quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Panem et circenses

O POETA latino Juvenal dedicou essas palavras de amargo desprezo àqueles romanos que, em plena decadência do Império, no início da nossa era, dirigiam-se ao Foro apenas para pedir trigo e espetáculos gratuitos, ou seja, “pão e circo”. A velha máxima consagrada em suas Sátiras parece ser o lema adotado pelos políticos de Bruzundangas já há algumas décadas, mas sob a batuta de Lulinha Paz & Amor, o bordão se impôs de modo cabal e irreversível.

Enquanto o agronegócio expulsa os lavradores do campo e o sistema financeiro abarrota os cofres com lucros astronômicos, o governo federal se incumbe das políticas compensatórias, como a badalada “Bolsa-Família”, ou seja: Brasília se ocupa do pão dormido que aplaca a miséria nos grotões e favelas da pátria-mãe.

Quanto ao circo, há picadeiros e eventos de sobra nestas plagas. Sem falar nos palhaços, como o ‘democrata’ César Maia. Embora o PAN-2007 - verdadeira farra do boi para empresas, empreiteiras e “autoridades” - não tenha solucionado um único problema de infra-estrutura no Rio de Janeiro, o alucinado prefeito, com uma desfaçatez inigualável, ousou declarar que “acumulamos muito em termos de segurança” no Estado. Assim, em meio a balas perdidas e com o país imerso em vários escândalos de corrupção, a saúde pública entregue ao deus-dará (e aos mosquitos...) e a tragédia urbana esgarçando cruelmente nossas tênues estruturas sociais, assistimos há poucos meses à bizarra cerimônia de anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, para delírio dos cartolas da CBF e da tchurma da Rede Globo, para quem o Brasil é um país de mentirinha que lhes rende milhões de dólares & euros bem reais.

Os mais otimistas insistem na tese de que sempre herdaremos alguns “equipamentos” e benefícios com tais iniciativas espetaculares. Suponhamos que seja verdade: como impulsionar essa máquina, se os nossos jovens continuam a receber a pior educação formal da América Latina? Como diria um cronista esportivo mais arguto, “de que adianta o computador na sala de aula, se o professor é semi-analfabeto?”

Como, no entanto, o show não pode parar, nossos protestos se diluem em meio ao verdadeiro frenesi midiático com que somos bombardeados dia após dia na província. As últimas notícias - e imagens -, por sinal, são de dar náusea a qualquer cidadão decente deste país: à frente do Comitê Olímpico Internacional, lá estão eles, os membros da comitiva que viajou à Suíça (Arthur Nuzman, o presidente do COB, o governador Sérgio Cabral, o secretário Eduardo Paes & cia) com os documentos da candidatura do Rio para sediar as Olimpíadas 2016. Pouco importa se esta é a quarta vez que o país pleiteia sua vaga no grande circo olímpico e que, nas três vezes anteriores, jamais tenha superado a primeira fase do processo de escolha. O time é mesmo da fuzarca: sorriem com gosto e unem suas mãos como se fossem os novos mosqueteiros, a celebrar a típica novela de capa & espada tropical - “um por todos e todos contra o povo!”

Foram até a Europa para levar um dossiê que poderia ser remetido por mera via postal, como fizeram os governantes de Chicago, Tóquio, Madri, Praga, Doha (Qatar) e Baku (Azerbaijão). Hospedaram-se em hotel luxuoso, cuja diária mais barata custa R$ 676,00. E, obviamente, sequer se preocuparam com o orçamento final da campanha, cuja previsão inicial é de US$ 42 milhões, a ser dividido pelas três esferas do poder público - Prefeitura, Estado e União - em partes iguais, o que faz tremer o contribuinte (sobre quem, afinal, recaem todos os custos das orgias oficiais).

Lembro-me de Juvenal e constato que o mundo está mesmo de pernas pro ar: afinal de contas, essa gente deveria estar no Coliseu romano, entregue aos leões, para deleite dos plebeus pós-modernos.

Panem et circenses...

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).

Um comentário:

Anônimo disse...

E o povo está tão alienado por nossa midia que a "vitória do Brasil" para sediar a Copa do Mundo foi amplamente comemorada por pessoas que não tem a menor chance de assistir a esses jogos, é impressionante e lamentável como, sem a devida informação, nossas mentes são frágeis.