segunda-feira, 24 de março de 2008

Os 200 anos da Imprensa Régia

“A revista moralista
mostra uma lista
dos pecados da vedete
E tem jornal popular
que nunca se espreme
porque pode derramar
(...)
É somente folhear e usar”
(TomZé - “Parque industrial” - 1967)

OS 200 ANOS – que ora comemoramos – da chegada ao Brasil da família real portuguesa, posta para correr da Europa por Napoleão I e escoltada até nossos portos seguros pela Marinha inglesa, suscitam reflexões sobre vários dos seus aspectos. O mais óbvio, sem dúvida, é a abertura dos portos a nações amigas (leia-se Inglaterra), anunciada ainda na escala feita em Salvador, antes mesmo da corte chegar ao seu destino, o Rio de Janeiro, cidade elevada repentinamente a capital do Reino Unido a Portugal e Algarve. Isto é, a capital do Império Português.

Nos velhos livros escolares brasileiros, essa fuga ganha o título quase mágico de “A Transmigração da Família Real para o Brasil”, do mesmo modo que a debandada, alguns anos depois, das forças de Duque de Caxias – O Pacificador –, nos é apresentada pomposamente, pela historiografia oficial, como “A Heróica Retirada da Laguna”.

Ah, o que são capazes de construir as palavras!

Na verdade subproduto do prolongamento e expansão da revolução burguesa na Europa, e das aspirações imperiais da França napoleônica que pretendia, através da Península Ibérica – e especialmente através de Portugal –, pôr de joelhos (e fazer rezar) a “Loira Albion”, a chegada da caravana marítima de reinóis lusos acabara por imprimir uma nova dinâmica à velha colônia, acelerando inclusive seu processo de independência monitorada por Londres, na medida dos seus interesses.

Disso tudo, porém, nos diz respeito particularmente, neste momento, apenas um dos atos do príncipe regente João VI, que governava em substituição da senhora sua mãe, dona Maria I, acometida de insanidade mental, o que lhe valeu desde então o epíteto de A Louca. Falamos da criação da Imprensa Régia, em 13 de maio de 1808, pouco depois do desembarque no Rio.

Ainda que de caráter absolutamente oficial, a Imprensa Régia significou a primeira vez que se imprimiu legalmente no Brasil – o primeiro jornal privado legal e não submetido diretamente aos governantes ou ao Estado, em nosso país, só passará a existir três anos após a independência. Foi o Diário de Pernambuco, fundado em 1825.

As elites sempre souberam da importância e do poder dos meios de comunicação. Por isso mesmo, logo depois da chegada dos portugueses, em abril de 1500, Lisboa garantiu para si alguns monopólios estratégicos na sua nova colônia. O monopólio da terra, da exploração das riquezas, do comércio e da comunicação. No que diz respeito a esse último, todo e qualquer material estava proibido de ser impresso no país – sob pena, inclusive, de punição com morte dos infratores da norma.

Ou seja, Portugal paria assim quadrigêmeos siameses, fantasmas que rondam a classe trabalhadora e o povo brasileiro desde sempre: a propriedade monopolizada da comunicação, da terra, da produção/exploração e do comércio, que depois do período da colônia, passarão a ser controladas inicialmente pelos capitais locais, para hoje – e desde há algum tempo – serem oligopolizadas e apropriadas pelo grande capital internacional.

Mas, apesar de tudo, os trabalhadores e o povo brasileiro poderemos de algum modo comemorar pequenos avanços no dia dos 200 anos de fundação da Imprensa Régia:

1. A grande mídia brasileira é hoje a instituição nacional mais desmoralizada e menos confiável para amplos setores da população.

2. A principal revista de circulação nacional, a Veja (Editora Abril), com sua redação povoada por “nossas antas” e outros energúmenos, além de só ter crédito junto à ultradireita, está sendo alvo de absoluto achincalhamento, através de um dossiê do jornalista Luís Nassif, que invadiu e se expandiu via internet, não apenas Brasil afora, mas por todo mundo (veja o dossiê - http://luis.nassif.googlepages.com/).

3. A Rede Globo (Organizações Globo), o poderoso império construído pelo senhor Roberto Marinho em troca de apoio e outros favores aos sucessivos governos da ditadura, além de reconhecida publicamente pela contumaz falsificacação das informações que transmite, é hoje acusada formalmente e conduzida às barras dos tribunais por estelionato. De acordo com seus acusadores, a poderosa Rede Globo falsificou documentação de compra da antiga TV Paulista (leia reportagem - http://www.brasildefato.com.br/v01/impresso/jornal.2008-03-13.1254343899/editoria.2008-03-13.0408421018/materia.2008-03-14.8780657646/).

Aguardemos até o dia 13 de maio. Quem sabe nos estejam reservadas outras boas surpresas. Mas, em sendo tudo “briga de branco”, acabará tudo em pizza?

segunda-feira, 17 de março de 2008

Chamem a juíza Karam!!!

Assistir Meu Nome Não é Johnny depois de Tropa de Elite é ótimo para perceber os discursos estéticos e políticos que atravessam os filmes e seus personagens frente a questão das drogas e da violência: de um lado o mais novo herói brasileiro, o garoto propaganda da cerveja turbinado como Capitão Nascimento e defendendo a “moral da tropa”, a “boa” policia que destila ódio e ressentimento contra Ongs de “menininhas bonitas bem intencionadas”, demoniza jovens que fumam maconha (“quantas crianças vão para o tráfico para esse cara fumar um baseado”) , e rotula todos com a mesma insígnia de “inimigos públicos número 1”: consumidores, traficantes, policia corrupta, ongs, todos merecem um “corretivo” dos camisas-preta.

O filme e o personagem não criam nenhuma brecha para qualquer questionamento, a ação arrasta o espectador para um discurso regressivo e vingativo, bastante popular, de culpabilização, moralismo e terror, sintetizados na cena em que o Capitão Nascimento, enfia a cara de um consumidor num cadáver ensangüentado berrando “veado, maconheiro é você que financia essa merda!!!”

O prazer, o gozo regressivo do personagem em estado de excitação vai produzindo uma comoção fácil na platéia, a verdade da fúria santa e da “indignação”, o mesmo tipo de denuncismo e indignados que a mídia não cessa de repercutir e incensar, com a propagação de idéias e slogans simplórios, “contra a corrupção”, “contra dar dinheiro aos pobres”, contra qualquer política que crie uma real ruptura no estado das coisas.

Narrados na primeira pessoa, os dois filmes constroem uma identificação imediata, cinematográfica, entre o espectador e os personagens-narradores a partir desses momentos de catarse. O Capitão Nascimento excitando nosso devir-fascista, com sua “expertise”, frases-feitas, camisa-preta e apologia da tortura, do extermínio e celebração da morte. Ou seja, o terror de Estado legitimado cinematograficamente e socialmente. E, de outro lado, o narrador-experimentador, João Estrela, também falando na primeira pessoa do singular e partilhando seu devir-consumidor, devir-traficante, devir-família, devir-presidiário, devir-careta, sem que nada disso seja “incompossível”, nem tenha que ser demonizado e negado.

A primeira vítima da narrativa de Tropa da Elite é portando o espectador, tornado refém da lógica do Capitão Nascimento e de Matias, aspirante a Capitão, que só têm um devir: virarem assassinos fardados e arrastar o espectador no gozo regressivo da repressão, da tortura, e da infantilização, o Bope é o “bicho papão” de preto e caveira, fantasia carnavalesca que as crianças adotaram no Rio de Janeiro, “e que vai pegar você”.

O filme cola nesse discurso de tal forma que é impossível não querer o que ele quer e não justificar suas ações. O espectador se torna refém. Não é coincidência que o símbolo do Bope é a mesma caveira-símbolo dos esquadrões da morte. A pulsão de morte e a adrenalina, o gozo imperativo e soberano em ver, infligir e se expor a violência está presente em todo o cinema de ação comercial, numa regressão planetária que reafirma a "autoridade absoluta", o poder que normalizaria o caos e regraria a catástrofe, mesmo que utilize para isso a violência e arbitrariedade máximas. Toda a ideologia Bush, anti-terrorista, cabe aí. É o mesmíssimo discurso! A guerra infinita, a guerra total permanente.

O dualismo e pragmatismo do personagem do Capitão se repetem em cenas catárticas em que esculacha e sufoca com um saco plástico gosmento de sangue um garoto do tráfico, chutado, espancado, torturado, para passar mais informações. O filme justifica a tortura da “boa” policia como parte de sua expertise e eficiência. A tortura é apenas mais uma “tecnologia”, como o Caveirão, totalmente justificada, “moralmente” e cinematograficamente, como num “institucional do Bope”, como já disseram.

Meu nome não é Johnny aposta num anti-Capitão Nascimento, um anti-herói hedonista e sedutor, “no stress”, que cheira para se divertir, para amar, sem deixar de ser afetuoso, família, amigo, amante. A figura não-clichê de João Estrela sugere que o pressuposto de “um mundo sem drogas” é no mínimo hipócrita, e não leva em consideração a cultura e o desejo humano e um componente importante no cenário contemporânea, o risco assumido e livre. Como a gordura trans e o álcool, qualquer droga seria um “direito” do consumidor contemporâneo. Por que não?

É sabido que o consumo de drogas não fere nem ameaça a rede social, é uma decisão, um risco individual. O consumo de drogas não seria menos epidêmico e arriscado que o consumo de gorduras, aditivos cancerígenos, miríades de estimulantes, calmantes, excitantes e no máximo poderia ser um caso de saúde pública, não um caso de polícia se não houvesse a ilegalidade na produção e consumo.

É a ilegalidade e o proibicionismo que levam a criação de sistemas violentos para assegurar a produção e comércio das drogas. Grupos armados e para-militares para assegurar a produção e venda e defender o negócio da polícia e de outros concorrentes, acertos de contas internos, zonas de controle de territórios pela violência armada, corrupção, subornos, assassinatos para assegurar a lavagem de dinheiro, cultura da delação e da traição, delação premiada, produzindo ódio, desconfiança e vingança generalizados. Sobre a legalização das drogas, o Capitão Nascimento age como uma toupeira. Essa hipótese não existe para o personagem, nem para o filme, dramaturgicamente. Em Meu Nome não é Johnny a questão aparece de forma mais interessante e complexa, mas não faz parte do mundo mental ou social dos personagens.

As hipóteses e explicações nos filmes patinam em clichês já sabidos (mas não custa repetir, Meu Nome não é Johnny é muito mais sofisticado e sutil).

Afinal, por quê não circulam outros discursos sobre as drogas, como os da juíza de direito Maria Lúcia Karam ou do advogado carioca André Barros, que defendem e militam pela descriminalização, a medicalização e a legalização das drogas, com avanços gradativos?

O usuário podendo fazer uso de consumo individual, freqüentar salas de consumo, ter acompanhamento médico e controle da qualidade do produto, até chegarmos a legalização e controle do comércio de drogas, seja por empresas privadas ou pelo estado.

Legalizar, defende a juíza, é quebrar o ciclo da violência das armas, da corrupção (da policia, de políticos, de empresários), da guetificação da violência e da repressão policial infringida às favelas e aos pobres, do uso e extermínio da mão de obra infantil e de jovens, da degradação da saúde, através do uso seguro, é romper um ciclo vicioso de violência já instalado.

Legalizar é acabar com a hipocrisia e combater a violência extrema e o regime de exceção e arbitrariedade legitimados pelo Estado, pela polícia, pela sociedade-anti-pobres e pelo tráfico, sócios na produção da atual barbárie.

Nem corrupção, nem omissão, nem guerra. A questão é de guerrilha, é não ficar refém do Capitão Nascimento, é minar os clichês e discursos conservadores. Chega de vingança regressiva, chamem a juíza Karam!

Ivana Bentes

sexta-feira, 7 de março de 2008

Sociologia é retirada do currículo paulista

Cabe a pergunta: por que será que querem tanto acabar com a Sociologia, com a Filosofia e com as demais disciplinas que são capazes de transformar as pessoas, de fazê-las pensar e refletir sobre nossa situação?!?

É claro que é porque criar cidadãos críticos é perigoso para os 5% que dominam os outros 95%!!!
Para eles, assim como bandido bom é bandido morto, povo bom é povo burro! E é claro que a mídia dá uma "mãozinha".



Vejam a notícia:

Na contramão de decisão federal, tucanos eliminam disciplina no ensino médio; sindicatos tentam reverter situação em 2009.

Para a atual gestão do governador José Serra (PSDBSP), a disciplina de Sociologia, no ensino médio, não tem importância na educação dos jovens. Contrariando uma norma federal elaborada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2006 – que tornou a disciplina, assim como Filosofia, obrigatória –, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo retirou por completo a Sociologia das salas de aula.

A decisão foi oficializada pela resolução 92, do dia 19 de dezembro de 2007, que reestrutura a grade curricular dos ensinos fundamental e médio paulistas.

Já as aulas de Filosofia ainda são obrigatórias no Estado. No Brasil, todos os demais 25 estados e o Distrito Federal, sem exceção, normatizaram a regra. Anteriormente, ainda no governo de Geraldo Alckmin (1999-2006), os tucanos tinham tirado a obrigatoriedade da disciplina. Lejeune de Carvalho, presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo (Sinsesp), conta que cerca de mil, das 3.750 escolas estaduais, mantinham a disciplina. Com a nova medida, que passa a valer a partir deste ano, cerca de mil pro- fissionais serão demitidos. “Para nós, a decisão é um erro grave, mais um retrocesso na qualidade da educação em São Paulo”, protesta.

Reação

Diante da nova resolução, o Sinsesp e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) buscaram apoio junto a parlamentares e ao Ministério Público Estadual (MPE). Duas reuniões com a secretária de Educação, Maria Helena Guimarães, já foram feitas. “Ela, que é socióloga, inclusive, se justifica afirmando que essa determinação já estava em andamento quando assumiu, em julho de 2007, e que está disposta a corrigir o erro”, afirma Carvalho.

Para isso, foi estabelecida uma comissão tripartite constituída pelo Sinsesp, Apeoesp e pela Secretaria, com acompanhamento de um assessor jurídico. O Grupo de Trabalho formado elaborará um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que, se assinado por todas as partes e também pelo procurador geral do MPE, tem força de lei.

No texto, Carvalho conta que a obrigatoriedade da disciplina retornará. Entretanto, os estragos da resolução 92 para 2008 já estão feitos.

“Não é possível mais reverter a situação deste ano. O TAC só passará a valer em 2009”, aponta.

A medida do governo tucano causou indignação até mesmo em sociólogos considerados alinhados ao PSDB. José de Souza Martins, em artigo publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo do dia 10, escreveu que “o movimento pela sociologia no ensino médio se arrasta sem rumo até hoje, perturbado pela compreensão pobre que dele têm os governos, as escolas e o professorado. Uns porque têm como referência uma economia de resultados, em que o bom e apropriado ensino é confundido com o número de alunos que uma escola catapulta no vestibular das boas universidades públicas”.

Para Lejeune de Carvalho, a decisão do governo tucano vai ao encontro do aprofundamento das medidas neoliberais. “Serra é o porta-vez desse modelo, e dentro dele não cabe Sociologia. É um absurdo privar a juventude do acesso ao instrumental que a nossa ciência proporciona”, finaliza.

Dafne Melo



Promessa de mudança!

ELE PARECERIA um rei, tamanha a beleza. A bermuda despojada, uma camisa em tom pastel e um boné surrado que gritava, em vermelho sangue, uma palavra muito pouco ouvida na universidade: favela. Ele era um, em meio a uma centena de jovens negros que lotavam o auditório da reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para um dia histórico. O dia em que negros e negras, muitos deles empobrecidos, entraram na universidade, não para uma visita ou para servirem de objetos de estudo, mas para ser aluno, fazer um curso superior. É que, pela primeira vez, a UFSC destinou cotas para negros no seu vestibular de ingresso.

Na comissão de professores que atendia, um por um, os calouros, era visível a alegria e o orgulho de ver uma luta de anos finalmente sendo concretizada na prática. Havia sorrisos, apertos firmes de mão e até abraços. Pelo auditório, passeavam outras cores, cabelos cheios de tranças ou dreads, colares étnicos, risos. Eram negros, centenas, e não aquela meia dúzia, em geral africanos, que a comunidade universitária está acostumada a ver pelo campus. Eu penso que não deveria haver cotas para negros, nem para índios, nem para estudantes da escola pública. Mas, enfim, desde que a universidade surgiu existe uma reserva de cotas. É a cota dos que fazem cursinho pago. Dos que podem ter bons colégios particulare s. Então, isso sempre existiu. E, já que existiam cotas para os ricos, é muito justo que exista também para os negros, para os índios e para os que estudam em escola pública. No regime excludente da universidade pública, estas cotas instituídas agora são muito justas sim. E podem gritar os racistas, os neonazistas, e todos os outros “istas” que existem por aí, enrustidos ou não.

É claro que a luta deve ser por escola para todos. Todo e qualquer ser humano que viva aqui nestas terras devia ter direito a uma universidade pública e de qualidade. Porque gratuita ela não é. Todos nós pagamos para que poucos possam ter uma formação. E até hoje, os empobrecidos, os negros e os índios (estes, na sua maioria, também empobrecidos) não tinham essa chance. Não conseguiam passar a barreira da cota dos cursinhos. Quem pode ter duzentos, trezentos reais, para pagar por mês um curso preparatório?

As cotas são um paliativo. Sim, são. Mas elas podem ser fermento de mudança, elas podem escancarar a chaga escondida do racismo .

Ontem, na UFSC, eu vi. Aqueles garotos e garotas negros, sempre marcados pelo preconceito, pela exclusão, unicamente por conta da cor, agora dentro da universidade. Não que isso seja muita coisa. Não que seja bom para eles. É bom para a universidade, isto sim! Esta universidade racista, conservadora, por vezes reacionária, precisava se abrir ao outro, ao que sempre esteve fora por conta da sua condição econômica. Esta universidade precisa conviver com a gurizada que vem das escolas públicas, com as gentes das comunidades de periferia, com garotos como aquele do boné que grita: favela!

E tudo o que eu queria ver era esses garotos e garotas negros trazerem para dentro dos muros do campus sua música, sua cultura, suas raízes, seu riso, sua crítica, sua raiva, sua doçura, sua esperança, seu jeito de viver. E tudo o que eu quero é que eles não fiquem como a maioria dos universitários: apáticos, egoístas, ambiciosos, pensando só no mercado. Eu quero que eles possam revolver conceitos, inventar o novo. Eu fiquei olhando para eles, mergulhada em emoção e sonhando. Ainda são poucos, muito poucos, mas podem fazer um grande estrago. Sempre digo que a universidade, tal como é, precisa morrer. Há que nascer uma universidade diferente, capaz de pensar a vida real, capaz de caminhar nas estradas secundárias, capaz de construir uma nova sociedade. Não sei por que, mas creio que pode começar agora. Quando as gentes da periferia, os que estão excluídos da vida digna, os índios massacrados, entrarem e seguirem sendo eles mesmos, ajudando a inventar um tempo novo.

Assim, ontem, num átimo, me voltou a esperança...

Elaine Tavares é jornalista

quarta-feira, 5 de março de 2008

Os milionários de Bruzundangas

UMA ‘COLUNISTA social’ da grande imprensa paulistana, bastante afeita à rotina da burguesia tupiniquim, publicou em 2007 uma longa crônica acerca de alguns hábitos cultivados pelos milionários da província. A matéria, obviamente, confere aos “muito ricos” uma aura de poder e superioridade que só as grandes fortunas logram cultivar: eles não se misturam à plebe ignara, nem sequer são vistos nas ruas, lojas ou joalherias; ao contrário, “são elas que vão até eles – muito mais prático”, escreve, deslumbrada, a (pseudo)jornalista. Em compensação, adoram “brincar de pobres” e costumam passar as férias em uma casa simples, mas bastante confortável, “numa praia ainda não descoberta do Nordeste” (decerto a região-símbolo da pobreza nacional, deve supor a colunista).

O mito composto pela crônica vai mais além. Ela se preocupa em consignar que “os muito ricos não ostentam”: seus carros costumam ser “pretos, de marca indefinida” e nunca são novos ou “do ano”; as dondocas multimilionárias, por sua vez, não usam roupas ou acessórios ‘identificáveis’ e têm costureiros exclusivos, que só elas conhecem e que tampouco fazem questão de aparecer nas revistas de modas, para que suas criações não se ‘vulgarizem’ na mídia ou na fogueira de vaidades dos artistas. Os realmente ricos, insiste o artigo, “não falam de moda nem de consumo”, e o vinho servido em suas mesas é tão excepcional que vem em garrafas de cristal, sem registro de ano ou origem, pois, afinal, não é preciso...

A peça laudatória se encerra com curiosas observações sobre a vida íntima dos casais milhardários, que, afiança a cronista, dormem em cômodos separados, só saem dos seus quartos vestidos a rigor e sempre se tratam com a maior cerimônia. O texto nos adverte, por fi m, a título de pedigree, que homens e mulheres “muito ricos mesmo” têm uma coisa em comum: eles jamais dão uma gargalhada; no máximo, sorriem... Isso tudo foi escrito em outubro, meu caro leitor. Agora em janeiro, uma pesquisa internacional revelou que, além de ser um dos países em que o número de milionários mais cresce, o Brasil é o segundo na lista das nações onde as fortunas se multiplicam mais rapidamente. Afora isso, dados dos consultores especializados atestam que o comércio de luxo cresceu 17% por aqui em 2007, com uma explosão de vendas de carros de marca, jatos executivos e helicópteros (só para o leitor ter uma idéia, o preço de um Range Rover Vogue é R$ 390 mil, e o de um BMW 760 chega a R$ 700 mil...).

Toda essa desfaçatez reunida me fez lembrar o notável Lima Barreto e sua viagem ficcional à imaginária República de Bruzundangas, cuja elite era formada por latifundiários que viviam nas cidades, “gastando à larga, levando vida de nababos e com fumaças de aristocratas”.

Quando o café não lhes dava o bastante “para as suas imponências e as da família”, começavam a clamar que o país iria à bancarrota, que era preciso salvar a lavoura, pois o café era o esteio do país; e — zás — arranjavam “meios e modos de o governo central decretar um empréstimo de milhões para valorizar o produto”. O único detalhe é que o genial romancista carioca escreveu essa sátira no início do século XX, quase cem anos antes desta pós-modernidade neoliberal que o grande capital transnacional nos impôs. Talvez tenha mudado o cenário ou alguns figurinos; houve algum arranjo no enredo, decerto, transposto para o novo milênio – mas o leitor mais atento com certeza está a reconhecer que o nosso drama, em essência, pouco ou nada mudou.

Sim, caríssimos leitores: carrancuda ou risonha, regada a vinho ou a café, Bruzundangas é aqui; Bruzundangas é agora.

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular)

Uma crônica sem cartões

ABRIMOS OS jornais e, afora o copioso noticiário policial ou os calorosos eventos esportivos, só logramos ler caudalosas matérias sobre o uso nebuloso – ou seja, o abuso – dos famosos cartões corporativos da União e do governo paulista (isto é, as tchurmas de Alckmin & Serra), ou então a extensa e quase apaixonada cobertura que os repórteres da colônia realizam sobre as convenções primárias de democratas e republicanos para a escolha dos delegados que definirão os candidatos dos maiores partidos ianques à sucessão do malsinado George W. Bush.

Sobre o primeiro tema, cronistas mais célebres do que este escriba, como os mestres Veríssimo e Cony, já se pronunciaram com muita verve e humor na grande imprensa tupiniquim. Quanto ao segundo, julgo até compreensível o interesse exagerado da mídia, já que a aguda crise do império do Norte anda a preocupar bolsas & mercados – e sabe-se lá se todos eles ainda terão emprego ao final do presente ciclo, que se caracteriza não só por uma visível retração da economia, como também por um profundo desgaste no cenário internacional, após as malogradas invasões ao Iraque e Afeganistão. Obama e/ou Hillary não resolverão nada, posso assegurar-lhes, mas oxalá a malta de W. Bush & Dick Cheney volte para o banco de reservas ao longo dos próximos anos.

Em meio a esse duopólio da pauta, uma notícia, porém, desperta singular interesse. Trata-se de uma pesquisa coordenada por Ian Rowlands, da University College de Londres, acerca do “Comportamento Informativo do Pesquisador do Futuro”. Em outras palavras, um estudo sobre o suposto mito de que a geração nascida após 1993, mais habituada aos mecanismos digitais, teria maior facilidade em lidar com o mundo virtual e obter informações por meio de ferramentas de busca eletrônica como o Google ou Yahoo. Uma das conclusões mais severas da pesquisa, segundo enuncia o professor inglês, é que “a sociedade está emburrecendo”. Ao consultar portais com dados relevantes (como a Biblioteca Britânica e outros), acadêmicos mais jovens e até mesmo doutores mais experientes “passam os olhos por títulos, índices e resumos vorazmente, sem leitura real”.

Obviamente, há quem discorde dessas avaliações. Um professor da UFMG reconhece que o Google privilegia certas páginas em detrimento de outras, e que os alunos não sabem discernir um portal de artigos acadêmicos do “blog do Joãozinho” – e, pior, são capazes de citar o blog sem o menor pudor, já que lhes falta “juízo de valor”. Contudo, não seria a Internet a responsável por tal tendência: agia-se da mesma forma “quando pesquisávamos nas enciclopédias”, ele adverte; “o que mudou foi a oferta de informação”. A ferramenta eletrônica, como qualquer outra, aliás, apresenta riscos e vantagens. Basta evocar o caso da televisão, cuja difusão entre nós, a partir de 1950, sob os auspícios de Tio Sam, revelou talentos notáveis, mas também se prestou aos mais perniciosos desígnios, que o digam os Robertos Marinhos e Bispos Macedos das nossas “cadeias nacionais”.

O perigo maior, pois, é torná-la um mero fetiche, esquecendo- se do essencial em qualquer processo civilizatório ou regime social: quem controla essa ferramenta? Ou, parafraseando o velho e sábio Marx, quem é o proprietário desse “instrumento” de produção? Não há dúvida de que o meio eletrônico é um suporte básico para o atual estágio ‘biocibernético’ de acumulação do capital, assim como a máquina a vapor ou o motor a combustão são ícones vitais do capitalismo industrial. Mas ele não deve ser naturalizado como uma prerrogativa inata e exclusiva do capital. A luta em favor da inclusão digital e pela mais ampla democratização do acesso ao universo eletrônico está na pauta dos movimentos sociais em todo o planeta. Conquistemos e socializemos essa arma criada pelo inimigo. Lembremos, uma vez mais, as lições de Macunaíma e dos antropófagos de Bruzundangas: “devorar” o outro e digeri-lo, para assimilar sua força e engenhosidade.

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).