favorecer as organizações populares de todos os tipos é a conseqüência lógica de nossas idéias fundamentais e, assim, deveria fazer parte integrante de nosso programa.

Um partido autoritário, que visa controlar o povo para impor suas idéias, tem interesse em que o povo permaneça massa amorfa, incapaz de agir por si mesma e, conseqüentemente, sempre fácil de dominar. É lógico, portanto, que só deseje um certo nível de organização, segundo a forma que ajude na tomada do poder: organização eleitoral se espera atingir seu objetivo pela via legal; organização militar se conta com a ação violenta.

Nós, anarquistas, não queremos emancipar o povo, queremos que o povo se emancipe. Nós não acreditamos no fato imposto, de cima, pela força; queremos que o novo modo de vida social saia das entranhas do povo e corresponda ao grau de desenvolvimento atingido pelos homens e possa progredir à medida que os homens avançam. Desejamos, portanto, que todos os interesses e todas as opiniões encontrem, em uma organização consciente, a possibilidade de se colocar em evidência e influenciar a vida coletiva, na proporção de sua importância.

Nós assumimos como objetivo lutar contra a atual organização social e destruir os obstáculos que se opõem à realização de uma nova sociedade, onde a liberdade e o bem-estar estarão assegurados a todos. Para perseguir este objetivo, unimo-nos em partido e procuramos nos tornar os mais numerosos e os mais fortes possível. Mas os outros também estão organizados em partido.

Se os trabalhadores permanecessem isolados como tantas unidades indiferentes umas das outras, ligadas a uma cadeia comum; se nós mesmos não estivéssemos organizados com os trabalhadores enquanto trabalhadores, não poderíamos apenas nos impor... E então não seria o triunfo da anarquia, mas o nosso. E não poderíamos mais dizermo-nos anarquistas, seríamos simples governantes, incapazes de fazer o bem, como todos os governantes.

Fala-se com freqüência de revolução e acredita-se por esta palavra resolver todas as dificuldades. Mas o que deve ser, o que pode ser essa revolução à qual aspiramos?

Abater os poderes constituídos e declarar extinto o direito de propriedade é desejável: um partido pode fazê-lo além de suas forças, conte com a simpatia das massas e com uma suficiente preparação da opinião pública.

Todavia, e depois? A via social não admite interrupções. Durante a revolução ou a insurreição, como queiram, e imediatamente após, é preciso comer, vestir, viajar, imprimir, tratar dos doentes etc., e estas coisas não se fazem por si mesmas. Hoje o governo e os capitalistas as organizam para delas tirar proveito; quando eles tiverem sido abatidos, será preciso que os próprios operários o façam em proveito de todos, senão verão surgir, sob um nome ou outro, novos governantes e novos capitalistas.

E como os operários poderiam prover as necessidades urgentes se eles não estão agora habituados a se reunir e a discutir, juntos, os interesses comuns, e ainda não estão prontos, de certo modo, a aceitar a herança da velha sociedade?

Numa cidade onde os cerealistas e os donos de padarias tiverem perdido seus direitos de propriedade e, por conseguinte, o interesse em abastecer o mercado, será preciso, a partir do dia seguinte, encontrar nas padarias o pão necessário à alimentação do público. Quem pensará nisso se os empregados das padarias já não estiverem associados e prontos a trabalhar sem os patrões, e se, esperando a revolução, eles não tiverem pensado de antemão em calcular as necessidades da cidade e os meios de abastecê-la?

Todavia, nós não queremos dizer que para fazer a revolução seja preciso esperar que todos os operários estejam organizados. Seria impossível, tendo em vista as condições do proletariado, e felizmente não é necessário. Mas é preciso que pelo menos haja núcleos em torno dos quais as massas possam reagrupar-se rapidamente, tão logo elas sejam liberadas do peso que as oprime.

Se é utopia querer fazer a revolução somente quando estivermos todos prontos e de acordo, é ainda mais utópico querer fazê-la sem nada e ninguém. É preciso uma medida em tudo.

Enquanto esperamos, trabalhemos para que as forças conscientes e organizadas do proletariado cresçam tanto quanto seja possível. O resto virá por si só.
Errico Malatesta
1897

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O Brasil de Hoje é Fruto do Golpe de 1964

O golpe militar de 1964 impôs não apenas 21 anos de ditadura, mas também o ambiente político e cultural que possibilitou – no período da “redemocratização” – ao neoliberalismo aportar com tudo no território brasileiro, estimulado pelas elites empresariais, saudado pelas classes médias e engolido pelos trabalhadores sem maiores resistências.

Em plena Guerra Fria, com o imperialismo norte-americano jogando pesado contra os blocos socialista e terceiro-mundista, o golpe interrompeu o processo de reformas de base articulado por lideranças trabalhistas com o governo João Goulart. As reformas faziam sentido no bojo do desenvolvimento industrial das décadas de 40 e 50, e representavam a justa cobrança dos trabalhadores no acerto de contas com o capital, especialmente para virar a página do atraso oligárquico.

Com o golpe, a experiência educacional transformadora foi duramente reprimida e todo o sistema passou a ser controlado de cima para baixo, com rígida vigilância. Tanto é que inúmeros professores e projetos educacionais foram banidos. Ao mesmo tempo acelerou-se o processo de privatização do ensino superior. Foram criadas as “fundações sem fins lucrativos” que enriqueceram tanta gente. As fábricas de diplomas ganharam status de faculdades e universidades. O sistema criado na ditadura permanece intacto, não apenas vigora até hoje, como é um dos pilares de formação e sustentação intelectual do neoliberalismo.

O projeto de reforma agrária de Celso Furtado, que o governo João Goulart ensaiava colocar em prática, previa a desapropriação de todas as terras ao longo das rodovias e ferrovias, de forma que se pudessem assentar rapidamente todas as famílias que quisessem trabalhar na terra. O golpe de 1964 abortou a reforma agrária e até hoje o Brasil não conseguiu resolver a secular questão agrária e nem criar um modelo para o desenvolvimento da agricultura familiar, a produção de alimentos e a proteção ambiental. Ao contrário, o Brasil agora convive com o latifúndio improdutivo e com o latifúndio do agronegócio – a concentração da terra voltada para a exportação (soja, eucalipto, cana e pecuária), altamente destruidora das reservas florestais, dos recursos hídricos e do meio ambiente.

Nem bem o Brasil saiu da ditadura militar, em 1985, e as elites brasileiras já estavam salivando para privatizar o patrimônio público acumulado nos anos de centralização e de estatização, quando os gestores do regime endividaram o País e o povo brasileiro com inúmeros projetos faraônicos. A ditadura acelerou a destruição da Amazônia com a rodovia Transamazônica e os projetos fracassados de colonização; a ditadura acelerou a destruição dos recursos hídricos com os projetos de grandes hidrelétricas; a ditadura acelerou a destruição cultural do Brasil com os seus projetos autoritários de educação e comunicações. O apoio da ditadura à TV Globo e às demais redes de televisão foi decisivo para “formar” gerações alienadas com a cabeça no consumo e no circo. O sistema de controle da informação e da cultura montado pela ditadura continua intacto até hoje – sob o domínio de alguns grupos empresariais e coronéis eletrônicos espalhados no território nacional.

Nem bem saiu da ditadura e ingressou no neoliberalismo, as elites brasileiras avançaram sobre os direitos dos trabalhadores, retiraram conquistas de décadas, investiram pesado nas “flexibilizações” e “desregulamentações” da legislação trabalhista e social, passaram a arrochar sistematicamente os salários, colocaram milhões na informalidade e multiplicaram várias vezes o exército de reserva – também chamado de desemprego estrutural. Isso só foi possível porque a sociedade brasileira moldada pelos 21 anos de ditadura apagou da memória e da história oficial as lutas feitas e as reformas sonhadas antes de 1964. Depois do último embate, nas eleições de 1989, quando as forças democráticas e populares foram derrotadas – em “eleições livres” – pelo neo-coronelismo apoiado pela velha imprensa empresarial e pelo aparato televisivo construído pelo regime militar, a resistência democrática e popular entrou em declínio, importantes setores da esquerda se renderam ou foram cooptados pelo modelo político-econômico, as propostas transformadoras e socializantes desapareceram dos sindicatos e das universidades. É nesse quadro que o movimento social ainda tenta se reerguer – com muita dificuldade.

Basta lembrar que toda a imprensa brasileira – com exceção do jornal Ultima Hora – apoiou o golpe militar de 1964, na defesa dos interesses dos fazendeiros, do capital industrial nacional e do capital estrangeiro. Da mesma forma, hoje, a grande maioria da imprensa brasileira defende ardentemente os postulados do neoliberalismo, apóia a entrada desenfreada do capital estrangeiro, o sistema financeiro concentrado em grandes bancos e a concentração da terra para o agronegócio. Os motivos de fundo para o golpe de 1964 constituem ainda hoje o programa em vigor das elites dominantes. Isso significa que o golpe de 1964 pode ser considerado completamente vitorioso, pois interrompeu de forma duradoura – há 43 anos – o que estava sendo ensaiado de transformações em favor das classes trabalhadoras. Desde então os trabalhadores não vivenciaram mais nenhum processo de reformas que pudesse mudar as estruturas do País. O Brasil é hoje mais capitalista do que já foi em toda a sua história. Com todos os problemas que esse sistema produz.
Hamilton Octávio de Souza

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Os Indiferentes

Odeio os indiferentes.
Acredito que viver
significa tomar partido.

Indiferença é apatia,
parasitismo, covardia.
Não é vida.

Por isso, abomino os indiferentes.
Desprezo os indiferentes,
também, porque me provocam
tédio as suas lamúrias
de eternos inocentes.

Vivo, sou militante.
Por isso, detesto
quem não toma partido.

Odeio os indiferentes.
Antonio Gramsci

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Copa do Mundo no Brasil, para além do debate econômico

Para antropólogos, torneio expõe a apropriação da paixão pelo futebol como instrumento de dominação

“A realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil constitui um evento cuja força escapa a toda e qualquer tentativa de domesticação política”, pondera José Paulo Florenzano, antropólogo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), antes que surja qualquer argumento que reforce a antiga idéia, a saber, “futebol é alienação”. Para Florenzano, a Copa comporta riscos simbólicos para as instâncias de poder que sonham em manipulá-la em proveito próprio; expõe a todos os perigos o discurso televisivo que pretende imprimir-lhe uma significação nacionalista-patriótica; e possui uma dinâmica que pode cimentar a unidade nacional, tanto quanto, inversamente, expor as fraturas do corpo social.

Tudo o que organização da Copa de 2014 não quer é expor tal fratura. Comemorada, em viagem à Suíça no dia 30 de outubro por cartolas, governadores e até pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a confirmação de que o evento será realizado no Brasil pode ser um risco para a elite.

Mas ela pensa à frente. Por que não transformar a paixão pelo esporte em ufanismo?

De acordo com Luiz Henrique de Toledo (o Kike), antropólogo da Universidade de São Paulo (USP), será uma boa oportunidade para avaliar o significado da seleção brasileira, “valor tão atacado e fustigado em tempos de globalização de times e selecionados”.

Para a antropóloga Bernadete Castro Oliveira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, a “paixão” pelos clubes é manipulada pela mídia em prol da idéia de um selecionado que represente um “Brasil homogêneo”. “Todo o brasileiro tem uma paixão por um time. Do ponto de vista antropológico, o time funciona como se fosse um clã, reúne os indivíduos por um sentimento, por um ideal comum. Na seleção, se toma essa sensação de clã para um ideal manipulado de naçãoh, explica. Assim, para ela, a identidade é transportada de um plano para outro que, de certa maneira, vai servir como uma apropriação do povo pela elite, por meio da mídia.

Dominação
“(O futebol) se tornou um instrumento de dominação. Na década de 1970, por exemplo, o Estado autoritário tentou forçar a construção de um imaginário de povo-nação por meio da seleção”, lembra Bernadete.

Kike reforça esse pensamento. Para ele, a identidade não é uma representação que se sustenta por si mesma, “antes de tudo é projeto político de grupos, de elites, dos governos que se sucedem. Mas acho que, nos últimos tempos, houve pouca instrumentalização do futebol como o maior índice identitário”.

Mesmo com toda a força da mídia, a tentativa de homogeneizar o povo brasileiro não “fez gol”.

“O futebol não pode ser culpado pelas rixas, essas têm a ver com processos históricos e políticos mais complexos que, de vez em quando, destilam pelo futebol tais rivalidades regionais, mas não vejo como uma Copa do Mundo, um evento episódico, possa fazer da nação um corpo político e cultural homogêneo”, aponta Kike

Mais. O antropólogo da USP não acredita nesse tipo de identidade homogênea: “é ingenuidade pensar assim”. E provoca. “A pergunta é, o futebol é amado por muitos povos e por que só aqui insistimos que ele seja um dos índices de identidade, será que isso se repete na Alemanha, Itália e etc. a despeito da sua enorme popularidade? Popularidade e símbolo de identidade nem sempre estão associados. Nós queremos que seja, pelo enquanto (estiver ganhando)”.

Brasilidade
Na Copa, a brasilidade pode ser reatualizada. “Simbolicamente, o futebol nos diz algo daquilo que convencionalmente chamamos de brasilidade, mas isso também não é algo mecânico e a-histórico, para isso tem que ser reatualizado, ritualizado, reproduzido e reproduzindo seus jogadores, seus especialistas e continuar sendo um fenômeno midiático, outro elemento fundamental para que qualquer fenômeno ganhe modernamente esse status de signo identitário”, afirma Kike.

Noves fora o patriotismo “idiotizado” pela mídia, o fato é que a imagem do brasileiro está sempre ligada ao futebol. “Uma coisa é Copa do Mundo, outra coisa é o futebol”. Essa foi a primeira frase do meia Sócrates em entrevista ao Brasil de Fato. Com Magrão o papo é reto. “Futebol é essência. É o exercício dessa prática. Outra coisa é a Copa, que é um negócio, onde tem um 'monte de ladrão roubando dinheiro'”, afirma, sem rodeios, um dos grandes ídolos do futebol brasileiro.

Outro ícone da seleção brasileira, o atacante Tostão acredita que a festa de 2014 será um motivo de congraçamento dos Estados brasileiros e de unificação do conceito de pátria. “Isso é bom, desde que não seja uma coisa ufanista, de glorificar algo que não é para glorificar e iludir as pessoas”, afirma.
Eduardo Sales de Lima

terça-feira, 6 de novembro de 2007

De acordo com o filme “Tropa de Elite”, “favelado bom é favelado morto”

“HOMENS DE preto, qual é sua missão? É entrar na favela e deixar corpo no chão”. Começo este artigo copiando a abertura de outros dois artigos dos que mais gostei no mar de análises sobre o filme “Tropa de elite”. Cláudia Santiago e Ivan Pinheiro iniciam seus textos reproduzindo o refrão cantado pelo Bope nos seus treinamentos. É nele, exatamente, que está a linha geral do filme que, independentemente das intenções do produtor e dos atores, é um hino ao Bope (Batalhão de Operações Especiais que atua nas favelas do Rio). Nesse refrão, está a mensagem central do filme.

Discute-se muito se o filme é de direita, se é fascista ou nazista. Para mim, ele contribui para consolidar, entre a população, a idéia de legitimidade das ações policiais que exterminam pobres e moradores de favelas no Rio de Janeiro. E faz isso no momento em que militantes de direitos humanos travam, na cidade, uma luta para pôr fim a essa violência. Fruto dessa batalha, inclusive, foi criada a Rede Nacional de Jornalistas Populares que, em seu lançamento, contou com a presença da mãe de uma das vítimas da violência policial.

Ou seja, independentemente da vontade de seus executores, o filme serve muito bem às idéias que a direita semeou: todo pobre é perigoso, é ladrão, é bandido. Todos. Basta ser pobre, de preferência negro, para ser, no mínimo, suspeito.

Se a missão do Bope é “entrar na favela e deixar corpo no chão”, a mensagem que o filme passa é de que na favela só tem criminoso, assassino, traficante a ser deixado no chão. Essa é a primeira, a segunda, a terceira, a quarta idéia do filme. É a idéia mais nociva. Ivan Pinheiro, ao final do seu artigo, propõe uma interpretação, com a qual estou de acordo, sobre o resultado ideológico- político do filme: “Em qualquer país em que “Tropa de elite” passar, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, o filme estará contribuindo para que a sociedade se torne mais fascista e mais intolerante com os negros, os imigrantes de países periféricos e delinqüentes de baixa renda”.

Um festival de idéias de direita
Há um hábito, no Brasil, de quase ninguém se assumir como de direita. Hoje, esse costume se reforça com a balela de que direita e esquerda não existem mais. Acabou tudo. O filme nos mostra que, ao contrário, a diferença entre direita e esquerda está mais viva do que nunca. “Tropa de elite” não só apresenta, por meio da narrativa da filosofia do Bope, um grande quadro de idéias de direita, mas também as mostra de maneira simpática, dinâmica e as justifica. O público, obviamente, se comove com o policial com síndrome de pânico, embora este seja torturador de homens, crianças e mulheres e assassino. E se encanta com aquele que reconhece a miopia do menino. Se é tão bom, é possível compreendê-lo quando se transforma, devido à perda do amigo que queria ajudá-lo, em assassino e torturador. Então, justifica a barbaridade dos homens de preto que têm como missão “entrar na favela e deixar corpo no chão”.

Ou seja, não interessa se de propósito ou não, o filme faz campanha e reforça, no coração e na mente de milhões, idéias contra as quais a esquerda se bate há séculos. No artigo de Cláudia Santiago existe um roteiro de algumas das idéias altamente nocivas do filme. Ela afirma: “Os membros do Bope são mostrados como heróis incorruptíveis, dispostos a combater o crime a qualquer custo, mesmo que esse custo seja ‘esculachar moradores’, condenar sem julgamento, torturar crianças e companheiras de traficantes e matar”. Para ela, a prática da tortura, da pena de morte aplicada de maneira informal e a ridicularização da luta pelos direitos humanos são algumas das várias lições de direita que o filme dá aos espectadores. A culpa do tráfico jogada em jovens estudantes “maconheiros”, sem procurar os grandes responsáveis pelo tráfico que não querem que ele acabe, é outro ponto forte do filme.

Extermínio dos moradores
O filme faz sucesso por dois motivos:

- Trata do tema que mais preocupa a sociedade brasileira: a violência e a segurança.

- Retrata e reproduz as idéias dominantes da sociedade sobre a favela, os pobres, os negros, ideologia espalhada pelos quatro Cavaleiros do Apocalipse da comunicação de direita nacional: Folha de S. Paulo, Estadão, Globo e Veja.

A capa dessa revista, no seu número 2.030, do dia 17, não deixa dúvidas sobre o caráter do filme. A manchete é “Pegou geral”. Em seguida, Veja nos esclarece com a seguinte legenda: “O filme ‘Tropa de elite” é o maior sucesso de nossa história porque trata bandido como bandido e mostra usuário de droga como sócio dos traficantes”.

Essa mensagem, que tanto agrada à revista, não é novidade. Não foi o José Padilha quem as inventou. Sempre se falou que “Bandido bom é bandido morto”.

Sempre, entre a classe dominante, desde o tempo da casa-grande e da senzala, existiu o pavor-pânico das “classes perigosas”, isto é, dos pobres. Sempre se confundiu pobre com criminoso. São idéias que têm origem na tradição secular de uma sociedade escravocrata dividida entre a casa-grande e a senzala. O que o filme faz é simplesmente reforçar toda essa ideologia.

Há várias falas e imagens, ao longo do filme que consagram a idéia de que a favela é lugar de bandido:

“O farda preta entra na favela para matar”, se ouve lá pelas tantas. Sim, matar. Matar quem? Lógico, aqueles bandidos favelados.

A raiz da guerra do tráfico
Desde as primeiras cenas aparece a tal “guerra”. Guerra de quem contra quem? A quem interessa essa guerra? Por que não se acaba com ela? A única solução que o filme aponta é o extermínio. De quem? Dos generais dessa guerra? Não. Não há chefões, não há gente interessada em não acabar com essa guerra. Ela existe e ponto final.

Quem disse que essa guerra precisa existir? Não há outras hipóteses? Não há a possibilidade de as “drogas serem vendidas em drogarias”? Não há a possibilidade, por meio da liberação, de acabar com o tráfico e com essa guerra? Há muita gente que acha que assim diminuiria o uso de drogas.

Já se tentou imaginar uma sociedade sem tráfico... sem corrupção policial, sem armas contrabandeadas, sem propinas para advogados e juízes? E, sem tráfico de drogas, como ficaria a lavagem de dinheiro praticada por muitas empresas? Outra pergunta: o tráfico é coordenado por quem? Será que os chefes do exército do tráfico são aqueles garotos de olhos esbugalhados que ficam lá no alto dos morros dando tiros sem saber em quem e pra quê? O filme não fala nada sobre essa parte da realidade. Então, não venham me dizer que o filme refletiu a realidade. Não. Re- fletiu a parte da realidade que queria ver.

A outra foi deixada no escuro e não vai ser vista por quem o assistir.

A imagem que fica é a do morador de favela, traficante. Esse tem que morrer, porque os heróis que o filme apresenta para nossa sociedade idolatrar, os Bope, vestidos de preto, continuam cantando que sua “missão é entrar na favela e deixar corpo no chão”. Corpo de pobre, evidentemente. Não daqueles que vivem da guerra dos meninos do tráfico contra os homens de preto, que rende bilhões de dólares anuais para os verdadeiros chefões do tráfico.

Vito Giannotti é coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A Religião é o Ópio do Povo

"O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo.
Karl Marx, "Uma Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel" (1844)

Você vai perceber de imediato duas coisas. Primeiro, Marx não diz que a religião é o narcótico, o entorpecente do povo, mas sim que é o ópio -- um narcótico específico.

Caracterizar a religião como uma droga que anestesia a dor, por mais chocante que seja para muitos, hoje, foi ainda mais radical em sua época. E no entanto, mais do que condenando a religião em si, Marx na verdade estava criticando a condição de uma sociedade que levaria as pessoas a um entorpecimento. De qualquer modo, a partir daí, não paramos de ouvir as críticas aos comunistas sem Deus, implicando que o pensamento marxista não tem valores nem moralidade.

Isso não é bem verdade. O que Marx queria dizer é que a religião funciona no sentido de pacificar os oprimidos; e a opressão é definitivamente um erro moral. A religião -- dizia ele -- reflete o que falta na sociedade; é uma idealização das aspirações do povo que não podem ser satisfeitas de imediato. As condições sociais da Europa nos meados do século passado tinham reduzido os trabalhadores a pouco mais que escravos; as mesmas condições produziram uma religião que prometia um mundo melhor na outra vida.

Ainda segundo Marx, a religião não é apenas uma superstição ou uma ilusão. Ela tem uma função social: distrair os oprimidos da realidade de sua opressão. Enquanto os explorados e espezinhados acreditarem que seus sofrimentos lhes granjearão liberdade e felicidade no futuro, estarão considerando a opressão como parte de uma ordem natural -- um fardo necessário e não uma coisa imposta pelos outros homens. É isso o que Marx queria dizer ao chamar a religião de "ópio do povo": ela alivia sua dor, mas ao mesmo tempo, torna-os indolentes, nublando sua percepção da realidade e tirando-lhes a vontade de mudar.

O que Marx queria? Ele queria que as pessoas abrissem os olhos para as duras realidade do capitalism0 burguês do século dezenove. Os capitalistas estavam extraindo mais e mais lucros a partir do trabalho do proletariado, ao mesmo tempo que "alienavam" os trabalhadores de sua auto realização. O que os trabalhadores mereciam, e poderiam obter se acordassem de sua sonolência, era o controle de seu próprio trabalho, a posse do valor que geravam com esse trabalho e, conseqüentemente, auto estima, liberdade e poder.

Para atingir esse fim, Marx clamava pela "abolição da religião como felicidade ilusória do povo."

Ele queria que eles buscasse a "felicidade real", que na filosofia materialista de Marx era a liberdade e a realização neste mundo. Já que os ricos e poderosos não iriam entregar isso de graça, as massas teriam de tomá-lo. Daí, luta de classe e revolução.

Veja em: http://www.geocities.com/Athens/4539/opiodopovo.htm

Abrir a “caixa preta” das comunicações no Brasil

MOBILIZAÇÃO Campanha dos movimentos sociais defendem participação da sociedade civil no debate da renovação das concessões de rádio e TV

O DIA 5 de outubro de 2007 é uma data emblemática. Depois de 15 anos, vence o prazo de concessão de várias emissoras privadas de televisão no País como as cinco retransmissoras da Rede Globo (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Belo Horizonte), Band, Record, Gazeta, entre outras. A data foi escolhida pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), organização que reúne os principais movimentos populares e sindicais do País, para o lançamento da “Campanha por democracia e transparência nas concessões de rádio e TV”. Estão previstas mobilizações em 11 capitais brasileiras. A iniciativa, sob o mote “Concessões de rádio e TV: quem manda é você”, pretende denunciar as irregularidades dos processos de renovação das outorgas de exploração de serviço de radiodifusão, que desrespeitam o caráter público das concessões de rádio e TV. No mesmo dia das mobilizações, serão entregues ao Ministério Público Federal representações contra emissoras que veiculam publicidade 24 horas por dia – o que desrespeita a legislação. Também serão encaminhados ao Ministério das Comunicações pedidos de informação sobre as emissoras com outorgas vencidas. A questão não se resume às concessões que vão vencer. Hoje, diversas emissoras de rádio e TV funcionam com a outorga expiradas e contam com o consentimento do poder público. O Ministério das Comunicações faz mais do que vistas grossas e trata a informação como sigilosa. No início de 2007, retirou de sua página na internet a listagem que relacionava prazos de vencimento dos concessionários da rádio e TV. A falta de fiscalização por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) facilita a prática irregular dessas emissoras. O que favorece as cerca de oito famílias que hegemonizam as comunicações no Brasil configurando um oligopólio poderoso na formação de opinião da população brasileira.

Democratizar a mídia
Os movimentos sociais que compõem a CMS avaliam que há uma “caixa-preta” a ser desvendada em todo o processo de renovação. De acordo com Rosana Berttoti, diretora de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), esta é uma pauta estratégica para os movimentos sociais. “A forma com que a mídia criminaliza os movimentos sociais fez com que nós encampássemos esse debate das concessões para que pudéssemos discutir que rádio e televisão no Brasil é concessão pública, logo precisa ser tratada como tal”, explicou. A reivindicação central da CMS é por um novo marco regulatório para as comunicações. A proposta é que sejam contemplados mecanismos de participação da sociedade civil na hora de se conceder um canal de TV ou uma potência de rádio. “É preciso que se tenham critérios de participação na hora de conceder e um processo de avaliação durante (o tempo de vigência), ou seja, que sejam respeitados os movimentos sociais, as mulheres, os negros, as minorias”, disse Rosana. processo de renovação de outorga de concessão ocorre a cada 15 anos, no caso da TV, e a cada 10 anos, no caso de rádios.

Discurso conservador
A maior dificuldade dos movimentos sociais é se contrapor à ladainha do medo, entoada pelos grupos empresariais, de que cobrar critérios para a renovação de concessão é uma “discussão autoritária” ou uma “ameaça à democracia”. A retórica dos oligopólios, no entanto, não se sustenta à luz da própria Constituição que determina ao poder Executivo a competência de renovar e outorgar uma concessão. Mesmo assim, as empresas elaboram um discurso pelo qual se apropriam de um serviço público – o de radiodifusão – e rejeitam a participação da sociedade na definição daquilo que a compete, em uma democracia: a definição nos destinos do que pertence, justamente, ao povo. “Isto não é, nem nunca foi, uma democracia. Isso se chama oligarquia. As concessões não deveriam ser dadas por órgãos estatais, mas por um órgão de majoritária participação popular.

O Conselho de Comunicação Social deveria ser um órgão de Estado, mas com participação popular e poder de dar ou negar as concessões”, disse o jurista Fábio Konder Comparato. Para Comparato, é preciso estabelecer uma série de controles para que o interesse público seja respeitado na ótica dos direitos humanos. “O Ministério Público deveria atuar sobre programas de rádio e televisão racistas. É preciso criar ouvidorias populares sobre a rádio e televisão. Os ouvidores deveriam ser eleitos e não ter nenhuma ligação com o poder Executivo. É preciso que os órgãos de comunicação de massa sejam democratizados, o que significa que não podem ser propriedade de empresas particulares”, defendeu o jurista.

Mayrá Lima - Brasília (DF)

Uma Difícil Opção: Reformar o Capitalismo ou Ruptura Socialista?

O mundo que emergiu da Segunda Guerra Mundial favoreceu a classe operária. Se antes o comunismo e o socialismo haviam se expandido bastante entre o operariado, após a guerra, a adesão tornou-se avassaladora. A esse enorme crescimento dos partidos comunistas europeus, somou-se a presença mundial da União Soviética, que saiu da guerra como potência militar e econômica de primeira grandeza. Um setor mais lúcido da burguesia compreendeu então que, se batesse de frente com o operariado, o mundo iria pelos ares. Objetivamente, não havia mais condições para manter políticas econômicas baseadas numa doutrina econômica responsável por duas carnificinas mundiais e pela maior crise econômica da história do capitalismo. Para evitar o pior a burguesia aceitou – sempre a contragosto e sempre resistindo ao máximo – a intervenção do Estado na economia, com a finalidade de promover o desenvolvimento e de reduzir as desigualdades entre as regiões e as classes sociais. Surgiu então o Estado de Bem-Estar Social, que incorporou várias reivindicações da classe trabalhadora: jornada de oito horas, repouso semanal, salário mínimo, férias, estabilidade - tudo o que constava das pautas do movimento operário antes da guerra. Esse período durou 25 anos e, enquanto durou, as condições de vida dos operários melhoraram substancialmente. Contudo, o mais importante não foi conseguido: apesar da enorme força dos sindicatos e dos partidos operários, não se conseguiu derrotar politicamente a burguesia e substituir o modo de produção capitalista pelo modo socialista. Em meados dos anos de 1970, o Estado de Bem-Estar Social entrou em crise. Saiu dela, dez anos depois, com a contra-revolução liberal – agora sob a roupagem de neoliberalismo. Essa contra-revolução, que é mundial, atingiu o Brasil com toda força, a partir de 1990, quando FHC declarou que iria virar a página da Era Vargas. De lá pra cá, os trabalhadores não conseguiram sequer uma vitória importante. Só perderam direitos e benefícios sociais. A derrota causou perplexidade e divisão entre a classe trabalhadora. Alguns partidos e movimentos procuram reviver o Estado de Bem-Estar Social, propondo reformas na estrutura do capitalismo brasileiro.

Outros consideram que não se pode voltar atrás o relógio da história e que não existem condições internacionais e internas para que a burguesia brasileira (brasileira?) seja reformada.

A hora seria, portanto, de formular uma estratégia de ruptura socialista, no contexto de um processo internacional. Mais dia, menos dia, os trabalhadores terão de optar entre essas duas estratégias.

Plinio Arruda Sampaio é advogado, ex-deputado constituinte, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) e diretor do jornal Correio da Cidadania

As Tropas das Elites

EM MEIO a acirradas polêmicas e uma efervescente projeção na mídia, estreou nos cinemas do Rio e São Paulo o filme “Tropa de Elite”, de José Padilha, cujo maior mérito, pelo visto, foi saber explorar como poucos o caótico quadro de (in)segurança pública nos grandes centros urbanos de Bruzundangas. A produção já era conhecida do grande público bem antes do seu lançamento, graças à onda de DVDs piratas que os incansáveis camelôs venderam Brasil afora antes da estréia oficial (uma pesquisa do Datafolha afirma que 19% dos paulistanos já tinham visto a obra antes da estréia). Em cena, o Bope – a tropa da PM que invade as favelas com o temível Caveirão –, um vilão que já posa de herói no turbulento imaginário da classe média, sempre repleto de ícones de Hollywood B. Não resta dúvida de que o tema virou comoção nacional. E, quando os bobos da corte se revoltam – como fez Luciano Huck, que clamou pelo Bope depois que roubaram seu singelo Rolex dourado nas ruas de Sampa –, a histeria só tende a crescer. Contudo, tratemos de recorrer ao crivo da razão para não sucumbir de vez à barbárie neoliberal.

Em primeiro lugar, é absolutamente impossível comparar o atual quadro de violência social com aquele que existia nos primeiros anos da ditadura militar, em que a vertiginosa transfiguração da fisionomia espacial do país – para a qual concorriam o surto de industrialização, a expansão da “fronteira agrícola” e o êxodo crescente dos lavradores espoliados pelos grandes proprietários – já criava imensos bolsões de excluídos nas entranhas das metrópoles, conforme tão bem nos ilustram as páginas de nossa literatura, desde a prosa contundente de Graciliano Ramos em Vidas Secas, ou o antológico poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, até o recente romance Cidade de Deus, de Paulo Lins. Nos cárceres da ditadura, por sinal, quadros das organizações de esquerda travaram um precário contato com alguns cérebros da criminalidade comum, o que teria inspirado a criação de facções criminosas articuladas sob o molde dos partidos clandestinos, com uma estrutura piramidal típica do centralismo democrático leninista. Segundo nos relatam escritores como José Louzeiro, autor de “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”, assim teria surgido o famoso Comando Vermelho nas prisões do Rio de Janeiro, com o sugestivo lema de “Justiça, paz e liberdade”. Hoje, porém, na hipertrofiada sociedade de consumo que medrou à sombra de nosso capitalismo periférico, não há lugar para qualquer Robin Hood tropical. O narcotráfico, bem o sabemos, opera sob a lógica corporativa do capital, sem nenhum laivo de ética ou idealismo social. E se Brasília não dá exemplo de comportamento gregário, nem os varejistas das drogas, espalhados entre o morro e o asfalto, tampouco os atacadistas, comodamente instalados à beiramar, conhecem algum código de honra... Não idealizemos, pois, a bandidagem (do asfalto ou do Planalto), que deve ser punida com o rigor da lei. Da mesma forma, ninguém se iluda com o aparato de repressão estatal. Quando os sem-teto de Recife saem às ruas em busca de solução para o drama da moradia popular nas cidades, cujas Secretarias de Habitação em geral são invadidas pelos magnatas da especulação imobiliária, lá está a PM, pronta para dispersá-los. Enquanto o governador tucano José Serra, para alegria dos fazendeiros, propõe equacionar o conflito fundiário no Pontal do Paranapanema mediante a regularização a toque de caixa de vastos hectares de terras griladas, não faltam tropas da PM para acossar os sem-terra que continuam a resistir à avassaladora expansão do agronegócio em plagas tupiniquins. E até mesmo quando a fazenda de FHC, o sociólogo dos príncipes, foi ameaçada de ocupação pelo MST, para lá acorreram os tanques do Exército, a fim de “dissuadir” os lavradores de qualquer ação mais incisiva contra o “patrimônio” de um típico coronel da pós-modernidade tropical. Por isso, uma velha questão ecoa em Bruzundangas: a quem servem as tropas das elites?

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em literatura latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Degradação Familiar

"A burguesia rasgou o véu sentimental da família, reduzindo as relações familiares a meras relações monetárias"
Karl Marx

Liberdade

"Os capitalistas chamam "liberdade" a dos ricos de enriquecer e a dos operários para morrer de fome. Os capitalistas chamam liberdade de imprensa a compra dela pelos ricos, servindo-se da riqueza para fabricar e falsificar a opinião pública"
Lenin

Até Quando

Não adianta olhar pro céu, com muita fé e pouca luta.
Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve,
você pode, você deve, pode crer.
Não adianta olhar pro chão, virar a cara pra não ver.
Se liga aí que te botaram numa cruz e
Só porque Jesus sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer.
Até quando você vai ficar usando rédea? Rindo da própria tragédia?
Até quando você vai ficar usando rédea? (Pobre, rico, ou classe média).
Até quando você vai levar cascudo mudo?
Muda, muda essa postura.
Até quando você vai ficando mudo?
Muda que o medo é um modo de fazer censura.
Até quando você vai levando? (Porrada!_Porrada!)
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando? (Porrada!_Porrada!)
Até quando vai ser saco de pancada?
Você tenta ser feliz, não vê é deprimente, seu filho sem escola, se velho "tá" sem dente.
"Cê" tenta ser contente e não vê que é revoltante, você ta sem emprego e a sua filha "tá" gestante.
Você se faz de surdo, não vê que é absurdo, você que é inocente foi preso em flagrante!
É tudo flagrante! É tudo flagrante!
Até quando você vai levando? (Porrada!_Porrada!)
Até quando vai fica sem fazer nada?
Até quando você vai levando? (Porrada!_Porrada!)
Até quando vai ser saco de pancada?
A polícia matou o estudante, falou que era bandido, chamou de traficante.
A justiça prendeu o pé-rapado, soltou o deputado... e absolveu os PMs de vigário!
Até quando você vai levando? (Porrada!_Porrada!)
Até quando vai fica sem fazer nada?
Até quando você vai levando? (Porrada!_Porrada!)
Até quando vai ser saco de pancada?
A polícia só existe pra manter você na lei, lei do silêncio, lei do mais fraco:
ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco.
A programação existe pra manter você na frente, na frente da TV,
que é pra te entreter, que é pra você não ver que o programado é você.
Acordo, não tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar.
O cara me pede o diploma, não tenho diploma, não pude estudar.
E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado, que eu saiba falar.
Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá.
Consigo um emprego, começa o emprego, me mato de tanto ralar.
Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar.
Não peço arrego, mas onde que eu chego se eu fico no mesmo lugar?
Brinquedo que o filho me pede, não tenho dinheiro pra dar.
Escola, esmola! Favela, cadeia! Sem terra, enterra!
Sem renda, se renda! Não! Não!!
Até quando você vai levando? (Porrada!_Porrada!)
Até quando vai fica sem fazer nada?
Até quando você vai levando? (Porrada!_Porrada!)
Até quando vai ser saco de pancada?
Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente.
A gente muda o mundo na mudança da mente.
E quando a mente muda a gente anda pra frente.
E quando a gente manda ninguém manda na gente.
Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura.
Na mudança de postura a gente fica mais seguro,
na mudança do presente a gente molda o futuro!
Até quando você vai ficar levando porrada,
até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai ficar de saco de pancada?
Até quando você vai levando?
Gabriel - O Pensador

Perguntas de Um Trabalhador que Lê

Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros constam os nomes dos reis.
Os reis arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruída
Quem ergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro
Moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros
Na noite em que ficou pronta a Muralha da China?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os levantou?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio só tinha palácios
Para seus habitantes?
Mesmo na legendária Atlântida,
Na noite em que o mar a engoliu,
Os que se afogavam gritaram por seus escravos.
O jovem Alexandre consquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os gauleses,
Não tinha pelo menos um cozinheiro consigo?
Felipe de Espanha chorou quando sua armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Fredrico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?Uma vitória a cada página.
Quem cozinhava os banquetes da vitória?
Um grande homem a cada dez anos.
Quem pagava as despesas?
Tantos relatos.
Tantas perguntas.
Bertolt Brecht

O Analfabeto Político

O pior analfabeto
É o analfabeto político,
Ele não ouve, não fala,
Nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe o custo da vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha,
Do aluguel, do sapato e do remédio
Dependem das decisões políticas.
O analfabeto político
É tão burro que se orgulha
E estufa o peito dizendo
Que odeia a política.Não sabe o imbecil que,
da sua ignorância política
Nasce a prostituta, o menor abandonado,
E o pior de todos os bandidos,
Que é o político vigarista,
Pilantra, corrupto e lacaio
Das empresas nacionais e multinacionais.
Bertold Brecht

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Ilha da Fantasia - COPA 2014

O Brasil foi eleito sede para a COPA 2014, o que seria lindo, se não fosse ridículo !!!!!

Vivemos em um país, no qual milhões de pessoas vivem em condição de miséria, sem moradia, alimentação, habitação, saúde pública, etc.

O investimento para a construção dos estádios, melhorias no transporte e segurança chegará a cifras absurdas, e poderia ser revertido para ajudar a seca no Nordeste, para habitação daqueles que vivem em favelas, moradores de rua, sem terra, sem teto, sem emprego...blá..blá...blá....

Mas o nosso Governo Federal por se tratar de uma "Mula" prefere viver na sua "ilha da fantasia", levando alguns ilustres "brasileiros" para representar a nação verde amarela. Na apresentação para a FIFA, mostraram um PAÍS LINDO, com crianças felizes, Amazônia, jacaré, Cristo Redentor, pessoas dançando frevo, cachoeira, montanhas, etc Esqueceram de mostrar a guerra nas favelas do RIO, mas isso é detalhe, a fome no Nordeste, a saúde pública falida, os lindos moradores de rua sem comida, e outras precariedades do nosso Brasil não vêm ao caso ....

BASTA DE HIPOCRISIA !!!!!

O Brasil não tem condições de sediar nem "Campeonato Mundial de Peteca"

Precisamos primeiro resolver os nossos problemas.

ACORDA BRASIL!!!!!!

Sérgio Cabral e a criminalização dos pobres

Quem viu as imagens do helicóptero atirando em supostos narcotraficantes imagina o que fazem em áreas pobres da cidade?

Sérgio Cabral, governador do Estado do Rio de Janeiro, é uma das figuras políticas da atualidade das mais nefastas. A todo o momento ele justifica a (visível) violência policial em áreas pobres desta cidade. A última desse senhor, que é um dos responsáveis pelo agravamento do quadro de violência na cidade do Rio de Janeiro, é dizer que os moradores de favelas, quando reclamam da ação policial, são pagos pelo tráfico. Ou seja, de antemão, a política de Estado que gera a truculência policial é justificada. Diariamente, os jornais eletrônicos mostram imagens de policiais subindo morros com suas metralhadoras em busca de traficantes. De antemão, qualquer cidadão que venha a morrer em um suposto confronto é traficante. Se for trabalhador, como volta e meia tem acontecido, não importa, as autoridades da área de segurança vão justificar a violência sob qualquer preço e condenar quem, das áreas pobres, denunciar a violência policial.

E quando isso acontecer, ou alguma entidade ilibada, como a Ordem dos Advogados do Brasil, seção RJ, criticar a ação policial, Cabral convoca o gaúcho José Mariano Beltrame, um cidadão do gênero acima de qualquer suspeita, para responder, sempre de forma arrogante e autoritária, como se o ideal de um Secretário de Segurança fosse impor respeito pelo medo e ameaças.

A área de segurança do Estado do Rio - que recebeu o apoio do ministro da Defesa, Nelson Jobim (*), o relator-falsificador de dispositivos da Constituinte, segundo o próprio admitiu, não usando o termo falsificador - está adotando uma política de confronto com os narcotraficantes por entender que essa é a melhor forma de combater a delinqüência. É o esquema Bope, Tropa de Elite (ou será da elite?) em ação, agora contemplado no cinema, que dá voto na classe média senso comum, a mesma que depois de ler Veja, O Globo e ver o Jornal Nacional, defende a matança indiscriminada. Na prática, embora não tenha coragem para afirmar, o que defendem é a filosofia do “pobre (bandido) bom é o pobre (bandido) morto", seguindo a lei do deus mercado, cujo único conceito de cidadania é o do consumidor.

Os vôos rasantes que Brizola proibia

Matança indiscriminada, é isso mesmo, ou será que alguém tem dúvidas a respeito? Quem viu as imagens nos telejornais da Globo na favela da Coréia de um helicóptero atirando em dois supostos narcotraficantes, mesmo admitindo-se que fossem narcotraficantes, completamente fora de combate, pode imaginar o que os agentes da lei andam aprontando nas áreas pobres da cidade de difícil acesso? Como nos velhos tempos da ditadura quando os homens da lei afirmavam, depois de matar opositores, que eles morreram em confronto. Até porque, vale sempre repetir, que a maioria dos que vivem em áreas pobres, não são traficantes, mas sim trabalhadores ou gente a procura de trabalho.

E quem não tem memória fraca lembra que o então governador Leonel Brizola, satanizado pela mídia conservadora e pelos mesmos setores senso comum que hoje aplaudem o Bope, proibia os vôos rasantes de helicópteros da polícia nos espaços das favelas. Agora, com Cabral e mesmo com outros governadores, essa prática passou a ser de rotina.

O Governo do Estado do Rio de Janeiro, depois das andanças de Sérgio Cabral pelo mundo, principalmente na Colômbia, radicalizou no confronto imaginando que a violência estatal vai acabar com a violência dos narcotraficantes. E, nessa guerra absurda, quem mais sofre é a população dos bairros pobres, que vive sobressaltada, tanto pela violência policial como a dos narcotraficantes pé-de-chinelos, pois os grandões, os da Vieira Souto, continuam fazendo das suas nos paraísos fiscais, lavando, traficando ou aprontando impunemente o que melhor lhes convém para aumentar os lucros.

Corrida desenfreada pela audiência

É isso aí. E no meio desse panorama lamentável, a mídia conservadora cumpre o seu papel, como uma espécie de guardiã do senso comum. Nesse turbilhão sangrento, a diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro queima a imagem da própria categoria ao incentivar e aplaudir a realização de um curso de segurança para “cobertura jornalística em área de risco”, ministrado por um instrutor militar com experiência no Afeganistão e Iraque. O conservador O Globo também aplaudiu a iniciativa conjunta do sindicato dos jornalistas e dos sindicatos patronais de jornais, rádios e TVs. Coisa boa não pode ser, até porque, trabalhador e patrão é igual a água e azeite, não combinam.

Ou seja, a diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro em vez de se posicionar contra a política de criminalização dos pobres embarca numa canoa furada para supostamente proteger os jornalistas que fazem reportagens nas chamadas áreas de risco.

Cursos dessa natureza, ainda por cima ministrados por instrutor militar que não se identifica, segundo O Globo, por “questão de segurança”, dá, no mínimo, para desconfiar. Afinal, depois de circular no Afeganistão e no Iraque junto às tropas de ocupação, o tal instrutor, de nacionalidade inglesa, no mínimo teria contas a ajustar em um tribunal penal internacional, que o ocupante-mór daqueles dois países, os Estados Unidos, se recusa a reconhecer.

E, como se não bastasse, a prática dessa iniciativa não é só inócua, como também está associada à corrida desenfreada pelo ibope. E por que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro silencia diante da prática de repórteres em área de risco, estimulados por mega-empresários midiáticos atrás do lucro fácil, que usam como escudo a própria polícia e às vezes tiram fotos ou filmam no interior do Caveirão? Repórteres que na prática se espelham nos jornalistas estadunidenses que acompanhavam as tropas invasoras em cima dos tanques.

Por essas e muitas outras, inclusive na área de meio ambiente, que vale um outro comentário (não é mesmo secretário Carlos “eucalipto” Minc?), dá para afirmar em alto e bom som que o governo do Estado do Rio de Janeiro é um desastre sob todos os pontos de vista. Tem mais, a continuar a política de confronto como vem sendo colocada em prática pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, as perspectivas para a cidade do Rio são assustadoras. Quem conseguir viver, e não for vítima de bala perdida, verá.

Ah, sim: quem ainda se lembra das declarações de um oficial da PM, de charuto na boca dizendo que o maior sonho dele era combater no Iraque, claro, ao lado das tropas de ocupação que invadiram aquele país do Oriente Médio em busca de petróleo? O referido deve continuar a cumprir as missões de sempre, ou seja, atacar alvos nas áreas pobres do Rio de Janeiro. E, se bobear, daqui a pouco Beltrame, Sérgio Cabral e outros da cúpula estadual fluminense de segurança farão visitas relâmpagos ao Iraque aprender a lição de combate. Não será surpresa.

* Quando foi deputado federal e na Constituinte, Jobim introduziu na Constituição da República artigos que escreveu e não submeteu à votação do Parlamento. Um dos dispositivos é o que estabelece o princípio da independência entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Confessou a fraude e permanece impune. Segundo os professores Adriano Benayon e Pedro Dourado de Rezende, Jobim adicionou três incisos ao artigo 172 da Carta Magna, para proibir que os recursos destinados ao "serviço da dívida (isto é, ao pagamento de juros aos bancos) pudessem ser remanejados no Orçamento”. O estudo dos dois professores revelou que, com a falsificação, essa não confessada por Jobim, o serviço da dívida foi multiplicado, para gáudio do capital financeiro internacional. Dá para entender porque ele é tão badalado pela mídia conservadora.

Mário Augusto Jakobskind é jornalista.